30 de setembro de 2025
Politica

Corregedor diz que aposentadoria compulsória é um ‘prêmio’ e propõe fim dos juízes ‘TQQs’

O ministro Mauro Luiz Campbell Marques, corregedor nacional de Justiça, defende a extinção da aposentadoria compulsória de juízes envolvidos em crimes que vão desde fraudes, corrupção e desvios até a venda de sentenças. “É um prêmio! O que seria uma punição passa a ser um prêmio essa aposentadoria remunerada”, avalia Campbell, de 63 anos, ministro do Superior Tribunal de Justiça.

O ministro destaca que existem ‘vários casos de juízes recém-ingressados na magistratura, juízes com dez anos, ou até menos de carreira’, que são aposentados pela via compulsória e deixam a toga com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça, defende cassação da remuneração 'vitalícia' a magistrados condenados: 'Privilégio'
Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça, defende cassação da remuneração ‘vitalícia’ a magistrados condenados: ‘Privilégio’

O desligamento definitivo da carreira com remuneração para o resto da vida é previsto no artigo 42 da Lei 0rgânica da Magistratura Nacional (Loman) como a ‘sanção’ mais pesada imposta a juízes que saem do trilho da legalidade e da ética.

A Loman é um resquício dos anos de exceção. Criada em 1979 (Governo Figueiredo) ela se mantém incólume até hoje – a categoria é refratária a mudanças no texto, especialmente quando surgem propostas que ameaçam os dois meses de férias a que a toga tem direito.

Na semana passada, Campbell esteve em São Paulo. Foi homenageado no Instituto dos Advogados de São Paulo. O presidente da entidade, Diogo Leonardo Machado de Melo, enalteceu a atuação do ministro ‘no sentido da desburocratização da administração pública e na atualização da lei de improbidade administrativa’.

“Sua trajetória honra a magistratura brasileira e inspira a todos nós, que acreditamos na Justiça como pilar da democracia”, disse Melo.

Para Campbell, o CNJ ‘teve o mérito de superar o paradigma de ser órgão de controle administrativo, financeiro e disciplinar para se transformar em indutor de políticas públicas no âmbito do Poder Judiciário’.

O ministro aponta os ‘valores de transparência, controle e fortalecimento da corregedoria nacional’.

“O Conselho tem transformado a forma como administramos a Justiça. Hoje, é impossível pensar no Judiciário sem o CNJ”, disse.

‘Hóspedes da magistratura’

O que o indigna, e muito, é o fato de magistrados pilhados no peculato se manterem merecedores do ‘prêmio’ de passarem para a inatividade com subsídios elevados. “Não digo que eles são juízes, na verdade são hóspedes da magistratura, gente que se emprega na magistratura para auferir benefícios indevidos, para cometer crimes”, afirma Campbell.

“Nos moldes da sanção a aposentadoria concedida a eles é um benefício indevido. Passa a ser um prêmio. Quando era para ser punição vira um prêmio.”

Ele faz um paralelo com as regras da iniciativa privada. “O cidadão brasileiro, da iniciativa privada, se quisesse naturalmente, voluntariamente, espontaneamente se aposentar não poderia (com 10 anos de carreira) porque não teria tempo de contribuição suficiente.”

Campbell segue. “Imagine só na magistratura: o sujeito (juiz) comete um crime e é sancionado com a aposentadoria compulsória. Ou seja, em vez de se punir e reprimir a prática criminosa ele vai ganhar um prêmio, vai ser contemplado com a remuneração.”

“Aí alguém vai argumentar: ah, mas é proporcional ao tempo de serviço”, segue o ministro. “Ora, se o trabalhador comum quiser se aposentar com dez anos de atividade com salário proporcional a Previdência não permite.”

O ministro faz uma reflexão sobre a origem da ‘sanção’ mais pesada prevista na lei dos juízes. “Veja bem, é uma medida que teve seu valor enquanto lei editada por conta das perseguições que a classe da magistratura sofria em tempos opressores, do regime de exceção”, ele anota. “Essa previsão foi incluída na Loman para que o juiz que passasse para a inatividade por conta de perseguições de natureza política não ficasse ao desamparo.”

Segundo Campbell, em vários tribunais, nos anos de chumbo, desembargadores e juízes foram cassados em processos ‘movidos claramente por conta de perseguições com viés político e ideológico’. “Depois, eles tiveram seus direitos restabelecidos, quando a ditadura caiu.”

“A aposentadoria compulsória tinha essa destinação, até porque a magistratura tinha um número muito reduzido de juízes. Eram 23 Estados na Federação. Era reduzido o quadro de juízes, à época. Um tempo em que juízes federais, sem concurso público, eram nomeados pelo general presidente.”

O ministro ressalta que ‘ao tempo em que essa sanção foi criada, sob a perspectiva de um juiz cometer uma transgressão disciplinar, seria uma coisa excepcionalíssima’.

“Na minha sabatina para ministro do Superior Tribunal de Justiça, um senador me perguntou sobre essa questão da aposentadoria compulsória. Eu disse taxativamente: esta Casa (Senado) deve estudar logo a modificação desse preceito.”

Campbell lamenta que ‘no âmbito da reforma administrativa sequer se debateu a extinção dessa sanção’.

Ele defende a cassação da remuneração ‘vitalícia’ concedida aos condenados por malfeitos sob o manto da toga e cobra enfaticamente órgãos públicos que detêm a atribuição e o dever de cassar o privilégio.

“A população precisa saber que, muito embora, haja essa sanção da aposentadoria compulsória aplicada, há um dispositivo no nosso Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, que determina que as Advocacias-Gerais dos Estados, no caso de juízes estaduais, ou da União, se for o caso de juiz federal, e também com relação aos Ministérios Públicos dos Estados e ao da União, nos casos de promotores e procuradores, que ingressem com ação civil pleiteando a perda do cargo do transgressor. Ou seja, há mecanismos para que aquilo que o contribuinte quer ver, o juiz demitido pela falta que cometeu, possa de fato ocorrer: o fim do ‘prêmio’ da aposentadoria remunerada”, destaca.

Núcleo de Execução de Penas

Campbell anunciou a instalação do Núcleo de Acompanhamento de Execução de Penas do CNJ, por meio do qual será verificado o resultado final de sanções impostas ao longo dos últimos anos a cerca de 125 juízes aposentados pela via compulsória sumariamente. “Trata-se de um sistema importante adotado para controle de resultados dessas aposentadorias e se elas foram efetivamente seguidas da propositura de ações respectivas para a perda do cargo”, argumenta.

“Volto a dizer: como é hoje, objetivamente, a aposentadoria compulsória é um prêmio ao magistrado transgressor, na medida em que em condições normais ele não teria ainda implementado as condições de aposentadoria. Se for um juiz longevo, pronto para se aposentar, ainda assim deverá perder o cargo, mediante sentença transitada em julgado.”

Ao Estadão, o ministro repudia os supersalários, inclusive de seus pares, como ocorre em vários Estados, e também de promotores e procuradores do Ministério Público. “Os promotores e procuradores ganham absurdamente mais que os juízes.”

“Fui promotor durante 22 anos”, diz Campbell. “Quando ingressei no Ministério Público do Amazonas era um tempo em que a Instituição pedia para que os promotores ganhassem como juiz. Era o inverso. Agora, não: os promotores e procuradores ganham muito mais que a magistratura.”

Campbell foi procurador-geral de Justiça do Amazonas durante três mandatos. Um feito raro na Instituição em todo o País. “Eu atuei 22 anos no Ministério Público amazonense. Eu sei a barbaridade que ocorre nos MPs dos Estados e da União. Procuradores-gerais são eleitos distribuindo o ‘Bolsa Família’ via o pagamento de atrasados, valores exorbitantes. É o normal. Subprocuradores da República ganham mais que magistrados. Eu fui o único que na Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) votava contra (aumentos e paridades). Sempre quis ganhar pelo que eu trabalhava.”

Campbell se opõe com veemência aos magistrados que tomaram gosto pelo trabalho em regime de home office durante alguns dias da semana. “Agora está posta a discussão sobre os juízes que querem morar fora de suas comarcas”, diz. “Eu quero os juízes morando e trabalhando na comarca. Isso deve ser rigorosamente acatado.”

A nova cruzada do corregedor é trazer de volta os magistrados para os fóruns. “Como nasceu isso? O Conselho Nacional de Corregedores-Gerais da Justiça dos Estados e da União propõem que os juízes possam residir fora da sua Comarca. Não aceito. O problema é que vetamos esse tipo de situação, mas os juízes recorrem ao Pleno dos Tribunais de Justiça.”

Os juízes ‘TQQ’ irritam o corregedor. “Outra situação com a qual não me conformo é a dos juízes e promotores TQQ. Já ouviu falar? São os juízes e promotores que só trabalham às terças, quartas e quintas-feiras. Outro absurdo. Houve um julgamento de um TQQ no CNJ. Mas, para se chegar a esse julgamento, o relator quase apanhou, associações de classe quase deram nele.”

“Imagine, juízes ganhando uma fábula se comparar com um trabalhador comum e ainda por cima não querem residir na Comarca. Faça-me o favor, faça-me o favor”, apela Campbell.

Aponta novamente para o Ministério Público. “Da mesma forma, promotor você não vê, não encontra nenhum no interior dos Estados. Talvez em São Paulo seja diferente, eles (promotores) não querem nem ir para a Capital, qualidade de vida boa lá (no interior). Nos outros Estados você não encontra promotor longe das capitais.”

Critica, outra vez, os contracheques muito acima dos limites impostos pelo teto constitucional. “A remuneração dos promotores nos Estados é um escândalo e quase nada se vê sobre isso na mídia. Basta acompanhar como são realizadas as eleições para procurador-geral. É um autêntico ‘bolsa-família’ de pagamentos atrasados. Fui três vezes eleito procurador-geral de Justiça do Amazonas. Eu estou afirmando isso, existe sim o bolsa-família nas eleições para a chefia dos Ministérios Públicos. Podem perguntar lá (no MP do Amazonas), podem ir lá perguntar se comprei algum voto na minha vida. Nunca fiz isso.”

 

 

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