1 de outubro de 2025
Politica

Quando a cadeia de custódia falha, a Justiça fica em risco

Recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçam um importante alerta: a quebra da cadeia de custódia pode anular todo um processo penal. Em diferentes julgados, a Corte reconheceu que, sem a preservação adequada dos vestígios e sem a documentação de cada etapa do seu manuseio, a prova perde valor jurídico, abrindo caminho para anulações processuais e o aumento na sensação de impunidade.

Um dos marcos para o entendimento atual veio no julgamento do Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus (AgRg no RHC) 143.169/RJ. A 6ª Turma do STJ declarou ilícita a prova obtida de um celular acessado sem observância das formalidades legais e sem qualquer registro da cadeia de custódia. Essa decisão resultou na anulação da prova e, consequentemente, na absolvição do réu.

Essa exigência formal da observância da custódia da prova só passou a constar expressamente no Código de Processo Penal a partir da Lei nº 13.964/2019, o chamado “Pacote Anticrime”, que incluiu os artigos 158-A a 158-F. Esses dispositivos estabelecem um protocolo detalhado, sob gestão da perícia oficial de natureza criminal, para assegurar a integridade da prova, do momento em que o vestígio é identificado até a destinação final, passando por etapas como reconhecimento, coleta, acondicionamento, transporte e registro.

Levantamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), consolidado em relatório técnico da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), apontou pontos importantes para o aprimoramento de ações relativas ao adequado cumprimento dos preceitos da cadeia de custódia de vestígios, desde o isolamento do local de crime até a destinação final.

No ambiente digital, algumas dificuldades se sobressaem. A volatilidade dos vestígios cibernéticos, a facilidade de manipulação de dados e a circulação de informações entre múltiplas plataformas tornam mais complexo o trabalho de preservação de provas eletrônicas, motivo pelo qual é essencial uma atuação rápida, prioritária e efetiva da perícia criminal.

É nesse contexto que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem buscando se encaixar, discutindo o estabelecimento de parâmetros nacionais para garantir a integridade, rastreabilidade e autenticidade das provas, incluindo as de origem digital.

O tema é debatido em seminários e grupos de trabalho que reúnem magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos, peritos oficiais e demais policiais, na tentativa de alinhar segurança jurídica, eficácia investigativa e respeito aos direitos fundamentais.

Para a APCF, a discussão é necessária e deve considerar dois pontos centrais: o respeito à obrigatoriedade do exame pericial em todos os crimes que deixam vestígios e o fortalecimento institucional dos órgãos de polícia cientifica.

A experiência prática demonstra que a tentativa de flexibilizar o cumprimento da cadeia de custódia – em especial pelo uso do expediente de considerar aquilo que efetivamente é vestígio em elemento de interesse, de forma encontrar motivação para o afastamento da realização de perícia oficial – representa um grave risco processual. Esse tipo de expediente vem abrindo margem para substituição do laudo pericial por outros documentos elaborados fora da estrutura de criminalística e, muitas das vezes, sem a rigorosa observância da cadeia de custódia. Trata-se de um atalho perigoso, que pode significar a perda de provas cruciais, com a perda da verdade sobre um crime, o que pode resultar em injustiças, ou até mesmo toda anulação processual, o que pode levar à impunidade.

É essencial desenvolver meios para garantir o efetivo cumprimento das normas processuais que determinam a observância da cadeia de custódia da prova e isso passa, necessariamente, pelo fortalecimento dos órgãos de Polícia Científica. Só assim a prova científica poderá cumprir o papel que lhe cabe e se espera: servir como elemento seguro, confiável e incontestável para o julgamento justo do processo penal. Não se pode continuar permitindo que falhas evitáveis, como a ausência de exames periciais e a inobservância da cadeia de custódia, comprometam o andamento da persecução penal. Passou da hora de transformar a preocupação em ação concreta.

 

 

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