PF achou casa do governador do Tocantins vazia, televisão ligada, cofre aberto e celular formatado
Quando a Polícia Federal chegou ao endereço do governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos), no último dia 3, o relógio marcava 6h em ponto. Os agentes tinham a tarefa de cumprir um mandado de busca e apreensão emitido pelo ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dois policiais militares responsáveis pela segurança institucional do governador receberam a PF. Eles eram os únicos na casa quando a força-tarefa chegou.
Era o início da Operação Fames-19, fase 2 – investigação sobre suspeitas de corrupção e desvios de verbas destinadas à compra de cestas básicas durante a pandemia da Covid.
O inquérito cita também dez deputados da Assembleia Legislativa do Tocantins que teriam recebido propinas de distribuidoras de alimentos em troca do direcionamento de R$ 38 milhões em emendas. As entidades seriam controladas pelos próprios parlamentares, segundo a PF.
Os federais tinham uma outra missão naquela manhã: comunicar o governador sobre seu afastamento do cargo por seis meses, decretado pelo ministro Campbell.

O imóvel vazio chamou a atenção dos investigadores. A PF sabia que aquele é o endereço principal de Wanderlei e da primeira-dama, Karynne Sotero Campos, embora o casal tenha outros imóveis.
Os seguranças deram explicações divergentes ao delegado da PF Diego Guimarães Teles Franco, que comandou a batida. Teles Franco atua na Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros (Delecor), da Superintendência da PF em Palmas.
Um dos PMs da segurança pessoal do governador disse ter visto Wanderlei Barbosa pela última vez na manhã anterior. O outro afirmou ter visto o governador à noite, por volta das 22h, em uma sessão de fisioterapia.

As suspeitas aumentaram à medida em que os policiais federais vasculhavam o imóvel. No quarto da filha do governador, a luz estava acesa, a televisão ligada e havia um prato de comida intacto sobre a penteadeira.
Um cofre instalado na cozinha, em um móvel planejado, estava aberto e vazio.
Na suíte principal, sobre a mesa de cabeceira, um celular estava carregando. O aparelho havia sido reinicializado. Todos os dados foram apagados. O telefone estava no modo inicial de fábrica.

No mesmo quarto, em um fundo falso no armário do banheiro, havia R$ 52 mil em notas de R$ 100. As ligas de borracha usadas para dividir os maços de dinheiro estavam derretidas, o que levou a Polícia Federal a acreditar que o dinheiro estava escondido há um bom tempo.
No relatório das buscas, a PF afirma que a “ocultação de valores em espécie, notadamente em locais não convencionais como no caso em tela, pode configurar um ato de lavagem de dinheiro, considerando os crimes antecedentes que os suspeitos são investigados”.
“A alegação de ocultar o dinheiro por mera segurança contra roubos e furtos, em local altamente vigiado pelo policiamento do Estado, com policiais dentro e fora da residência, não parece razoável. Acrescento o fato de o cofre da residência (escondido na cozinha) não ter sido utilizado para guardar o numerário, mas sim um fundo falso em uma gaveta do banheiro da suíte do casal, circunstância que pode robustecer o dolo de ocultação de valores provenientes de fonte não declarada”, diz o relatório enviado ao STJ.

A casa não foi o único endereço ligado ao governador inspecionado pela Polícia Federal. Naquele 3 de setembro, os agentes também fizeram batidas na Pousada Pedra Canga, que segundo a investigação foi construída com R$ 6,3 milhões que Wanderlei Barbosa teria recebido em propinas. Eles vasculharam, ainda, os gabinetes do governador e da primeira-dama no Palácio Araguaia, sede do Executivo, e em três propriedades rurais.
Wanderlei Barbosa e Karynne Sotero foram encontrados, enfim, na Fazenda Santa Helena, propriedade em Aparecida do Rio Negro, a 70 quilômetros de Palmas, com uma criação de mais de 1,3 mil cabeças de gado. O casal estava em uma das suítes. As chaves estavam do lado de fora da porta.
“Chamou a atenção da equipe o fato de o casal já estar acordado, e vestido com roupas do uso diário, sem as feições normalmente encontradas em quem é despertado repentinamente. Os investigados informaram que haviam recebido minutos antes ligação do chefe de segurança da residência do governador, informando acerca da chegada de equipe policial, motivo pelo qual já estavam despertos”, reportou a Polícia Federal.

O governador e a primeira-dama disseram à PF que têm o costume de dormir na fazenda, mas um vaqueiro ouvido pelos policiais afirmou que as visitas acontecem, em média, uma vez por mês. Segundo o funcionário, Wanderlei Barbosa chegou na propriedade por volta das 0h do próprio dia 3.
Barbosa negou ter sido informado previamente da operação. O governador disse que a viagem na madrugada, no dia das buscas, não passou de “mera coincidência”.
Outro detalhe chamou a atenção da PF: havia cabides com roupas retiradas da lavanderia derrubados no chão do carro do governador, “dando a impressão de um deslocamento de certa forma abrupto para chegada à fazenda”, na percepção dos investigadores.
No porta-malas do carro, os policiais encontraram suprimentos e itens de cuidado pessoal “superiores ao necessário para o mero pernoite”, segundo a PF, como remédios, cremes, secador de cabelo, entre outros.

Uma das chácaras alvo de buscas fica no povoado de Campo Alegre, em Paranã, a 350 quilômetros da capital, onde um caseiro negou vínculo com o governador. O depoimento não convenceu a PF. No imóvel havia fotografias de Wanderlei Barbosa e da primeira-dama e um quadro que retratou o casal, além de uma faca e um copo térmico com o nome do governador gravado.
Em outra propriedade, a Chácara Jardim dos Ipês, nos arredores de Palmas, a Polícia Federal se deparou com um imóvel de luxo. Um deck se estende até o leito do Rio Tocantins. Documentos encontrados no imóvel vincularam o governador ao empreendimento.

No gabinete da primeira-dama, que antes de operação acumulava o cargo de secretária extraordinária de Participações Sociais, nenhum objeto pessoal ou aparelho eletrônico vinculado à ela foi encontrado, apenas anotações e planilhas sobre a distribuição de cestas básicas.
O material recolhido na Operação Fames-19, fase 2, está sendo periciado pela PF.

COM A PALAVRA, O GOVERNADOR WANDERLEI BARBOSA
Quando a Operação Fames-19, fase 2, foi deflagrada por ordem do ministro Mauro Campbell, o governador Wanderlei Barbosa declarou, em nota, que considera a medida “precipitada”.
“Recebo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com respeito às instituições, mas registro que se trata de medida precipitada, adotada quando as apurações da Operação Fames-19 ainda estão em andamento, sem conclusão definitiva sobre qualquer responsabilidade da minha parte. É importante ressaltar que o pagamento das cestas básicas, objeto da investigação, ocorreu entre 2020 e 2021, ainda na gestão anterior, quando eu exercia o cargo de vice-governador e não era ordenador de despesa.
Reforço que, por minha determinação, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE) instauraram auditoria sobre os contratos mencionados e encaminharam integralmente as informações às autoridades competentes.
Além dessa providência já em curso, acionarei os meios jurídicos necessários para reassumir o cargo de Governador do Tocantins, comprovar a legalidade dos meus atos e enfrentar essa injustiça, assegurando a estabilidade do Estado e a continuidade dos serviços à população.”
COM A PALAVRA, A PRIMEIRA-DAMA
A primeira-dama divulgou a seguinte nota quando foi alvo da operação:
“Reitero meu respeito à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e às instituições, ressaltando que irei dedicar-me plenamente à minha defesa, convicta de que conseguirei comprovar minha total ausência de participação nos fatos que estão sendo apontados.
Desejo que tudo seja esclarecido e reestabelecido com brevidade e justiça, pelo bem do povo tocantinense, a quem dedico meu trabalho e compromisso.”
COM A PALAVRA, A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO TOCANTINS
No dia 3, quando a Polícia Federal deflagrou a fase 2 da Operação Fames-19 e fez buscas nos gabinetes de dez deputados, inclusive do presidente da Casa, Amélio Cayres, a Assembleia Legislativa informou, em nota oficial de sua Assessoria de Comunicação, que “prestou colaboração total e irrestrita ao Superior Tribunal de Justiça”.
“A Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins (Aleto) informa que prestou nesta quarta-feira, 3, colaboração total e irrestrita ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e à Polícia Federal (PF), no cumprimento integral das determinações contidas em dez mandados de busca e apreensão, com a devida disponibilização de todos os equipamentos, documentos e informações solicitados.Informa ainda que a Procuradoria Geral da Casa não teve acesso aos autos, portanto, desconhece-se o que motivou a expedição dos referidos mandados. Além disso, a Aleto não foi intimada de nenhuma decisão judicial relacionada ao caso.Os mandados de busca e apreensão aos quais a Assembleia Legislativa do Tocantins teve acesso foram direcionados aos gabinetes parlamentares dos deputados Amélio Cayres, Claudia Lelis, Cleiton Cardoso, Ivory de Lira, Jorge Frederico, Léo Barbosa, Nilton Franco, Olyntho Neto, Valdemar Júnior e Vilmar de Oliveira.”