A falsa justiça fiscal que ameaça quem produz
Sempre que o debate fiscal se intensifica, ressurge a mesma resposta de prateleira: aumentar impostos.
O Congresso Nacional discute dois projetos de lei que propõem a tributação de lucros e dividendos: o PL 1.087/2025, na Câmara dos Deputados, e o PL 1.952/2019, no Senado. As propostas apontam para uma reoneração ampla, que pode elevar a carga tributária das pessoas jurídicas a patamares superiores a 40%, afetando diretamente escritórios de advocacia e outros serviços profissionais.
Discute-se a tributação de lucros e dividendos, com efeitos que não se limitam a grandes grupos econômicos. O impacto recairá, sobretudo, sobre profissionais liberais, empreendedores individuais e pequenas sociedades, como a maioria dos escritórios de advocacia no Brasil. No discurso, fala-se em justiça fiscal. Na prática, transfere-se mais uma vez o peso do sistema a quem produz — inclusive à advocacia.
A OAB tem participado ativamente dos debates sobre a reforma tributária e sempre defendeu a necessidade de um sistema mais justo e proporcional. Foi com esse fundamento que conseguimos preservar a advocacia no regime do Simples Nacional e garantir tratamento tributário compatível com a natureza da nossa atividade. A tentativa de tributar lucros distribuídos por sociedades uniprofissionais desconsidera completamente essa especificidade.
A advocacia é exercida, em sua maioria, por profissionais autônomos ou pequenos escritórios, com estrutura societária essencialmente funcional. Aplicar-lhes o mesmo regime tributário de grandes empresas é tecnicamente equivocado e socialmente injusto. A uniformização, nesse caso, resulta em distorção econômica e exclusão profissional.
Importante lembrar que a OAB ingressou, em 2014, com a ADI 5.096 no Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de assegurar a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física. A inadmissível defasagem da tabela é um dos fatores que comprometem a equidade do sistema. Atualizá-la não é concessão, é dever constitucional de justiça tributária. A OAB, inclusive, apresentou manifestação formal no âmbito da Ação, rebatendo os argumentos da AGU e do Senado com análise técnica consistente. Sustenta-se, por exemplo, a substituição da Taxa Referencial pelo índice oficial de inflação (IPCA) e a modulação dos efeitos da decisão para garantir previsibilidade fiscal.
Medidas como a atualização da tabela do Imposto de Renda e a ampliação da faixa de isenção até R$ 5 mil mensais representam avanços relevantes, que contam com o apoio da OAB. Mas esses acertos não podem servir de pretexto para impor uma nova carga sobre pessoas jurídicas e profissionais liberais, que já enfrentam desafios estruturais no exercício de suas atividades.
O momento exige responsabilidade institucional e decisões que considerem a complexidade da realidade brasileira. Tributar não pode ser um atalho para ampliar a arrecadação sem enfrentar as ineficiências do Estado. A justiça tributária começa por reconhecer a diversidade de modelos de trabalho, os diferentes graus de formalização e a função social de certas atividades, como a advocacia.
Defender uma tributação justa é compreender que não há solução simples para um sistema tão complexo e desigual. Mas também é reconhecer que o caminho não pode ser penalizar quem presta serviços essenciais. A construção de um sistema tributário justo exige coerência técnica e compromisso real com a equidade. Fora disso, corremos o risco de repetir velhos erros e afastar profissionais da sua função social.