Conafer recebeu depósitos em dinheiro vivo em PE e PI e pagou boletos para terceiros, diz Coaf
BRASÍLIA – Uma das principais suspeitas de participação no esquema de descontos ilegais a aposentados recebeu depósitos de dinheiro em espécie no Piauí e em Pernambuco e pagou boletos sem relação com a atividade dela, aponta documento sigiloso obtido pela CPI do INSS.
A Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares do Brasil (Conafer) movimentou R$ 797 milhões entre 2022 e 2025. Uma parte dessa transação é apontada como suspeita e atípica.

As informações estão em relatório de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) compartilhado com a CPI.
Procurada, a defesa da Conafer negou a existência de movimentações atípicas e destacou que a entidade prestava serviços em mais de 3 mil municípios por meio de 1,2 mil funcionários (leia mais abaixo).
No documento do Coaf, produzido a partir de comunicações de bancos sobre transações suspeitas, técnicos registram, a partir de levantamento por amostragem, depósitos na conta da Conafer de pequenas quantias em espécie, de R$ 300 e R$ 600, em lotéricas do interior do Nordeste, como em Pedra (PE) e em Cabeceiras do Piauí (PI), “longe do domicílio da titular, Brasília (DF)”.
O relatório também demonstra que a Conafer pagou boletos em benefício de terceiros. Só entre junho de 2024 e maio de 2025 foram R$ 552 mil gastos nesse tipo de transferência.
“Referente ao pagamento de boletos destacados foi possível identificar que há valores fragmentados e próximos ao limite para registro dos portadores de transação em espécie, sugerindo burla à identificação da origem e destino dos recursos”.
O documento do Coaf cita como exemplo as movimentações do dia 13 de junho de 2024. Nessa data, foram feitos 14 pagamentos de R$ 2 mil, cada, para a Solution Serviços. Essa empresa pertence a Samuel Chrisóstomo Junior, contador da Conafer. Ele também é dono da Expresso Publicidade, que recebeu outros R$ 11,3 mil entre 2022 e 2023.
“A comunicação ao Coaf é justificada pela movimentação de valores incompatíveis com o faturamento mensal da pessoa jurídica, e pelos pagamentos de boletos de valores com características de fragmentação com a possível finalidade de dissimular o valor total da movimentação”, diz o relatório.
Questionado durante seu depoimento à CPI do INSS sobre o porquê do repasse à empresa de publicidade do contador, o presidente da Conafer, Carlos Roberto Ferreira Lopes, disse que permaneceria em silêncio.
A Conafer já se ramificou por 3 mil municípios a partir de acordos que faz com prefeituras. Elas viabilizam eventos e mutirões com possíveis beneficiários da Contag, a partir de associações e sindicatos regionais, e eles se associam à Conafer.
Como mostrou o Estadão, as parcerias com prefeituras se deu por meio do anúncio de uma parceria com o INSS que na prática não existe.
Em nota, a defesa da entidade declarou que “não existiam movimentações atípicas, mas ”uma instituição que prestava serviços em mais de 3 mil municípios” com 1,2 mil funcionários que precisaram ser demitidos.
Disse também que ainda não teve acesso à íntegra do material oriundo das quebras de sigilos. “É de se reconhecer que o volume e complexidade de informações desta magnitude, ao longo de anos, exigem tempo. Há uma equipe qualificada diuturnamente trabalhando para prestar todos os esclarecimentos”, frisou.
Entre 2019 e 2024, a Conafer faturou R$ 688 milhões com descontos associativos aplicados sobre aposentadorias e pensões de mais de 620 mil associados. Entre eles, há pessoas que já morreram e crianças, conforme documentos expostos durante a reunião da CPI do INSS.