Fintech de ‘prateleira’ da CPI da Covid liga caso INSS a bet suspeita de lavar dinheiro
BRASÍLIA – Investigado por participação no suposto esquema de descontos ilegais a aposentados, o empresário Fernando Cavalcanti dirigiu uma fintech em parceria com Ernildo Junior, dono da Pixbet, a casa de apostas que patrocinava o Flamengo e se vinculou a políticos do Centrão na Paraíba.
O XBank Digital também teve em sua constituição o advogado Nelson Wilians, outro personagem investigado pela Polícia Federal e pela CPI do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) por suspeita de envolvimento no caso dos descontos associativos ilegais.
Procurados por meio de suas equipes, Ernildo Junior e Nelson Wilians não comentaram.
Por nota, Cavalcanti disse que não tem relação com a Pixbet e o que o XBank foi um “negócio que não avançou”. Ele prestou depoimento à CPI na segunda-feira, 6, e não respondeu a perguntas sobre sua relação com as “bets”.
Nelson Wilians é ex-sócio de Fernando Cavalcanti e um dos advogados da Pixbet e de Ernildo Junior. A bet e seu responsável enfrentam uma investigação da Polícia Federal na Paraíba. O caso que tramita em segredo de Justiça apura crimes de evasão de divisas, operação irregular de instituição financeira e lavagem de dinheiro.

Criado em 2023, o XBank, dirigido por Junior e Cavalcanti, foi oficialmente dissolvido em junho deste ano. Os primeiros donos da empresa, Cléber Faria Fernandes e a Sueli de Fátima Ferretti, são ligados a um escritório de advocacia especializado em abertura e transferências de sociedades empresariais.
Cleber e Sueli tornaram-se personagens de outra CPI, a da Covid, realizada em 2021. Ambos são donos de dezenas de CNPJs que a comissão dizia ser de “prateleira”. Eles são abertos e repassados para outras atividades econômicas.
Eles foram citados depois que ficou constatado que ambos foram sócios de uma empresa que tinha como dono Francisco Maximiano, apontado como pivô de um esquema de corrupção na tentativa de compra de vacinas da Covaxin durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Os dois também eram representantes de empresa que depois foi transferida a Carlos Wizard, apontado na CPI como integrante do “gabinete paralelo” de Bolsonaro.
Ao Estadão, Cleber Fernandes afirmou que o escritório somente disponibiliza “empresas pré-operacionais” e que “confirmamos que não temos nenhuma vinculação com as pessoas por você mencionadas”.
Fintech foi fechada após um ano
A fintech de Fernando Cavalcanti e Ernildo Junior originalmente chamava-se L.P.G.S.P.E Empreendimentos, quando Cleber Fernando e Sueli Ferretti eram os únicos sócios. Foi aberta em junho de 2023 com capital social de R$ 500 – valor em dinheiro ou em bens investido para funcionamento inicial de um empreendimento.
Ainda em setembro de 2023, Cleber e Sueli renunciaram para que Ernildo Junior e Fernando Cavalcanti assumissem como diretores e elevassem o capital social para R$ 5 milhões. Os atos administrativos tiveram entre os “subscritores” Nelson Wilians e uma das empresas de Fernando Cavalcanti.
A empresa ganhou um escopo amplo com 11 tipos de atividades. De suporte técnico a serviços de informática até consultoria em gestão empresarial e serviços de cobrança.
Um ano depois de assumir o negócio, o grupo decidiu dissolver a empresa, em setembro de 2024. O encerramento só foi oficializado na Receita Federal em 16 de junho deste ano.
Inquérito da PF apura envio de dinheiro ao exterior
Enquanto Cavalcanti é investigado por suposto envolvimento com o escândalo do INSS, a Pixbet e Ernildo Junior enfrentam pelo menos uma investigação da Polícia Federal, na Paraíba.

O caso que tramita em segredo de Justiça apura crimes de evasão de divisas, operação irregular de instituição financeira e lavagem de dinheiro.
Uma parte da linha investigada veio à tona quando uma decisão do juiz federal Vinícius Costa Vidor, da 4ª Vara Federal da Paraíba, saiu do segredo de Justiça, no mês passado. O magistrado autorizou, em fevereiro, a quebra dos sigilos bancário e fiscal de 17 pessoas e empresas, incluindo familiares de Ernildo Junior.
A suspeita é a de que a casa de apostas e seu dono integrem um esquema de remessa ilegal de valores ao exterior e lavagem de dinheiro, usando o mercado de apostas esportivas online como fachada.
O inquérito policial é de 2022 e foi aberto depois que o Ministério Público Federal identificou um grupo de empresas atuando na comercialização de créditos de jogos online que eram recebidos no exterior em dólares, sem registro formal do câmbio.
A investigação apontou ainda a utilização de uma empresa em nome da irmã e do sobrinho de Ernildo Junior que seria usada para “suprimir o pagamento de tributos” da Pixbet, “mascarar os negócios jurídicos” e “criar embaraços à eventual cobranças de natureza trabalhista”.
Em nota enviada ao Estadão no dia 11 de setembro, Nelson Wilians, advogado da Pixbet, afirmou que “três anos após a abertura do inquérito nenhum investigado foi indiciado ou intimado”, o que tornaria as quebras de sigilo “especulativas e indevidas”.
“A Pixbet, licenciada e autorizada a operar no País, reafirma a regularidade de suas operações e permanece à disposição das autoridades e da imprensa para esclarecimentos”, destacou.
No dia seguinte, ele foi um dos alvos de uma nova fase da Operação Sem Desconto, da PF, que cumpriu mandado de busca e apreensão em endereços dele.
Nelson Wilians tem movimentações financeiras consideradas suspeitas com o empresário Maurício Camisotti, apontado como um dos principais beneficiários do esquema de desvios em aposentadorias. O advogado seria um destinatário de recursos arrecadados por associações que praticavam descontos ilegais contra aposentados.
A polícia chegou a pedir a prisão dele. A Procuradoria-Geral da República concordou com o pedido, mas o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu a solicitação.
Fernando Cavalcanti também foi alvo de buscas, em Brasília, por suspeitas de que ele ocultou veículos de luxo para escapar da ação policial. De acordo com a PF, os veículos estavam em nome de uma empresa de Cavalcanti, mas pertenceriam de fato a Nelson Willians.
Cavalcanti era sócio do advogado em empresas e chegou a dizer em entrevistas que “não existe Fernando Cavalcanti sem Nelson Wilians”.
À CPI, Fernando Cavalcanti contou que deu um Fusca, versão de colecionador, para o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e que viabilizou um negócio de R$ 80 milhões para o escritório do amigo e ex-sócio, sem revelar o nome do cliente.
A Pixbet foi citada na última reunião da CPI do INSS. Um helicóptero de Nelson Wilians, avaliado em cerca de R$ 20 milhões, era cedido para a casa de apostas e chegou a voar com a logomarca da bet na cauda.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) quis saber se a aeronave atribuída a Nelson Wilians pertenceria, na verdade, a Cavalcanti.
“Nós vamos ter que fazer esse cruzamento, porque me parece estarem sendo juntadas as duas coisas: o esquema de fraude aos aposentados e o esquema da jogatina, que se usou de estruturas e de escritórios para praticar a lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio”, disse o parlamentar.

Durante a campanha eleitoral de 2024, Ernildo Junior usou a aeronave para ir até sua cidade natal, Serra Branca, na região do Cariri da Paraíba. Como mostrou o Estadão, o dono da casa de apostas lançou e apoiou fortemente o candidato Michel Alexandre Pereira Marques (União), o Alexandre Pixbet. Ele foi presidente do Serra Branca, time de futebol profissional recriado e patrocinado pela Pixbet como parte dos negócios de Ernildo Junior.
A vitória de Alexandre na disputa de 2024 marcou a aproximação de Ernildo Junior com políticos do Centrão, como Antônio de Rueda, presidente do União Brasil, e o senador Efraim Filho (União-PB), e o início da criação de uma força política a partir do interior do Paraíba.

Em uma das visitas à cidade de 13 mil habitantes, Rueda lançou a pré-campanha de Efraim Filho ao governo da Paraíba, em 2026.
“A mudança da Paraíba começa aqui. Estou pré anunciando. Isso aqui nasce hoje, não será a partir de João Pessoa, será a partir de Serra Branca. Vamos à vitória”, discursou.
A Pixbet virou a patrocinadora máster do Flamengo em janeiro de 2024, com contrato até dezembro de 2025 e possibilidade de renovação até 2027. Em agosto, o clube rubro-negro anunciou o fim antecipado da parceria.