Lula 3 tem o pior aproveitamento no Congresso desde 1988 e especialistas veem alerta para eleições
A derrota na Câmara, que derrubou a Medida Provisória 1.303 destinada a ampliar a arrecadação do governo, expôs a dificuldade do Planalto em aprovar sua agenda no Congresso. Desde o início do mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu transformar em lei apenas 62 das 239 propostas enviadas ao Legislativo, o pior desempenho de um chefe do Executivo desde a redemocratização, em 1988. Isso significa que o governo atual obtêm êxito em apenas 25% das ações que envia ao Parlamento. Nos governos anteriores, as taxas de aprovação chegaram a até 77%. (veja mais abaixo).
Especialistas atribuem o resultado à perda de força do Planalto sobre o Congresso, impulsionada pelo avanço das emendas parlamentares e pela redução de outros instrumentos de negociação política. A dificuldade em aprovar projetos, apontam, coloca em risco os planos para 2026, quando Lula deve disputar o quarto mandato. Políticos, por sua vez, responsabilizam falhas na articulação da gestão petista pelo baixo desempenho legislativo.

Levantamento do Estadão mostra que o terceiro mandato de Lula tem o pior resultado da série histórica, com apenas 62 proposições transformadas em lei entre as 239 apresentadas. Foram considerados projetos de lei, propostas de emenda à Constituição, projetos de lei complementar e medidas provisórias.
O quadro se reflete em derrotas recentes no Congresso, como a que atingiu a medida provisória que previa a tributação de aplicações financeiras, o mais novo revés do governo. As medidas provisórias permitem ao presidente editar normas com força de lei, mas precisam ser aprovadas pelo Legislativo para continuar valendo. Estimado pelo próprio governo em uma arrecadação adicional de R$ 20,6 bilhões em 2026, ano eleitoral, o texto acabou derrubado depois que a maioria dos parlamentares votou contra sua análise no plenário, o que, na prática, levou à perda de validade da medida.
A derrota ocorre logo após o governo comemorar a aprovação, na Câmara, do projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Para cientistas políticos, o alto volume de derrotas expõe a dificuldade do Planalto em articular a base e aprovar sua agenda em um Congresso cada vez mais fragmentado e polarizado.
O professor Vinícius Alves, do IDP-SP, explica que o presidente hoje tem menos instrumentos de negociação para estimular a cooperação do Legislativo do que em anos anteriores, sobretudo após as mudanças aprovadas a partir de 2015 no Congresso, que tornaram o pagamento de grande parte das emendas obrigatório pelo governo. Essas verbas devem chegar a R$ 50 bilhões em 2026 e são destinadas diretamente por deputados e senadores a seus redutos eleitorais.
“Essas inovações institucionais conferiram maior autonomia ao Legislativo e mudaram a lógica de dominância política”, afirma o pesquisador.
Para Alves, essa mudança alterou a dinâmica entre os Poderes ao reduzir o poder de barganha do Planalto, que antes usava a liberação das emendas como moeda de troca para aprovar seus projetos e agora vê parlamentares controlarem bilhões sem depender de negociação com o governo. Como mostrou o Estadão, o volume de emendas já supera o orçamento de 30 ministérios juntos.
A queda na aprovação de proposições do Executivo confirma essa avaliação. Até 2015, os presidentes haviam emplacado 1.090 leis. Desde então, foram apenas 405 até outubro de 2025.
Ainda assim, a taxa média de aprovação do que chegou ao Congresso se manteve estável nesse período, entre 49% e 77%, porque o Planalto reduziu o volume de projetos e passou a calcular melhor o que enviar diante das dificuldades de negociação, explica o professor do Insper Leandro Consentino. No terceiro mandato de Lula, porém, essa lógica foi rompida: além de menos propostas, a taxa de sucesso despencou para 25%, o menor índice já registrado, superando os 46% do período de Sarney após a promulgação da Constituição.
A perda de espaço do Executivo, porém, não se resume às emendas. Além delas, o presidente perdeu outros instrumentos de negociação.
Consentino lembra que as medidas provisórias tiveram a efetividade reduzida após mudanças feitas pelo Congresso na tramitação. Ao mesmo tempo, um Legislativo fragmentado e polarizado eleva os custos para formação de maiorias. “Todos esses fatores dificultaram a vida do presidente, que agora precisa calcular bem mais o que será enviado ao Congresso”, afirma.
Os especialistas ponderam, no entanto, que não se trata apenas de mudanças institucionais. O desempenho também depende da capacidade de articulação de cada presidente, o que ajuda a explicar diferenças entre governos. Essa percepção é compartilhada por líderes partidários.
O deputado Mário Heringer, líder do PDT na Câmara, partido que comanda o Ministério da Previdência, afirma que Lula se afastou das relações com o Parlamento nesse terceiro mandato. “É o período em que Lula está mais distante do Legislativo de verdade”, diz, avaliando que a postura contribuiu para uma série de derrotas do governo no Congresso.
Já o líder do PL na Câmara, deputado Zucco, critica que a baixa aprovação de projetos enviados pelo governo revela o isolamento político de Lula e a perda de sustentação no Congresso. Para o parlamentar, desde que assumiu a Presidência em 2023, o petista abandonou a construção de maiorias amplas e “não desceu do palanque”, estimulando a polarização entre esquerda e direita. “Foi eleito com o discurso de reconstrução, mas entrega uma agenda tóxica e de confronto com o Congresso”, diz.
Desempenho é alerta ao Planalto para 2026
Para os cientistas políticos, o baixo desempenho do governo no Congresso pode atrapalhar as pretensões da cúpula petista em 2026, já que a dificuldade em aprovar projetos tende a enfraquecer o discurso de resultados do Planalto em áreas centrais. “A taxa de sucesso do governo está mais diretamente ligada à capacidade de articulação do presidente”, pontua Alves.
Projetos enviados pelo governo seguem travados na Câmara, como a chamada PEC da Segurança, o Plano Nacional de Educação (PNE), que define diretrizes para a área, e a lei que altera as regras de aposentadoria dos militares, estimada em economizar R$ 2 bilhões com a criação de idade mínima e outras medidas.
Também está parada a proposta de redução da renúncia fiscal, que busca cortar benefícios tributários de setores da economia, além de projetos nas áreas trabalhista, como a regulamentação do trabalho por aplicativos, ambiental e de endurecimento da legislação penal.
Apesar das dificuldades, a articulação do Planalto aposta que projetos econômicos podem mudar o cenário e fortalecer a imagem de Lula para 2026. O líder do governo na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), afirma que a prioridade é consolidar resultados na economia e garantir estabilidade. “O presidente falou que é hora de consolidar o governo. Vejo, com bons olhos, esse novo momento no Parlamento”, disse.
Na mesma linha, o deputado Rogério Correia (PT-MG) destaca que 2025 tem sido um “ano de entrega” e que o PT chegará competitivo em 2026. “Agora precisamos de programas que acertem a economia e promovam a divisão de renda, uma marca que o PT busca estabelecer e que o governo já está conseguindo fazer. É só ver a melhora nas pesquisas”, afirma.
Mesmo com o otimismo dentro da base, o cientista político Antonio Lavareda pondera que o avanço das pautas travadas na Câmara será decisivo para definir a força de Lula em 2026. “Se o governo conseguir mostrar resultados concretos na economia e, principalmente, que esses resultados sejam sentidos na vida do eleitor, terá um discurso forte para a eleição. Por isso, precisa aprovar esses projetos”, avalia.