CNJ abre processo disciplinar contra desembargador que disse ‘as mulheres estão loucas pelos homens’
O Conselho Nacional de Justiça decidiu, por unanimidade, nesta terça, 14, abrir processo administrativo disciplinar contra o desembargador Luís Cesar de Paula Espíndola, do Tribunal de Justiça do Paraná, acusado de fazer declarações ofensivas a mulheres durante o julgamento de caso sobre suposto assédio de um professor a uma aluna de 12 anos. Sob a relatoria do ministro Mauro Campbell, o colegiado também decidiu manter o afastamento do magistrado, que permanece fora de suas funções há mais de um ano por determinação do próprio CNJ.
A reportagem do Estadão pediu manifestação do desembargador via assessoria do Tribunal. O espaço está aberto.

O Conselho tomou a decisão no âmbito de uma reclamação disciplinar movida pela OAB no Paraná. O documento reúne denúncias de servidoras e a análise de manifestações públicas de Espíndola em julgamentos.
“Evidenciado padrão de comportamento misógino, manifestado também em sessão da 12.ª Câmara Cível, em julgamento de medida protetiva em favor de menor de 12 anos vítima de assédio, quando o requerido proferiu falas de menosprezo à vulnerabilidade feminina e de culpabilização da vítima”, destaca o relatório do corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell.
“O conjunto probatório revela comportamento reiterado e crônico, caracterizado por abuso de poder, discriminação de gênero e criação de ambiente laboral hostil, com graves repercussões na dignidade das vítimas e na confiança pública no Poder Judiciário”, assinala o corregedor.
Para Campbell, é ‘necessária a apuração conjunta das condutas, para evitar a fragmentação investigativa e permitir a compreensão da gravidade do padrão de comportamento’.
Ele anota que ‘a proteção da identidade das vítimas constitui medida constitucional e legal imprescindível, garantindo a integridade física e psicológica das servidoras’.
“A apuração dos episódios de assédio atribuídos ao magistrado deve ocorrer de forma conjunta com a investigação da conduta que ensejou seu afastamento do cargo, pois os fatos se interligam e revelam um padrão de comportamento incompatível com o exercício da função jurisdicional”, adverte Campbell.
‘Postura agressiva’
Para ele, ‘a postura agressiva e discriminatória contra mulheres não configura simples impropriedade funcional, mas verdadeiro atentado à dignidade das pessoas, ao ambiente institucional e à confiança pública no Judiciário’.
“Separar as investigações enfraqueceria a responsabilização, ao fragmentar a análise e ocultar o caráter reiterado e sistemático do comportamento lesivo, dificultando a identificação de padrões e a compreensão da gravidade dos atos. Já a apuração conjunta permite avaliar o contexto global, a sequência temporal e as conexões entre os episódios, aferindo com maior precisão o impacto ético, funcional e social da conduta”, segue o relator.
Campbell observa que ‘a jurisprudência do CNJ e a doutrina administrativa são firmes no sentido de que práticas de assédio, especialmente quando traduzem abuso de poder, preconceito ou discriminação, devem ser examinadas de maneira ampla e integrada’.
“A experiência do Conselho evidencia que a fragmentação pode gerar distorções na análise da conduta, dificultar a responsabilização adequada e desproteger as vítimas, cujo direito à integridade física, psicológica e à preservação da dignidade deve ser assegurado”, alerta o ministro.
Confiança social
“Além disso, a apuração conjunta reforça a confiança social na Justiça, demonstrando que comportamentos reiterados de assédio e discriminação não são tolerados no âmbito judicial.”
Mauro Campbell considera que ‘não há ofensa ao contraditório e à ampla defesa, uma vez que a apreciação definitiva sobre a responsabilidade funcional ocorrerá apenas no julgamento do PAD (Processo Administrativo Disciplinar), ocasião em que o investigado terá plena oportunidade de se manifestar sobre todos os elementos colhidos’.
“A inclusão de fatos conexos, desde que relacionados ao núcleo da conduta em apuração, fortalece a análise preliminar sem comprometer as garantias constitucionais do devido processo legal.”
Segundo o ministro, ‘diante da gravidade e reiteração das condutas, conclui-se que a manutenção do afastamento cautelar do magistrado é medida urgente, necessária e proporcional, em consonância com os princípios constitucionais e normativos que regem a magistratura e a proteção dos direitos humanos’.
Em seu voto, convergente com o de Campbell, a conselheira Renata Gil sugeriu o encaminhamento do caso à Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ‘com vistas à adoção imediata de todas as medidas necessárias à proteção das servidoras que se apresentaram como vítimas, bem como à garantia de que não haverá qualquer forma de retaliação funcional em razão das manifestações prestadas no bojo desta Reclamação Disciplinar’.
Na reclamação disciplinar, a OAB relatou que o desembargador ‘vem apresentando conduta incompatível com o exercício do cargo, especialmente em uma Turma que trata de violência familiar’.
Segundo a Ordem, Luís Espíndola ‘ganhou notoriedade ao ser condenado pela prática de um crime em contexto de violência doméstica, tendo como vítima sua irmã, Maria Lúcia de Paula Espíndola, também desembargadora do mesmo Tribunal’. “O episódio mais recente de conduta inadmissível ocorreu na sessão de 3 de julho de 2024, da 12ª Câmara Cível, em julgamento de manutenção de medida protetiva proposta pelo Ministério Público em favor de uma aluna de 12 anos, que foi assediada por um professor. ”
Nos autos, consta a escuta especializada da menor, que relatou ter sido assediada em diversas ocasiões e, sentindo-se acuada, deixou de frequentar aulas. Por vergonha de contar à mãe, a vítima se escondia no banheiro da escola durante as aulas do professor.
A Turma julgadora do Tribunal do Paraná entendeu que o objetivo não era julgar a conduta do professor, mas sim proteger a vítima diante de seu constrangimento. “Entretanto, o desembargador Luís Cesar de Paula Espíndola proferiu voto divergente, demonstrando descaso com o combate à desigualdade de gênero e à violência contra mulheres”, sustenta a Ordem.
Em 17 de julho de 2024, a Corregedoria Nacional de Justiça deferiu o pedido de afastamento liminar, decisão confirmada pelo Plenário do colegiado na sessão de 2 de agosto do ano passado.
‘Redentora’
O presidente da OAB Paraná, Luiz Fernando Casagrande Pereira, fez sustentação oral durante a sessão, transmitida pelo canal oficial do CNJ no YouTube (confira abaixo).
Ele relembrou que o desembargador foi afastado pelo ministro Luís Felipe Salomão em julho de 2024 por causa do julgamento no TJ do Paraná envolvendo assédio contra uma menor, que teria sido praticado pelo próprio professor.
Naquele julgamento, o desembargador Espíndola, presidindo a turma, teria minimizado o fato dizendo que se tivesse havido assédio, a menor de 12 anos deveria ter reagido imediatamente. O desembargador, lembrou o presidente da seccional da Ordem, considerou que a menor em alguma medida contribuiu para o assédio, pois teria trocado mensagens com o professor. O desembargador concluiu o julgamento dizendo que hoje não se pode mais falar de assédio porque ‘são as mulheres que correm atrás dos homens; estão loucas pelos homens’.
Na sustentação, Luiz Fernando Casagrande Pereira ressaltou que, diante dos fatos, a reclamação foi redigida pessoalmente pela então presidente da OAB Paraná, Marilena Winter, que mostrou não se tratar de um caso isolado, ‘pois havia manifestações misóginas do desembargador Espíndola em vários outros julgamentos’.
Casagrande Pereira destacou que a inspeção do CNJ foi ‘redentora’ por ter levantado relatos de importunação sexual e outros abusos envolvendo servidoras, muitas das quais contratadas para funções distantes do interesse público.
‘Caro mesmo é tê-lo julgando’
“O que o magistrado vinha adotando era seu próprio protocolo, não com perspectiva de gênero, mas com perspectiva de assediador e de importunador”, afirmou o presidente da OAB-PR. “Falhamos nós, do sistema de justiça. Esse caso deve também construir um parâmetro de atuação para o acolhimento dessas vítimas.”
O advogado destacou que ‘o caso que envolve peculato, assédio e importunação se resolve com o velho Código Penal de 1940’ e fechou sua manifestação. “Defendemos a remoção do desembargador agora da 12.ª Câmara Cível do Tribunal. Muitos poderão dizer que é caro ter o desembargador Espíndola afastado com vencimentos. Mas caro mesmo é tê-lo julgando.”
“O que o magistrado vinha adotando era seu próprio protocolo, não com perspectiva de gênero, mas com perspectiva de assediador e de importunador”, afirmou o presidente da OAB-PR. “Falhamos nós, do sistema de justiça. Esse caso deve também construir um parâmetro de atuação para o acolhimento dessas vítimas.”
O advogado destacou que ‘o caso que envolve peculato, assédio e importunação se resolve com o velho Código Penal de 1940’ e fechou sua manifestação. “Defendemos a remoção do desembargador agora da 12.ª Câmara Cível do Tribunal. Muitos poderão dizer que é caro ter o desembargador Espíndola afastado com vencimentos. Mas caro mesmo é tê-lo julgando.”
Defesa
Intimado para apresentar sua defesa, Espíndola apresentou resposta em 12 de agosto. Ele reiterou razões apresentadas anteriormente, sustentando que não há infração punível nas ‘falas desenvolvidas entre desembargadores em uma ambiência informal, que ocasionalmente ocorreu antes do encerramento da transmissão do julgamento’.
Segundo ele, ‘os veículos de comunicação fizeram uso inadequado daquelas conversas’. Afirmou, ainda, a ausência de falta funcional no exercício da atividade judicante. Sobre a sessão de 3 de julho de 2024, o magistrado disse que se convenceu da cessação do risco à convivência da adolescente no ambiente escolar, pois, à época da sessão, ela já contava com 14 anos.
Alegou que fundamentou-se na informação da mãe da estudante segundo a qual a filha ‘estava bem e frequentando normalmente as aulas’. Destacou que o Conselho Tutelar informou que a mãe declarou que a filha estava bem, permanecendo no colégio, ‘sem qualquer aproximação do professor’.
Além disso, ressaltou que ‘houve manifestação de desinteresse da mãe da aluna na continuidade do processo’ e que o inquérito instaurado pelo Ministério Público foi arquivado por ‘falta de provas’. Ainda, que a Secretaria Estadual de Educação ‘arquivou a sindicância instaurada para verificação dos fatos, uma vez que a comissão concluiu pela inexistência de irregularidades na conduta do professor’.
Destaca que seus comentários ocorreram após o encerramento do julgamento, ‘em resposta à desembargadora Ivanise Maria Tratz Martins, que não integrou o quórum’. “Portanto, tudo ocorreu informalmente após a sessão, e a divulgação externa se deu porque a secretaria manteve a transmissão aberta, o que permitiu que veículos de comunicação fizessem uso inadequado da conversa.”
Por fim, destacou estar amparado pelo artigo 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que veda qualquer punição pelas opiniões ou pelo teor das decisões proferidas pelos magistrados no exercício da judicatura.
Luís Espíndola pediu a revogação da decisão que determinou seu afastamento cautelar. Caso seus argumentos não sejam acolhidos, requereu a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta.
COM A PALAVRA, O DESEMBARGADOR
A reportagem do Estadão pediu manifestação do desembargador Luís Espíndola, do Tribunal de Justiça do Paraná. O espaço está aberto (fausto.macedo@estadao.com)
COM A PALAVRA, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ
“O processo é realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o TJ-PR, portanto, aguarda a decisão e não se manifestará sobre o assunto”, informou a Coordenadoria de Comunicação do tribunal.