16 de outubro de 2025
Politica

Segurança vira palco de ‘cotoveladas’ entre governos Lula e Tarcísio e expõe cooperação difícil

BRASÍLIA — Ao longo de quase três anos, a segurança pública vem se consolidando como um dos terrenos menos conciliáveis entre os governos federal e de São Paulo. Casos recentes geraram discursos conflitantes entre as duas instâncias e expuseram obstáculos na cooperação entre entes federais e estaduais.

Embora a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), alinhada ao bolsonarismo, tenha baixa identificação com o governo de esquerda de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em quase todas as áreas, a pasta da Segurança Pública, comandada pelo ex-PM Guilherme Derrite (PP), costuma vocalizar melhor a divergência com o Palácio do Planalto.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, lançam o edital de construção do túnel Santos-Guarujá
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, lançam o edital de construção do túnel Santos-Guarujá

A crise das bebidas adulteradas com metanol e a disparada no número de suspeitas de intoxicação são o capítulo mais recente dessa história. As autoridades federais e estaduais trabalharam com suas próprias linhas de investigação para chegar à resolução de um escândalo que alarmou o País — e elas divergem entre si.

Tarcísio e Derrite descartaram o envolvimento do PCC (Primeiro Comando da Capital) no crime — atraindo críticas da oposição, segundo quem as autoridades não poderiam desconsiderar essa possibilidade antes da conclusão das investigações.

“Existem regras de logística reversa que, infelizmente, não estão sendo cumpridas. Um grande insumo para o falsificador é a garrafa que foi consumida e que deveria ir para a reciclagem, o que não está acontecendo. Ela é comprada no mercado clandestino e facilita esse objeto de falsificação, porque essa garrafa não vai para o reenvase”, declarou Tarcísio na segunda-feira, 6.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, por sua vez, disse que uma das hipóteses investigadas pela PF é de que o metanol usado para adulterar bebidas tenha origem em caminhões e tanques abandonados pelo crime organizado após a Operação Tank.

“Todos sabem que recentemente tivemos enorme ação de combate à infiltração de crime organizado na área de combustíveis. Muitos caminhões e tanques de metanol foram abandonados depois da operação. Essa é uma hipótese que está sendo estudada, trilhada, acalentada pela Polícia Federal”, declarou o ministro.

Em agosto, tanto o governo federal quanto o Palácio dos Bandeirantes chegaram a organizar suas próprias coletivas de imprensa para tomar para si a visibilidade da Operação Carbono Oculto, a maior realizada até hoje para combater a infiltração do crime organizado na economia formal do País.

Para marcar território, o governo federal organizou uma coletiva de imprensa com Lewandowski e Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Os dois reforçaram o papel do governo federal na ação, que envolveu equipes da Polícia Federal, Polícia Militar, Promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) além de agentes e fiscais das Receitas Estadual e Federal.

Já Tarcísio divulgou um vídeo nas redes sociais dizendo que a ação é fruto do trabalho do Gaeco com as polícias de São Paulo “que se expandiu para todo o Brasil”.

“Trabalho do Gaeco com as Polícias de São Paulo que se expandiu para todo o Brasil, colocando o dedo na ferida e enfrentando com coragem grupos que ninguém teve coragem de enfrentar, e que, até então, acreditavam ser intocáveis. As facções estão sendo enfrentadas como nunca antes, e a mensagem é clara: em São Paulo, o crime organizado não terá vez”, disse o governador.

No mês passado, outro caso expôs a relação fria entre os dois governos, quando Derrite recusou ajuda da PF para investigar a execução do delegado Ruy Ferraz Pontes e disse que a polícia paulista seria “100% capaz” de resolver o caso.

Em 2024, as câmeras corporais nos uniformes dos policiais de São Paulo foram o pivô de desentendimentos. O Ministério da Justiça publicou uma portaria com diretrizes para incentivar o uso dos equipamentos em todo o Brasil após o governo Tarcísio descontinuar o programa de câmeras instituído pelo seu antecessor, João Doria.

As duas posturas escancararam as prioridades antagônicas dadas por cada gestão a uma política pública elogiada por especialistas — tanto pela redução de mortes de policiais quanto daquelas cometidas por eles.

Lewandowski nega que haja uma disputa por protagonismo entre as duas esferas: “Não há nenhum antagonismo. Sempre gosto de dizer que nós vivemos desde 1988 com advento da Constituição em um federalismo cooperativo. Então, nós aqui cooperamos de todas maneiras com as autoridades locais”.

Pessoas da cúpula da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo relatam ao Estadão, sob reserva, um incômodo com o que elas consideram ser tentativas do governo Lula de abraçar casos criminais no Estado em que “não há necessidade” de interferência, e que a pasta não tem problemas em pedir ajuda à PF quando for preciso.

A Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco), que desarticulou no mês passado uma célula de organização criminosa especializada no tráfico internacional de drogas, é mencionada como um caso positivo de colaboração entre SSP e PF.

Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz ver uma disputa de protagonismo entre governos federal e de São Paulo. Para ele, isso faz parte do jogo político, mas diz que as operações contra o crime organizado e sua influência na economia deixaram de ser uma pauta do campo conservador, e as operações recentes da PF deram protagonismo ao governo Lula.

Lima, no entanto, vê não somente uma rixa entre gestões de esquerda e direita nesse tema, e sim uma competição entre diferentes instituições, que deveriam cooperar entre si para resultar em investigações mais efetivas contra o crime organizado.

“Mas as relações entre a PF e as polícias de SP e com o Ministério Público de São Paulo, desde a história da Operação Carbono Oculto, com as denúncias mútuas de vazamento, estão tensas. A origem desse tensionamento não é só político, é também entre instituições. A gente tem que ficar alerta, porque o sucesso das operações é a coordenação entre as agências (as diferentes polícias e o MP). Se o clima ficar ruim, isso é inviabilizado e a gente pode ter um recuo (no combate à criminalidade)”, declara.

Um desalinhamento entre as duas instituições recentemente levou a uma desidratação do projeto de lei antimáfia elaborado pelo MJ. O ministério retirou do texto a previsão de criação de uma agência antimáfia, que tinha seus principais defensores autoridades de Ministérios Públicos especializados no combate ao crime organizado, após pressão de policiais federais. A PF temia que o novo órgão conflitasse com suas atividades, uma vez que as ações antimáfia seriam coordenadas por ele.

 

 

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