16 de outubro de 2025
Politica

Assessor suspeito de vender decisão pediu desculpa a ministra do STJ, que rebateu: ‘Passei vergonha’

[[{“value”:”

BRASÍLIA – Demitido sob acusação de vender decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o técnico judiciário Márcio José Toledo Pinto enviou um pedido de desculpas à ministra Nancy Andrighi na época em que vieram a público as primeiras suspeitas envolvendo minutas de decisões elaboradas por ele.

A magistrada respondeu de forma dura: “Não tem explicação. A vergonha eu já passei e estou passando”.


 A ministra do STJ Nancy Andrighi.
A ministra do STJ Nancy Andrighi.

Uma das decisões cuja minuta foi elaborada por Márcio em dezembro de 2023 foi confirmada e assinada pela ministra Nancy Andrighi, mas depois se tornou alvo de suspeitas de irregularidades. Foi por causa desse processo que a ministra determinou o afastamento de Márcio Toledo do seu gabinete. A defesa do servidor sustenta que ele não agiu para beneficiar terceiros (leia mais abaixo).

Tratava-se de um recurso movido no STJ pelo deputado Wellington Luiz (MDB), atual presidente da Câmara Distrital do Distrito Federal, em uma disputa contra uma empresa estatal do Distrito Federal. Ele pedia que o STJ lhe concedesse, por usucapião, a posse de um terreno que pertencia à estatal.

O caso só entrou na mira das investigações depois que o advogado Rodrigo Alencastro registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil do Distrito Federal relatando ter ouvido de sua ex-mulher, a advogada Caroline Azeredo, uma tentativa de venda de decisão desse processo. Em depoimento à sindicância, Wellington Luiz confirmou ter recebido telefonema de uma intermediária de Caroline oferecendo serviços para que ele fosse vitorioso no processo, mas disse que se recusou a contratá-la.

O pedido já tinha sido negado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e pela presidência do STJ. Depois, o recurso foi distribuído para a ministra Nancy Andrighi. Um dos seus assessores, Márcio Toledo, mudou o entendimento das demais instâncias e elaborou a minuta de uma decisão favorável ao deputado, concedendo a ele a posse do terreno. A minuta foi enviada para a ministra Nancy, que confirmou a decisão elaborada por seu assessor, antes de tomar conhecimento das suspeitas envolvendo o caso.

A sindicância concluiu que Márcio Toledo elaborou essa decisão favorecendo Wellington Luiz no período em que ele estava sendo interpelado pela advogada com a oferta de êxito no processo. Como a negociação não foi adiante, o próprio Márcio Toledo decidiu voltar atrás na decisão favorável.

‘Peço, humildemente, escusas pelo ocorrido’

Após ser interpelado pelo gabinete da ministra, Márcio Toledo enviou a ela um e-mail explicando a fundamentação de sua minuta e admitindo que seria necessário rever a decisão, após ter recebido uma manifestação jurídica do governo do Distrito Federal apresentando argumentos para o processo. O Estadão teve acesso com exclusividade à troca de e-mails, que faz parte da sindicância aberta pelo STJ para apurar os fatos.

“Ressalto, Excelência, que quando há recursos e/ou memoriais procuro sempre fazer uma nova análise dos autos e nunca procuro ter o ego exacerbado, ao ponto de acreditar que nunca posso errar. Pelo contrário, fiz uma pesquisa na jurisprudência desta Corte Superior, identifiquei precedentes quanto à questão em julgamento e, com resiliência, curvei-me diante do meu equívoco e entendi, s. m. j. (salvo melhor juízo), que deveria reconsiderar a decisão recorrida, diante das alegações da parte agravante (Distrito Federal) e da jurisprudência desta Corte”, disse Márcio, em trecho do e-mail.

Em seguida, ele reconhece o equívoco de ter elaborado a minuta de uma decisão monocrática neste processo, quando na verdade ele deveria ter sido encaminhado para o julgamento colegiado, porque não tinha uma jurisprudência consolidada.

“Confesso, Ministra, que não tinha o conhecimento de que deveria ter consultado a senhora e que o processo deveria ir para julgamento presencial. Peço, humildemente, escusas pelo ocorrido, bem como que se houver uma situação semelhante no futuro ou questões que fujam da minha responsabilidade irei consultar Vossa Excelência!”, escreveu. O próprio assessor sugere à ministra que anulasse todas as decisões anteriores e rejeitasse o recurso.

Em resposta dada no dia 4 de junho de 2024, a ministra demonstrou impaciência com o assessor e disse que estava “passando vergonha” pela situação.

“MARCIO querido, me perdoe a simplicidade. Não tem explicação. A vergonha eu já passei e estou passando. Estamos errados de julgar processo tão sério por monocrática. Nunca reformar uma decisão mono para julgar o contrário por mono. Causa insegurança total e margem para as pessoas pensarem o que quiserem. A sua sugestão está complicada, pois dependo de provocação das partes. Por favor não perca mais tempo com esse processo. Vou resolver. Obrigada”.

Depois disso, a ministra determinou o afastamento de Márcio Toledo do seu gabinete. Ele foi alvo de operação da Polícia Federal e acabou sendo demitido, no mês passado, após a conclusão da sindicância do STJ.

Em nota, a ministra afirmou que o servidor foi afastado do seu gabinete assim que tomou conhecimento das suspeitas. “O gabinete da Ministra Nancy Andrighi registra que Márcio Toledo Pinto foi servidor concursado do STJ por 21 anos, lotado neste gabinete por pouco mais de 1 ano e, assim que os supostos fatos delitivos foram noticiados, o funcionário foi sumariamente dispensado do gabinete. Consigna, ainda, que as minutas feitas pelo ex-servidor, no processo indicado na reportagem, foram tornadas sem efeito por esta relatora, tendo o recurso sido julgado, de forma unânime, pelo colegiado da Terceira Turma do STJ, em pauta presencial. Frisa que os processos de responsabilização se encontram em andamento, a fim de que os fatos sejam devidamente esclarecidos e os responsáveis punidos de forma exemplar”, disse a ministra Nancy Andrighi.

A defesa de Márcio Toledo Pinto afirmou, no processo, que não havia provas de ter sido o responsável pelo vazamento de minutas ou elaboração de decisões para favorecer indevidamente alguma das partes.

De acordo com a defesa, a decisão favorável ao deputado Wellington Luiz “foi tomada com base em precedentes das 3ª e 4ª turmas do STJ, que acolhem a tese de usucapião extraordinário em hipóteses similares”. Os advogados afirmam que o próprio assessor voltou atrás na decisão após receber manifestação jurídica do governo do Distrito Federal sobre os fatos em análise. “Posteriormente, com a chegada dos memoriais do GDF, o servidor procedeu, espontaneamente, à reavaliação da decisão. Ocorreu então a retratação da decisão anterior, mediante fundamentação distinta”, diz a defesa.

“A atuação do servidor, portanto, deu-se nos exatos limites de sua competência técnica, em respeito e com total ciência de Sua Excelência a ministra relatora, que assinou as decisões após recebê-las e aprová-las formalmente”, diz a defesa do assessor.

“}]] 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *