‘Mordida na bunda’, ‘peitão’, ‘coxuda’, ‘essas pernas’, ‘gostosa’; servidoras acusam desembargador
Alvo de Processo Administrativo Disciplinar e afastado do cargo, o desembargador Luís César de Paula Espíndola, do Tribunal de Justiça do Paraná, mantinha uma intensa rotina de assédio sexual e moral, segundo relatos de um grupo de pelo menos cinco servidoras da Corte. Documento ao qual o Estadão teve acesso contém a transcrição dos depoimentos das funcionárias – seus nomes são mantidos em sigilo como medida de proteção. Elas indicam métodos que Espíndola teria adotado no dia a dia de seu gabinete.

Em sua defesa, perante o Conselho Nacional de Justiça, o desembargador questionou a ‘fragilidade, generalidade e contradições nos depoimentos, além da prescrição de fatos ocorridos há mais de cinco anos’.
‘Mordida’
Uma funcionária disse que o desembargador a ‘mordeu na bunda’ quando subiam a escada, ela indo à frente. Outra contou que ele lhe fez comentários sobre ‘essas pernas’. Mais uma relatou ter ouvido do magistrado ‘como fulana está gostosa’, e ainda, ‘você está com peitão’, ‘olha como fulana está coxuda’.
Uma narrou que chorava, e ainda sofre crises de nervos e pânico, por causa dos modos ‘grosseiros’ de Sua Excelência. Em certa ocasião ele teria agarrado uma funcionária, a quem chamava de ‘gostosa’. Em outra ocasião, não tirou os olhos de uma servidora que usava saia justinha e não se conteve: ‘você com essas pernas de fora’.
Os relatos das supostas vítimas de Espíndola foram anexados ao relatório que embasou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar contra o magistrado no CNJ. Ele já está afastado do cargo desde que foi tornado público um episódio emblemático ocorrido durante julgamento de um caso de suposto assédio de um professor a uma aluna de 12 anos.
O desembargador concluiu o julgamento com a frase. “São as mulheres que correm atrás dos homens, estão loucas pelos homens.”
A Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná sustentou no âmbito de Reclamação Disciplinar protocolada no CNJ que o desembargador ‘vem apresentando conduta incompatível com o exercício do cargo, especialmente em uma Turma que trata de violência familiar’.
Segundo a Ordem, ‘o magistrado ganhou notoriedade ao ser condenado pela prática de um crime em contexto de violência doméstica, tendo como vítima sua própria irmã, Maria Lúcia de Paula Espíndola, também desembargadora do mesmo Tribunal’.
Luís Espíndola protestou contra a inclusão nos autos dos depoimentos das servidoras que lhe atribuem assédio sexual e moral. “São alheios ao objeto da Reclamação Disciplinar, sua inclusão compromete o contraditório, a ampla defesa e a regularidade processual.”
‘Acordo’
As assessoras detalham que, apavoradas, certa vez firmaram ‘um acordo’ entre elas para que ‘nenhuma ficasse sozinha com o desembargador, que sempre que uma precisasse ficar, outra teria que ficar obrigatoriamente para evitar episódios de assédio’.
Uma que ficou sozinha com Espíndola disse que ‘foi vítima do episódio de assédio sexual mais grave’ e que chegou a procurar a Comissão de Assédio do Tribunal mas acabou ‘desencorajada, pois foi informada que o desembargador teria conhecimento da denúncia e que fazia inúmeras brincadeiras de cunho sexual, inclusive na frente de toda a equipe’.
“Diante da reação da depoente, o desembargador passou a adotar uma postura de assédio moral; que devolvia todos os processos para correção e desvalorizava o seu trabalho, com comentários de cunho depreciativo na frente de todas as pessoas do gabinete; que o desembargador fazia ‘picuinhas’ entre as assessoras, falando mal do trabalho de uma assessora para outra; que tem noticia de que outras assessoras também sofreram assédio sexual; que todas as assessoras sofriam forte assédio moral; que todas as assessoras choravam; que a depoente teve que fazer tratamento psicológico e psiquiátrico diante do assédio sofrido.”
Elas disseram que viviam sob temor de alguma reação do magistrado, ‘inclusive em relação a qualquer vestimenta com o mínimo de exposição do corpo’.
“A depoente indica que era comum o desembargador fazer comentários de cunho sexualizado, como ‘e essas pernas’, ‘tá com essas pernas de fora’.”
Uma declarou. “O desembargador falava constantemente de forma preconceituosa em relação a pessoas homossexuais. Inclusive, em caso de abuso de menores, ele orientava a assessoria a minutar decisões sem qualquer fundamento jurídico para evitar qualquer punição a potenciais agressores, fazendo comentários de que a vítima poderia estar gostando dos abusos.”
‘É só levantar a saia’
Luís Espíndola, segundo elas denunciam, ‘falava da saia curta de uma funcionária e repetia o discurso de que hoje tudo é assédio’.
Uma depoente afirma que teve que fazer tratamento psicológico e psiquiátrico diante do assédio sofrido.
“Certa vez, ao cumprimentá-la, o desembargador abraçou a depoente e passou a mexer na alça do seu sutiã, causando-lhe grande desconforto, intimidade que nunca lhe fora dada. Era comum o desembargador fazer comentários sobre as suas roupas, principalmente quando usava peças mais justas. Uma vez, quando usava saia, o desembargador falou ‘se precisar é só levantar a saia’.”
“Em uma ocasião, ao despachar com o desembargador, foi surpreendida com o seguinte comentário: ‘dá uma voltinha para eu dar uma opinião sobre essa roupa’.”
‘Cama ao lado’
“Era comum o desembargador fazer comentários sobre o corpo das assessoras, seguido de convites inapropriados para trabalharem em sua residência, mencionando, inclusive, que haveria cama ao lado da dele para elas.”
Em uma oportunidade, após uma inspeção do CNJ no gabinete de Espíndola, ele convidou suas assessoras para comemorarem no Country Club. “Quando todos estavam sentados à mesa, o desembargador sentou ao lado da depoente, fazendo menção de que colocaria a mão na sua coxa.”
‘Padrão predatório’
Ao analisar o teor dos depoimentos das servidoras do Tribunal de Justiça do Paraná, o ministro Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça, demonstrou perplexidade ante a conduta atribuída ao desembargador Luís César de Paula Espíndola.
“O conjunto probatório colacionado aos autos revela um quadro de extrema gravidade institucional, caracterizado pela prática sistemática e reiterada de condutas que configuram assédio sexual e moral no ambiente de trabalho, perpetradas pelo magistrado em desfavor de suas subordinadas”, assevera Campbell.
Para o corregedor ‘a análise convergente dos depoimentos evidencia a existência de um padrão comportamental predatório que perdura há décadas, com início documentado desde 1998, demonstrando a cronicidade e escalada progressiva das condutas inadequadas’.
‘Ambiente hostil’
Na avaliação de Campbell, o desembargador ‘transformou seu gabinete em um ambiente de trabalho hostil, intimidatório e degradante, violando frontalmente os princípios fundamentais da dignidade humana e do respeito mútuo que devem nortear as relações laborais’.
O ministro emitiu parecer de 29 páginas em que defendeu a manutenção do afastamento de Espíndola de suas funções no Tribunal de Justiça do Paraná e a abertura do Processo Administrativo Disciplinar contra o desembargador.
“Quanto ao assédio sexual, as provas coligidas demonstram condutas de particular gravidade, incluindo contato físico não consensual (episódio da ‘mordida’), manipulação de vestimentas íntimas, comentários sexualizados sistemáticos sobre o corpo das servidoras (‘essas pernas’, ‘está com peitão’, ‘como fulana está coxuda’), e tentativas de contato físico inadequado”, argumenta o ministro.
Para ele, ‘a reiteração dessas práticas configurou um ambiente de constante vigilância e medo, obrigando as servidoras a desenvolverem estratégias defensivas coletivas para evitar o isolamento com o magistrado’.
“No tocante ao assédio moral – segue Campbell -, verifica-se a implementação de um sistema de controle psicológico baseado na humilhação pública, desqualificação profissional sistemática, retaliações por exercício de direitos trabalhistas (férias, licenças médicas), e criação deliberada de conflitos interpessoais entre as subordinadas.”
Para o ministro, ‘tais condutas resultaram em danos psíquicos comprovados, com necessidade de acompanhamento médico especializado por parte das vítimas’.
“A convergência dos relatos quanto ao ‘pacto de proteção mútua’ entre as assessoras – evitando permanecerem sozinhas com o desembargador – constitui prova inequívoca da percepção coletiva do risco iminente de violência sexual no ambiente laboral.”
O relatório Campbell destaca que ‘o comportamento do desembargador transcende a mera inadequação funcional, configurando grave ameaça à integridade física e psíquica dos servidores jurisdicionados, com potencial de vitimização de qualquer pessoa que mantenha contato profissional com o magistrado’.
Durante a votação ocorrida na última terça, 14, no Plenário do CNJ, que culminou na abertura do Processo Administrativo Disciplinar contra Espíndola, o corregedor recomendou severas medidas. “A situação demanda intervenção correicional imediata e enérgica, considerando não apenas a reparação dos danos já causados, mas especialmente a prevenção de novas vitimizações no âmbito do Poder Judiciário paranaense.”
Campbell abordou um outro detalhe sobre o desembargador – ‘o histórico de violência doméstica e familiar’.
“A despeito de não ser objeto da presente Reclamação Disciplinar, entendo pertinente tecer alguns comentários sobre o histórico de violência à mulher, não para que ele seja responsabilizado diretamente por estes fatos, mas, tão somente, para poder compreender a dimensão e as implicações do comportamento, do caráter e da personalidade do desembargador Luís Espíndola.”
“Conforme consta de Reclamação Disciplinar, arquivada em razão da prescrição, o desembargador Luíz César de Paula Espíndola foi condenado pela prática do crime de lesão corporal contra sua mãe e a irmã, também desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná, motivada por desentendimento acerca de uma das cuidadoras da genitora idosa.”
Segundo anotação de Campbell, ‘os laudos de exame de corpo de delito das vítimas mostram a ocorrência de lesões e a prova produzida pelo acusado não afasta as conclusões dos peritos oficiais’.
“A prova oral conduz à conclusão de que fora praticada a conduta conforme a descrição dos fatos lançada na denúncia. O álibi invocado pelo réu não se sustenta, pois o documento apresentado para comprovar que estava em local diverso no momento dos fatos indica horário bem diferente daquele em que os crimes foram praticados.”
Ainda segundo o corregedor nacional de Justiça, ‘restou esclarecido que a discordância acerca da forma de administrar a residência dos pais do acusado não fora o motivo imediato das agressões, mas sim a discussão entre o acusado e uma das vítimas’.
Mauro Campbell assinala que ‘o histórico de violência doméstica atribuído ao desembargador não pode ser compreendido como um episódio isolado ou circunstancial, mas sim como revelador de aspectos de sua personalidade, marcada pelo desrespeito às mulheres enquanto gênero’.
“A condenação pela prática de lesão corporal contra sua própria mãe e irmã, ainda que já alcançada pela prescrição, expõe um padrão de comportamento que evidencia a incapacidade do magistrado de agir em conformidade com os deveres éticos e institucionais que se impõem à magistratura”, adverte o ministro.
Ainda segundo Campbell, ‘tais condutas, ao invés de se restringirem ao âmbito privado, refletem-se diretamente na credibilidade da função jurisdicional, pois sinalizam a existência de traços de intolerância e agressividade incompatíveis com a imparcialidade, a prudência e a dignidade exigidas do exercício da jurisdição”.
Para o ministro, ‘a permanência do desembargador no exercício da judicatura representa risco concreto não apenas à confiança social na Justiça, mas também à proteção de valores fundamentais da ordem constitucional, em especial a dignidade da pessoa humana e a igualdade de gênero”.
Ao defender a manutenção do afastamento do desembargador, Campbell assinalou que ‘o conjunto probatório, detalhadamente exposto na denúncia reproduzida, evidencia, de forma inequívoca, a existência de múltiplos elementos indicativos da prática de crimes e da violação de deveres inerentes à magistratura, justificando plenamente a instauração de procedimento administrativo disciplinar’. Segundo o corregedor, Espíndola ‘tem proferido, de forma sistemática, palavras misóginas e preconceituosas em julgamentos da Câmara de Violência a Menores e à Mulher, órgão especializado da justiça, demonstrando parcialidade, violação do princípio da imparcialidade e desrespeito ao princípios da proteção integral das vítimas’.
Esse rol de princípios e compromissos já está consagrado nos artigos 1º, 3º e 5º da Constituição Federal e na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e também nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e as Regras de Istambul sobre investigação e julgamento de violência sexual.
“Além disso, há registro de múltiplos atos de abuso sexual e moral contra assessoras do magistrado”, pontua o ministro.
Os atos imputados ao desembargador, diz o relatório, violam amplo arcabouço jurídico, inclusive a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e o Código de Ética da Magistratura.
A rotina do magistrado é resumida assim:
- Desqualificações sistemáticas em relação às assessoras, tal como chama-las de ‘corrupta, incompetente, mentirosa’;
- ‘Morder a bunda, mexer na alça do sutiã, tentar colocar a mão na coxa, abraços inadequados’;
- Comentários sexualizados sistemáticos, convites para trabalhar na residência com menções inadequadas, condicionamento do ambiente de trabalho à tolerância de condutas sexualizadas;
- Orientações inadequadas em caso de abusos de menores;
- Descumprimento de protocolos sanitários;
- Conhecimento de crimes contra menores sem a adequada apuração, julgamento com viés ideológico do Código Penal;
- Improbidade administrativa (violação dos princípios da administração pública e uso inadequado da função pública para fins pessoais.
“Tais condutas caracterizam flagrante desvio de função, abuso de poder e incompatibilidade com o exercício da magistratura”, afirma o corregedor. “É dever do magistrado pautar sua conduta pelo decoro, pela integridade e pela imparcialidade. Há diversas violações aos deveres inerentes à magistratura, razão pela qual deve ser instaurado Processo Administrativo Disciplinar em face do magistrado e mantido seu afastamento.”
LEIA A ÍNTEGRA DOS DEPOIMENTOS DAS SERVIDORAS QUE ACUSAM O DESEMBARGADOR LUÍS ESPÍNDOLA POR ABUSO SEXUAL E MORAL
Todos os depoimentos, ao final, foram lidos e assinados pelas funcionárias
‘GOSTANDO DOS ABUSOS’ (Depoente 1)
(…) A depoente afirma que, após o retorno do desembargador (Luís Espíndola) de um afastamento pelo Superior Tribunal de Justiça, começaram os problemas mais sérios no gabinete. Não soube de detalhes de todos os motivos da saída de outros assessores, mas assessores com mais de 5 anos saíram do gabinete no período. A depoente informou que o desembargador pratica assédio moral com servidoras, pedindo trabalho além do horário em sua residência, tecendo críticas sem base jurídica e desmerecendo o trabalho na frente dos demais colegas de gabinete. Informa que havia combinado de não ficarem sozinhas com o desembargador, para evitar episódios de assédio sexual, havendo temor inclusive em relação a qualquer vestimenta com o mínimo de exposição do corpo. A depoente indica que era comum o desembargador fazer comentários de cunho sexualizado, como ‘e essas pernas’, ‘tá com essas pernas de fora’, de forma pública no gabinete. Informou que o comportamento do desembargador não se restringia ao ambiente do tribunal. A depoente informou que, durante a pandemia, o desembargador obrigou todas as servidoras a trabalhar presencialmente e sem obediência a protocolos de segurança, como utilização de máscaras. Informa que, a partir deste momento, (o desembargador) trocou mais da metade do gabinete e que havia algum tipo de retaliação contra as servidoras que reclamassem de comparecer presencialmente, configurando assédio moral reiterado. Relata que as retaliações consistiam em desmerecer o trabalho desempenhado e o corte de benefícios, como cancelamento de férias que estavam aprovadas e homologadas pelo tribunal, sem nenhuma justificativa, de forma repentina, sem aviso prévio e com poucos dias antes do período de licença. Informa que tomou conhecimento de que servidoras efetivas do gabinete buscaram alteração de lotação, mas não conseguiram por ausência de interesse externo em permuta, dada a fama de assediador do desembargador.
A depoente indicou que houve servidoras que buscaram a comissão de combate e prevenção ao assédio sexual e moral, mas não soube dizer se houve formalização. Contudo, ressaltou que permaneceu com grande rotatividade no gabinete em razão do assédio constante por parte do desembargador, tendo permanecido por mais tempo na unidade apenas as pessoas com fragilidade e dependência em relação ao cargo ocupado.
Informa que o desembargador falava constantemente de forma preconceituosa em relação a pessoas homossexuais. Inclusive, em caso de abuso de menores, o desembargador orientava a assessoria a minutar decisões sem qualquer fundamento jurídico para evitar qualquer punição a potenciais agressores, fazendo comentários de que a vítima poderia estar gostando dos abusos. […]
NA ESCADA (Depoente 2)
Questionada, a testemunha afirmou que no ano de 1998, recém-ingressa no gabinete do então magistrado Luis Espindola, a depoente teve uma situação de assédio quando estava subindo a escada para pegar um livro e o magistrado mordeu sua bunda; que depois disso a depoente gritou, o que fez com que cessasse a conduta inadequada; que, em 2021 foi chamada a voltar ao gabinete do agora desembargador Luis Espíndola e o assédio moral era intenso, representando praticamente uma regra de conduta; que durante a pandemia de Covid-21 os servidores do gabinete eram obrigados a trabalhar presencialmente; que o desembargador sempre repetia a frase ‘aqui ninguém pega Covid’; que só tinha assessoras mulheres; que eram normais comentários para as assessoras do tipo ‘como fulana está gostosa’, ‘você está com peitão’, ‘olha como fulana está coxuda’; que essas frases eram frequentemente seguidas por afirmações de que ‘ah, não posso falar, porque hoje tudo é assédio”; que era comum o desembargador desmerecer o trabalho das assessoras, em especial, da depoente, com críticas infundadas; que houve um episódio em que uma assessora foi chamada de corrupta e incompetente simplesmente pelo fato estar redigindo um voto em processo no qual o advogado era de São José dos Pinhais (cercanias de Curitiba), mesmo local da residência da assessora; que o desembargador não gosta que ninguém tire férias; que a depoente marcou 3 dias de férias emendando com o feriado do carnaval; que o desembargador gostava de fazer intriga entre as próprias assessoras; que quando a depoente retornou das férias foi ignorada apenas pelo fato de ter tirado férias; que todo dia uma das assessoras chorava em razão do comportamento grosseiro do desembargador; que a depoente recebeu um relato de uma assessora que teria sido agarrada pelo desembargador quando esta assessora tentava auxiliá-lo; que antes deste episódio, o desembargador já havia comentado com outras pessoas do gabinete, inclusive com a própria depoente, que a assessora agarrada era ‘gostosa’; que a assessora pediu exoneração; que o desembargador chamou a depoente e outra pessoa em sua residência para saber o motivo do pedido de exoneração; que a depoente afirmou para o desembargador que o motivo do pedido de exoneração seria o episódio de assédio; que o desembargador teria afirmado que a assessora estava com uma saia curta e repetido o discurso de que hoje tudo seria assédio; que o desembargador teria dito, ainda, que seria melhor que a assessora saísse, porque seria corrupta e incompetente; que, depois disso, o desembargador convidou a assessora exonerada para voltar a trabalhar no gabinete; que a depoente questionou essa conduta e que o desembargador disse, agora, que ela seria competente; que, em razão deste fato, a depoente colocou o cargo à disposição, porque acreditava que a recontratação da assessora que fora agarrada seria para desconstituir a alegação de assédio sofrida; que, em um segundo momento, o desembargador questionou a depoente sobre o fato de ele ter dito que a assessora exonerada anteriormente seria incompetente e corrupta; que a depoente reafirmou que teria ouvido essa fala diretamente do desembargador; que ao afirmar isto o desembargador ficou muito irritado e batia a mão na mesa e gritava com a depoente chamando-a de mentirosa; que em relação a outra assessora, o desembargador concedeu férias e depois mandava revogar as férias, questionava atestados apresentados; que teve notícias de que o desembargador ficou sabendo que esta assessora o teria denunciado, fato que teria gerado esse comportamento e posterior colocação da servidora (efetiva) à disposição do RH; que houve um episódio em que o desembargador solicitou à depoente a contratação de uma pessoa, mas foi alertado que isto não poderia ser feito, pois essa pessoa seria irmã de uma assessora do desembargador; que, apesar de alertado, o desembargador conseguiu a contratação desta pessoa como assessora de outro gabinete, mas esta pessoa prestava serviços para o desembargador.
ACORDO (Depoente 3)
Questionada, a testemunha afirmou que as assessoras tinham um acordo para que nenhuma delas ficasse sozinhas com o desembargador; que sempre que uma precisasse ficar, outra teria que ficar obrigatoriamente para evitar episódios de assédio; que teve essa orientação logo na primeira semana; que a única vez que esteve sozinha com o desembargador, foi vitima do episódio de assédio sexual mais grave; que chegou a procurar a Comissão de Assédio do Tribunal de Justiça do Paraná, mas acabou desencorajada, pois foi informada de que o desembargador teria conhecimento da denúncia; que prefere não relatar detalhadamente os fatos ocorridos, pois poderia ser identificada; que o desembargador fazia inúmeras brincadeiras de cunho sexual, inclusive na frente de toda a equipe; que após um episódio de assédio sexual, diante da reação da depoente, o desembargador passou a adotar uma postura de assédio moral; que devolvia todos os processos para correção e desvalorizava o trabalho da depoente, com comentários de cunho depreciativo na frente de todas as pessoas do gabinete; que o desembargador fazia ‘picuinhas’ entre as assessoras, falando mal do trabalho de uma assessora para outra; que tem notícia de que outras assessoras também sofreram assédio sexual; que todas as assessoras sofriam forte assédio moral; que todas as assessoras choravam; que a depoente teve que fazer tratamento psicológico e psiquiátrico diante do assédio sofrido.
ALÇA DO SUTIÃ (Depoente 4)
Questionada, a depoente afirmou que trabalhou um período no gabinete do desembargador Luís César de Paula Espíndola; que era comum a contratação de assessoras mulheres; que era comum o desembargador realizar rotineiramente brincadeiras de natureza sexual e comentários misóginos com as advogadas que despachavam com o magistrado; que, certa vez, ao cumprimentá-la, o desembargador, abraçou a depoente e passou a mexer na alça do seu sutiã, causando-lhe grande desconforto, intimidação que nunca lhe fora dada; que era comum o desembargador fazer comentários sobre as suas roupas, principalmente quando usava peças mais justas; que, uma vez, quando usava saia, o desembargador falou: ‘se precisar é só levantar a saia’; que evitava estar na presença do desembargador, temendo ser novamente constrangida; que era comum no gabinete o sentimento de evitar ficar a sós com o desembargador, havendo, inclusive, um acordo de ajuda mútua entre as assessoras nesse sentido; que em uma ocasião, ao despachar com o desembargador, foi surpreendida com o seguinte comentário: ‘dá uma voltinha para eu dar uma opinião sobre essa roupa’; e que, apesar de dizer ‘não’, ele insistiu de forma extremamente deselegante no pedido; que, na época da Covid, o desembargador obrigou todos os servidores a comparecerem de forma presencial na unidade, mas descumpria as orientações sanitárias do uso de máscaras; em uma ocasião, o desembargador tossiu muito próximo à depoente com o intuito de constrangê-la, causando-lhe grave receio de trabalhar no gabinete; que era comum o desembargador convidar as assessoras a irem em sua casa para discutir questões do trabalho, e que, certa vez, foi convidada a ir até a sua residência para discutir a pauta da audiência; que, como resultado do período trabalhado, estava exausta e depressiva, fazendo o uso de medicamentos para dormir, momento em que pediu atestado médico para se licenciar; que, toda vez que pensava em retornar ao trabalho, entrava em pânico; que a situação por que passava no gabinete deu ensejo a pedido de afastamento por determinação médica; que o desembargador, por não concordar com o afastamento, acabou por desligá-la do seu gabinete, colocando-a em disponibilidade; que, após o fim do seu afastamento, conseguiu ser designada para outro gabinete; que era comum a chefia de outros gabinetes terem receio de aproveitar as assessoras que já trabalharam no gabinete do desembargador, pois havia uma desconfiança em relação à capacidade laboral das servidoras.
‘MÃO NA COXA’ (Depoente 5)
Questionada, a testemunha afirmou que trabalhou por certo período no gabinete do desembargado Luís César de Paula Espíndola; que foi aprovada em processo seletivo no qual somente havia candidatas do gênero feminino; que era normal o desembargador criar intrigas entre as assessoras, gerando um clima de animosidade; que o magistrado falava mal do trabalho da depoente para as demais assessoras; que o desembargador colocava observações ilegíveis em minutas de votos de forma propositada; que era comum o desembargador fazer comentários sobre o corpo das assessoras, seguido de convites inapropriados para trabalharem em sua residência, mencionando, inclusive, que haveria cama ao lado da dele para elas; que se recorda que, na iminência das inspeções do CNJ, o desembargador obrigou as servidoras a trabalharem de forma excessiva antes e após o expediente, inclusive aos sábados; que, durante a realização da inspeção, o desembargador não compareceu ao trabalho, de forma propositada, sob a alegação de que estava com problemas de saúde; que, após o fim da inspeção, o desembargador confessou às suas assessoras que havia inventado estar doente para não comparecer à inspeção; que ele tinha uma assessora que na verdade era a ex-cuidadora de sua mãe, que morava nos fundos da residência do desembargador; que a referida assessora não tinha qualificação técnica para o trabalho; que, após a inspeção do CNJ, o magistrado convidou suas assessoras para comemorarem no Country Club, momento em que, quando todos estavam sentados à mesa, o desembargador sentou ao lado da depoente, fazendo menção de que colocaria a mão na sua coxa, conduta que somente não se concretizou ante a sua pronta reação; que, em razão das diversas histórias de assédio moral e sexual protagonizadas pelo desembargador, as assessoras tinham um acordo de evitar ficarem a sós com ele; que era comum a instabilidade de humor do desembargador, que, por exemplo, em um dia elogiava as assessoras, sendo que, no outro, já ameaçava demiti-las, criando assim um ambiente conturbado pelo temor geral de demissão; que era comum o magistrado fazer comentários misóginos sobre os casos em que ele julgava; que era costumeiro o desembargador reclamar das assessoras que tentavam tirar licença médica, pedindo para que trabalhassem mesmo estando doentes.
COM A PALAVRA, O DESEMBARGADOR LUÍS CÉSAR DE PAULA ESPÍNDOLA
Perante o Conselho Nacional de Justiça, o desembargador Luís César de Paula Espíndola sustentou que ‘não há infração punível nas falas desenvolvidas entre os desembargadores em uma ambiência informal, que ocasionalmente ocorreu antes do encerramento da transmissão do julgamento’.
Segundo ele, ‘os veículos de comunicação fizeram uso inadequado daquelas conversas’.
Espíndola reiterou, ainda, a ‘ausência de falta funcional no exercício da atividade judicante’.
Quanto à sessão de 3 de julho de 2024 – caso de assédio de um professor à aluna de 12 anos -, o desembargador esclareceu que ‘se convenceu da cessação do risco à convivência da adolescente no ambiente escolar, pois, à época da sessão, ela já contava com 14 anos’.
Ele diz que se amparou na informação da mãe de que ‘a filha estava bem e frequentando normalmente as aulas’. Destacou que o Conselho Tutelar informou que a mãe declarou que a aluna estava bem, permanecendo no colégio, sem qualquer aproximação do professor. “Houve manifestação de desinteresse da genitora na continuidade do processo. O Inquérito instaurado pelo Ministério Público foi arquivado por falta de provas e a Secretaria Estadual de Educação arquivou a sindicância instaurada para verificação dos fatos, uma vez que a comissão concluiu pela inexistência de irregularidades na conduta do professor.”
O desembargador sustenta que seus comentários ocorreram após o encerramento do julgamento, em resposta à ‘desembargadora Ivanise Maria Tratz Martins, que não integrou o quórum’.
“Tudo ocorreu informalmente após a sessão. A divulgação externa se deu porque a secretaria manteve a transmissão aberta, o que permitiu que veículos de comunicação fizessem uso inadequado da conversa”, afirma Espíndola.
Ele destacou estar amparado pelo artigo 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), ‘que veda qualquer punição pelas opiniões ou pelo teor das decisões proferidas pelos magistrados no exercício da judicatura’.
Pediu a revogação da decisão que determinou seu afastamento cautelar. “Caso não sejam acolhidos seus argumentos, requer a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta”, sugeriu.
Relatou que participou de sessões administrativas do Tribunal de Justiça do Paraná e que agiu de boa-fé, razão pela qual requereu pronunciamento da Corregedoria Nacional ‘acerca da regularidade da sua participação e a possível não anulação do voto proferido pelo magistrado nas eleições realizadas no dia 11 de novembro de 2024’.
A reportagem do Estadão pediu reiteradamente manifestação pessoal do desembargador Luís Espíndola. O espaço está aberto (fausto.macedo@estadao.com; rayssa.motta@estadao.com)