20 de outubro de 2025
Politica

Em um ano ações contra médicos na Justiça saltam 506%

Um dado preocupante inquieta e causa apreensão entre os médicos – cresce a cada dia a judicialização da medicina. Em 2024, segundo registros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o volume de processos contra médicos disparou: foram 74.358 ações, contra 12.268 no ano anterior.

O que explica essa explosão de 506%?

“Em muitos casos, os processos têm origem na falta de compreensão sobre os riscos e limitações inerentes aos tratamentos, somada a expectativas irreais alimentadas por informações distorcidas, frequentemente disseminadas pelas redes sociais”, afirma o presidente da Associação Paulista de Medicina, Antônio José Gonçalves.

Neste sábado, 18, é Dia do Médico. Nesta entrevista ao Estadão, Antônio José Gonçalves propõe uma reflexão sobre a carreira e o futuro da medicina.

“Nos últimos anos, a judicialização da medicina vem crescendo de forma preocupante, afetando a relação de confiança entre médico e paciente.”

Segundo ele, ‘o medo de processos tem levado muitos profissionais a exercer uma medicina defensiva, priorizando a burocracia em vez do cuidado humano’.

Especialidades como ginecologia e obstetrícia lideram as ações no Superior Tribunal de Justiça, com 42,6% dos casos. “Podem ser casos em que a pessoa não aceita o resultado do procedimento médico. Isso pode acontecer em partos e cirurgias.”

Ortopedia e traumatologia (15,91%) e cirurgia plástica (7%) vêm em seguida na escala de ações que leva a categoria às barras dos tribunais. Gonçalves faz uma ressalva. “É bom lembrar que vem aumentando os relatos de complicações sérias, inclusive morte, relacionadas a procedimentos estéticos realizados por não médicos. O fato de outros profissionais, com formação questionável e sem uma fiscalização efetiva, realizarem esses procedimentos coloca a população em risco.”

Por ocasião do Dia do Médico, o doutor Antônio José Gonçalves sugere um olhar para o futuro da profissão que adotou. “O médico recém formado não vê perspectivas em cidades menores e procura os grandes centros urbanos. O futuro da Medicina deve começar agora.”

LEIA A ENTREVISTA DO PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MÉDICOS AO ESTADÃO

O Dia dos Médicos é neste sábado, 18. Há o que a classe comemorar?

Cada vez mais, o médico tem o dever de servir à sociedade com profissionalismo e humanização. É tempo de reconhecer o compromisso daqueles que cuidam da vida, mas também de refletir sobre os desafios que cercam a prática médica no Brasil. Nos últimos anos, a judicialização da Medicina vem crescendo de forma preocupante, afetando a relação de confiança entre médico e paciente. O medo de processos tem levado muitos profissionais a exercer uma medicina defensiva, priorizando a burocracia em vez do cuidado humano. Outro problema preocupante é a expansão dos cursos de Medicina pelo país, que parecem só priorizar os lucros. O resultado é a má formação médica. Por outro lado, vivemos um tempo de evolução tecnológica. A Inteligência Artificial avança no diagnóstico e tratamento de doenças. Isso é ótimo, mas não podemos perder a essência da medicina, que é o contato do profissional com o paciente, de forma transparente e humanizada.

O sr. propõe uma reflexão sobre os problemas que afligem os médicos. Qual é a sua sugestão?

Hoje, a formação das novas gerações de médicos preocupa pela baixa qualidade de conhecimentos. O número de escolas de Medicina se multiplica pelo país, visando muitas vezes, apenas o lucro. Em menos de dois anos, o MEC aprovou a abertura de 77 novos cursos de medicina no país, que, juntos, passaram a ofertar 4.412 vagas de graduação, mostra um estudo da Faculdade de Medicina da USP. O Brasil atingiu neste ano a marca de 494 cursos de medicina, 80% deles privados, com um total de 50.974 vagas de graduação. É o segundo país do mundo com maior número de escolas médicas, só perdendo para a Índia, com mais de 1,4 bilhão de habitantes. Por isso, as entidades médicas apoiam a criação do Exame Nacional de Proficiência Médica, uma espécie de OAB dos Médicos, que está no Senado.

Qual é o objetivo?

A ideia é avaliar as competências profissionais e éticas, o conjunto de conhecimentos teóricos, além de habilidades clínicas dos formados. Só poderá receber o registro para exercer a profissão quem passar no exame. Quem for reprovado deve se preparar e refazer a prova. Testes de proficiência são utilizados em países como Alemanha, Reino Unido, Suíça, Canadá, Estados Unidos, China, Rússia, Coreia do Sul, França, Índia e África do Sul.

O que há de errado com tantos cursos de medicina?

Para o médico, um dos principais motivos para se ter no Brasil um exame como o que está sendo proposto se dá pelo fato de os marcos regulatórios para abertura de faculdades de Medicina terem sido muito permissivos. A população sai ganhando, por ter médicos mais preparados. Sempre costumo dizer que o Brasil não precisa de mais médicos, mas sim de melhores médicos.

Em 2024, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, o número de processos contra médicos disparou: foram 74.358 ações contra 12.268 no ano anterior. Um aumento de 506%. Qual a causa dessa busca por Justiça?

Em muitos casos, os processos têm origem na falta de compreensão sobre os riscos e limitações inerentes aos tratamentos, somada a expectativas irreais alimentadas por informações distorcidas, frequentemente disseminadas pelas redes sociais. A judicialização da saúde, embora seja um mecanismo legítimo de acesso a direitos individuais, tem produzido efeitos negativos. A medicina não é uma ciência exata. É preciso ter cuidado para não confundir negligência com resultado negativo ou intercorrência imprevisível.

Os médicos temem a judicialização da medicina?

Sim. Porque ela cria um ambiente de insegurança no exercício profissional. Muitas vezes, decisões clínicas tomadas de forma técnica e ética passam a ser questionadas no Judiciário, mesmo quando seguem protocolos reconhecidos. Isso gera receio, pressiona o profissional a agir de maneira defensiva – solicitando exames e procedimentos desnecessários apenas para se resguardar – e, consequentemente, prejudica a relação médico-paciente e aumenta os custos do sistema de saúde.

O sr. é contra a judicialização?

Toda pessoa deve buscar na Justiça seus direitos, desde que baseada em circunstâncias legítimas e não em opiniões de quem não têm conhecimento do assunto. O Brasil vive a judicialização em várias áreas. Não podemos permitir ações oportunistas que só visam indenização.

Especialidades como ginecologia e obstetrícia lideram as ações no Superior Tribunal de Justiça com 42,6% dos casos, seguidas por ortopedia e traumatologia (15,91%) e cirurgia plástica (7%). Por quê?

Podem ser casos em que a pessoa não aceita o resultado do procedimento médico. Isso pode acontecer em partos e cirurgias. É bom lembrar que vem aumentando os relatos de complicações sérias, inclusive morte, relacionadas a procedimentos estéticos realizados por não médicos. O fato de outros profissionais, com formação questionável e sem uma fiscalização efetiva, realizarem esses procedimentos coloca a população em risco.

Onde se concentra a maior taxa de ações judiciais?

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, no ano passado o Sul do país concentrou a maior taxa de processos por mil habitantes (5,11), seguido por Sudeste (3,12), Centro-Oeste (2,72), Nordeste (1,85) e Norte (0,80). Em números absolutos, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas, Rio de Janeiro e Bahia são os estados com mais processos.

Qual o futuro da Medicina?

Precisamos agora melhorar a qualidade do ensino de Medicina. O Brasil permitiu a multiplicação das faculdades particulares sem as mínimas condições. Recentemente, o MEC suspendeu o edital para a abertura de novos cursos de medicina em faculdades privadas, por 120 dias, para avaliar os impactos da expansão das vagas. O impacto todos já conhecem. Temos também uma distribuição desigual de profissionais da saúde porque as cidades mais distantes não possuem hospitais capacitados para os estudantes fazerem residência e faltam professores. Prefeituras prometem, muitas vezes, salários atrativos e acabam dando o calote. O médico recém-formado não vê perspectivas em cidades menores e procura os grandes centros urbanos. O futuro da Medicina deve começar agora.

 

 

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