A multa bilionária dos EUA à corretora de criptomoedas que operava com brasileiros flagrados pela PF
Os agentes federais que saíram na manhã do dia 22 de setembro de 2022 para cumprir quatro dezenas de mandados de busca e de prisão da Operação Colossus estavam iniciando uma fase nova na Polícia Federal (PF) no combate aos crimes financeiros. Não só porque atingiram em cheio o mercado de criptomoedas do País, mas porque, mostrava que o operador que lidava com ativos digitais havia substituído parte das operações clássicas mantidas até então pelo doleiros para a ocultação de recursos e evasão de divisas. E isso incluía o dinheiro do narcotráfico e do terrorismo.

Ao seguir a pista do financiamento do Hezbollah, a Colossus encontrou provas que foram usadas na 2.ª fase da Operação Trapiche, em Minas Gerais, que levou à decretação da prisão de três acusados de financiar o grupo extremista libanês por meio de envio de recursos para carteiras de criptomoedas que foram sancionadas pelo governo de Israel. Entre eles estava o empresário Dante Felipini, preso em 7 de janeiro de 2024 na 2.ª fase da Colossus e um dos artífices do esquema bilionário de evasão de divisas do País.
Felipini foi condenado na semana passada pela 6.ª Vara Criminal Federal de São Paulo a 17 anos e cinco meses de prisão por evasão de divisas, lavagem de dinheiro e organização criminosa, mas foi absolvido da acusação de financiamento do terrorismo. Sua defesa deve recorrer da decisão. Ao mesmo tempo em que avançava a investigação da PF, um processo de mudança da legislação do câmbio retirou da polícia seu principal argumento para enquadrar cinco bancos que fizeram as operações de câmbio com empresas de fachada investigadas no esquema que movimentou R$ 61 bilhões entre 2017 e 2022.
Até então, o preenchimento correto da finalidade da operação de câmbio era compartilhado entre banco e cliente. Com a mudança legal, passou a ser só do cliente. Assim, os possíveis crimes cometidos pelos gestores dos bancos deixaram de existir, isentando-os de qualquer responsabilidade no caso.
Entre as contas de empresas investigadas pela Colossus estavam as da OWS Brasil Intermediações, cujas operações de câmbio no período analisado somaram R$ 6.161.439.342,19. A coluna não conseguiu localizar a defesa da OWS.

De acordo com a PF, as operações de venda mostram que OWS Brasil enviou dinheiro para “três recebedores principais, que foram: Prime Trust LLC, com US$ 601.373.068,59; One World Services, com US$ 541.420.915,11; e DV Chain LLC, com US$ 192.078.031,28 . Segundo a PF, a Prime Trust LLC é uma empresa americana que fornece soluções tecnológicas e financeiras para, entre outros clientes, ”grandes exchanges como a Binance e a Bittrex”. “Sendo assim, há indícios de que a razão dos contratos de câmbio destinados à Prime Trust LLC seja a aquisição de criptoativos nessas exchanges”.
Era a primeira vez que o suposto caminho até a Binance, a maior bolsa de moedas virtuais do mundo, aparecia na apuração da PF. A Binance seria sancionada em 2023 pela Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN), a agência do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos que combate crimes financeiros e financiamento ao terrorismo. A multa então aplicada foi de US$ 3,4 bilhões. Outra multa de US$ 968 milhões foi aplicada pelo Office of Foreign Assets Control (OFAC), o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros, do mesmo departamento.
Em comunicado publicado pelo governo americano, a exchange admitiu que operou intencionalmente como uma empresa de serviços financeiros não registrada, enquanto ocultava seus laços com os EUA. Ela também confessou falhas intencionais em estabelecer, implementar e manter um programa eficaz de combate à lavagem de dinheiro ao não realizar a política de conhecer o seu cliente com um grande número de seus usuários.
“Isso significava que a Binance permitia que uma série de agentes ilícitos realizassem transações livremente na plataforma, prejudicando a integridade do sistema financeiro. A investigação da FinCEN revelou que a Binance também falhou em mitigar os riscos das criptomoedas com anonimato aprimorado, que permitiam que seus usuários ocultassem informações sobre a origem e o destino das transações.”

As acusações contra a Binance eram semelhantes às que a PF levantava contra as instituições financeiras que mantiveram as contas para as operações de câmbio do esquema de fraude com criptomoedas. Uma parte delas teria deixado inclusive de comunicar operações suspeitas. No caso americano, a “Binance deliberadamente deixou de relatar mais de 100 mil transações suspeitas que processou devido a seus controles deficientes, incluindo transações envolvendo organizações terroristas, ransomware, material de exploração sexual infantil, fraudes e golpes”.
Entre as organizações terroristas que teriam sido auxiliadas pela cegueira deliberada estavam a Al-Qaeda, o Estado Islâmico do Iraque e Síria (ISIS), Hamas, as Brigadas Al-Qassam, do Hamas, e a Jihad islâmica. No Brasil, os negociadores de criptomoedas surpreendidas pela Colossus operaram dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do grupo libanês Hezbollah. Mas até agora nenhuma sanção ás empresas investigadas foi publicada.
As investigações da PF não pararam em 2022. A própria Colossus teria ainda mais duas fases: uma em 15 de agosto de 2024, quando a Justiça Federal determinou o sequestro de bens avaliados em R$ 6,7 bilhões. Há um mês, a operação conheceu sua 4.ª fase, a Operação Sibila, quando outros três acusados de participar do esquema foram presos e um quarto permanece foragido – o alvo está morando em Dubai.
Assim como seus desdobramentos, a pista do dinheiro do Hezbollah também esteve presente em outras duas operações da PF: a Hydra e a Quasar. A primeira investigou as relações da fintech 2Go Bank com carteiras de 15 criptomoedas sancionadas por Israel por receberem recursos para o financiamento do grupo. A fintech foi acusada de manter laços com o Primeiro Comando da Capital (PCC) pelo empresário Antonio Vinícius Gritzbach, assassinado no dia 8 de novembro de 2024, no aeroporto de Guarulhos, a mando da cúpula da facção.

Foi seguindo a pista do 2 Go Bank durante a Operação Hydra que a PF voltou a encontrar o caminho que levava até a Binance. Tudo começou com as comunicação 292 e 296 do Relatório de Inteligência Financeira (RIF) 116598, do Conselho de Controle das Atividades Econômicas (Coaf), que tratava da “possível participação da fintech em transações financeiras envolvendo criptomoedas com organizações terroristas”.
De acordo com a PF, o Banco Topázio informou que o Ministério da Defesa de Israel emitiu um comunicado sobre a existência de “carteiras digitais mantidas na exchange Binance que seriam operacionalizadas para movimentação de criptomoedas com fins de perpetração do crime de terrorismo, conforme os critérios da lei israelense”. O Topázio usou sua ferramenta de monitoramento de transações em criptoativos, identificando transações entre “wallets de exchanges que são clientes do banco e as carteiras digitais (wallets) do comunicado”.
Após o cruzamento de dados, o banco concluiu que: “Há relação entre os ativos virtuais adquiridos pelos clientes do Banco Topázio no exterior com recursos enviados por meio de operações de câmbio com as wallets listadas no comunicado emitido pelo Ministério da Defesa Israelense”. Entre essas empresas estava o 2Go Bank.
“A relação com a 2GO é estabelecida a partir de um envio de R$ 19 mil feito pela Fintech. O valor não é expressivo se comparado com a movimentação total em análise. Porém, neste mesmo tempo a qual o relatório se dedicou a analisar, outras duas empresas creditaram valores expressivos”, afirmou a PF. A 2 Go Bank sempre negou as irregularidades e informou que estava colaborando com as investigações. A coluna não conseguiu localizar a defesa da Binance. Após ser sancionada, a empresa se comprometeu a mudar todo seu sistema de compliance.

O 2Go Bank foi ainda alvo da Operação Tai Pan, que investigou um dos braços da organização citados na Colossus, o que seria mantido pelo empresário chinês Tao Li. As empresas que caíram na malha da operação movimentaram R$ 119 bilhões em criptomoedas. Aliciaram gerentes de cinco bancos para usar contas correntes por onde passavam diariamente milhões em operações de câmbio para a aquisição de criptoativos no exterior e o envio de ouro para Dubai.
Por fim, a Operação Quasar detectou também operações que envolviam o financiamento do terrorismo. Ela foi uma das quatro operações que compuseram a Operação Carbono Oculto, que atingiu corretores de valores na Avenida Faria Lima, além do esquema milionário de fraudes nos setor de combustíveis, onde operadores ligados à facção lavariam dinheiro do tráfico internacional de drogas.
Agentes federais ouvidos pela reportagem disseram que, além dos personagens que ligam uma operação à outra, os diversos braços investigados em cada caso têm em comum o uso do sistema financeiro para escoar e esconder o dinheiro ilícito. Seria esse o próximo passo das autoridades para combater a infiltração do crime organizado na economia do País.