21 de outubro de 2025
Politica

Master, Genial, Santander, Haitong e Travelex movimentaram R$ 13,4 bi em contratos de 4 investigados

Os cinco bancos investigados pela Polícia Federal por envolvimento num esquema bilionário de evasão de divisas e lavagem de dinheiro com o uso de criptoativos movimentaram R$ 13,4 bilhões em contratos de câmbio com apenas quatro alvos da Operação Colossus. Os bancos foram anistiados por uma mudança na legislação cambial. As instituições negam irregularidades.

A Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros (Delecor), da Superintendência da Polícia Federal (PF), em São Paulo, decidiu e informou à Justiça que, diante do grande número de envolvidos no esquema de fraude, concentraria sua apuração em quatro alvos que operaram com criptoativos.

Tratavam-se do empresário José Eduardo Froes e das empresas OWS Brasil Intermediações, ZM Consultoria Gestão e Makes Exchange Serviços Digitais Ltda.

Um dos alvos revistados pelos policiais federais durante a Operação Colossus: PF fez representação sobre os bancos e pediu buscas e outras medidas cautelares
Um dos alvos revistados pelos policiais federais durante a Operação Colossus: PF fez representação sobre os bancos e pediu buscas e outras medidas cautelares

Os principais bancos que operaram com essas e outros investigados foram o Master, o Genial, o Travelex, o Haitong e o Santander.

As condutas estão descritas em uma representação de 442 páginas da Delecor enviada ao juiz Diego Paes Moreira, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, que, em uma decisão de 105 páginas, concedeu as medidas cautelares requisitadas pela PF contra os bancos.

O Genial afirmou que “colaborou integralmente com as autoridades competentes, atendendo a todas as solicitações de informações feitas no âmbito da Operação Colossus”. O banco informou que “sempre manteve uma postura de total transparência e forneceu toda a documentação pedida pelos órgãos responsáveis”. Também afirmou que “realizou as comunicações ao COAF (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) que suas análises internas identificaram operações que se enquadravam nos critérios legais de reporte”.

O Banco Master informou que colabora de forma permanente com as autoridades competentes, fornecendo todas as informações solicitadas por autarquias e órgãos de fiscalização, dentro dos prazos e dos parâmetros legais. “As operações de câmbio realizadas em 2019 seguiram rigorosamente as normas vigentes à época. Assim como outras instituições que mantinham contas dos mesmos clientes, o Banco Master atuou com diligência, observando integralmente os procedimentos de compliance e as regras do sistema financeiro nacional.”

Não houve, em qualquer momento, questionamento quanto à atuação ou à regularidade do Banco Master nas operações mencionadas.

O Banco Travelex afirmou não reconhecer qualquer fundamento nas informações da PF. “A instituição atua em estrita conformidade com a legislação brasileira e adota controles internos rigorosos, assegurando que todas as suas operações estejam alinhadas aos mais elevados padrões de governança, transparência e integridade.”

O Santander afirmou que hoje não é investigado ou acusado no âmbito da operação, “porque cumpre integralmente a legislação e as normas aplicáveis ao tema, bem como atua em conformidade com as boas práticas internacionais para a prevenção de crimes financeiros”. A instituição informou que segue “à disposição das autoridades competentes para, conforme o caso, colaborar com as investigações.”

O Estadão procurou o Haitong, mas ele não se manifestou. O espaço segue aberto. A reportagem também procurou Froes. Enviou questionamentos, mas não obteve resposta. O espaço permanece aberto.

A representação da PF pelo mandado de busca contra o Banco Master; federais estiveram na sede do banco na Avenida Faria Lima
A representação da PF pelo mandado de busca contra o Banco Master; federais estiveram na sede do banco na Avenida Faria Lima

Veja, a seguir, o papel de cada instituição segundo a apuração da PF:

Travelex

O Travelex firmou 1.538 contratos de câmbio com a ZM Consultoria, no valor de mais de R$ 1 bilhão e não encaminhou à PF até o momento da deflagração da operação — em setembro de 2022 — nenhum contrato e nem a documentação suporte para as operações. Firmou ainda mais 3,3 mil contratos de câmbio com a OWS Brasil, no valor de mais de R$ 1,7 bilhão, cuja documentação suporte também não foi enviada à Delecor. Por fim, assinou mais de 543 contratos de câmbio com a Makes Exchange, totalizando R$ 1 bilhão sem também prestar contas à PF sobre a documentação. Ao todo, o banco movimentou R$ 4,04 bilhões dos quatro principais investigados.

O endereço da Avenida Luiz Carlos Berrini, onde a PF foi atrás do Travellex, durante a Operação Colossus
O endereço da Avenida Luiz Carlos Berrini, onde a PF foi atrás do Travellex, durante a Operação Colossus

“Há nos autos, fortes indícios de que o banco tinha ciência das atividades ilícitas de alguns de seus clientes. Porém, ao que parece, essa ciência foi seletiva, já que alguns dos investigados tiveram tratamento diferenciado.” Isso porque o Travelex fez análises “detidas e pormenorizadas” envolvendo o dono da ZM, o empresário Vinícius Zampieri, e de suas empresas, demonstrando que eles transacionavam “cifras bilionárias com empresas de fachada”. Mas o mesmo não ocorreu em relação a Froes e suas empresas, bem como com a Makes Exchance, sobre as quais “pesam fortes indícios de lavagem de capitais”.

Ainda segundo a PF, o banco era suspeito de ter ciência que o real motivo da remessa dos valores para o exterior era a aquisição de criptoativos e não o aumento de capital social de empresas, como declarado pelos operadores de criptomoedas. “Promovendo, além de evasão de divisas, a gestão fraudulenta de milhares de reais evadidos do País de forma irregular.”

O Estadão procurou a defesa de Vinícius Zampieri. Seu advogado, Rogério Cury, informou que o empresário “sempre pautou suas atividades pela transparência e que sempre esteve, e continua, à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos necessários, confiando que os fatos serão devidamente esclarecidos pelas autoridades competentes”.

Genial

Outro banco investigado na operação era o Genial. Ele fez 327 contratos de câmbio com Froes no valor de R$ 855,8 milhões e 711 com a OWS Brasil Intermediação Ltda, no valor de R$ 1,554 bilhão. O banco também não havia encaminhado a documentação suporte de nenhum desses contratos a Delecor. E assinou mais de 1,3 mil contratos de câmbio com a Makes Exchange, totalizando mais de R$ 2,5 bilhão. Só com os quatro principais investigados, o Genial movimentou R$ 4,9 bilhões.

O endereço na Avenida Faria Lima, onde os agentes federais foram fazer buscas no Banco Genial, durante a Operação Colossus, em 2022
O endereço na Avenida Faria Lima, onde os agentes federais foram fazer buscas no Banco Genial, durante a Operação Colossus, em 2022

Ao ser solicitado, o banco enviou os documentos sobre a Makes, mas sem nenhum documento de suporte para as operações. Ao ser questionado sobre isso, não respondeu. A documentação serviria para conferir a legalidade dos contratos. A ausência dela indica, segundo a PF, crime de evasão, além de eventual gestão temerária, “em especial pela habitualidade e pelas cifras bilionárias”.

Além disso, parte dos contratos entre o Genial e Froes ocorreram sob a natureza 67407 (remessa de valores para o exterior para aumento de capital social). Foram 300 sob essa natureza, que totalizaram US$ 199.596.164,92 no período investigado. Mas, segundo a PF, na verdade, esses recursos foram usados para a compra de criptomoeadas porque, segundo informou Froes à PF, tais operações eram necessárias porque a “corretora no exterior pela qual o cliente adquire bitcoin não aceita abrir conta para brasileiros, daí a necessidade de constituição de pessoa jurídica sediada nos EUA”.

Em razão disso, a delegacia concluiu que havia “fortes indícios de que o Banco Genial S.A tinha ciência de que o real motivo da remessa dos valores para o exterior era a aquisição de criptoativos e não o aumento de capital social, como declarado”. E teria promovido, “a gestão fraudulenta de milhares de reais evadidos do país de forma irregular”.

O próprio banco, de acordo com a PF, teria feito comunicação ao Coaf informando que as operações lastreadas em documentação suporte para aumento de capital social tinham, na verdade, como finalidade a aquisição de criptoativos, o que caracterizaria o crime de evasão de divisas. Segundo a PF, o Genial fez apenas 4 comunicações ao Coaf envolvendo operações de Froes que chegaram a R$ 1,876 bilhão. Mas não fez nenhuma comunicação sobre a OWS, que movimentou R$ 12,8 bilhões, sobre a Makes, que movimentou R$ 10,332 bilhões, ou sobre outra empresa investigada, a Kioshi Serviços Digitais, que movimentou R$ 1,707 bilhão e tinha envolvimento direto na negociação de criptoativos com investigados por tráfico internacional de drogas.

Santander

De acordo com a investigação, Froes fez 462 contratos com o Santander no valor de R$ 162 milhões. O banco encaminhou à PF parcialmente os documentos que dariam suporte às operações. A delegacia recebeu 411 contratos, restando 51 sem a documentação requisitada. Mais uma vez se tratava de operações registradas como remessa de recursos para aumento de capital social da empresa, mas, na verdade, serviriam para a compra de criptoativos.

A sede do Santander na avenida Juscelino Kubitschek: banco foi alvo de cautelar pedida pela PF na investigação da Operação Colossus, em 2022
A sede do Santander na avenida Juscelino Kubitschek: banco foi alvo de cautelar pedida pela PF na investigação da Operação Colossus, em 2022

Entre os documentos havia atas de aumento de capital que foram usadas para dar suporte a múltiplos contratos de câmbio e incluídas de forma repetida em várias pastas. Ou seja, o banco ainda devia informações sobre valores e contratos com Froes quando a operação foi deflagrada, o que, segundo a PF, colocava “em xeque não só a lisura de tais operações, como também a licitude delas”.

E conclui: “Há indícios de que o Santander tinha ciência de que o real motivo da remessa dos valores para o exterior era a aquisição de criptoativos e não o aumento de capital social, como declarado. Promovendo, além de evasão de divisas, a gestão fraudulenta de milhares de reais evadidos do país de forma irregular”. O banco movimentou ainda R$ 177 milhões da ZM Consultoria.

Master

Sobre o Banco Master, a PF concluiu que ele firmara mais de 3,2 mi contratos de câmbio com o grupo Froes, no valor de R$ 2,07 bilhões, e encaminhou à PF até a véspera da operação somente 15 atas de aumento de capital social como documentação de suporte para as operações de câmbio. Elas não faziam referência aos contratos aos quais deviam estar vinculados, o que tornava impossível auditá-las. Além disso, as atas tinham um mesmo valor – R$ 1,5 milhão – e eram feitas com a diferença de poucos dias, inclusive uma delas já havia sido usada pelo Santander para justificar outra operação.

Os federais varejaram o 5º andar do prédio da faria Lima, atrás de documentos do banco master, durante a Operação Colossus
Os federais varejaram o 5º andar do prédio da faria Lima, atrás de documentos do banco master, durante a Operação Colossus

A Delecor concluiu que “a realização de operações de câmbio sem a documentação suporte respectiva indicaria a prática de crime de evasão de divisas, além de “eventual prática de gestão temerária, em especial pela habitualidade das operações e pelas cifras bilionárias envolvidas”. Ao todo, ele fechou contratos de câmbio de US$ 245,2 milhões com os acusados.

“Há indícios de que o Banco Master S.A tinha ciência de que o real motivo da remessa dos valores para o exterior era a aquisição de criptoativos e não o aumento de capital social, como declarado. Promovendo, além de evasão de divisas, a gestão fraudulenta de milhares de reais evadidos do país de forma irregular”. O Master também não informou ao Coaf sobre as operações atípicas dos acusados. De acordo com a PF, só no caso de Froes e de sua empresa, a OWS Brasil, isso significava “contratos de câmbio investigados no valor de mais de R$ 2 bilhões”.

Haitong Brasil

Por fim, os federais detalham a suposta participação no caso de um banco chinês. Trata-se do Haitong. O caso do banco é considerado um pouco diferente pela PF. Isso porque ele fez 534 contratos com o grupo Froes no valor de R$ 1,6 bilhão e encaminhou grande quantidade de documentos à Delecor. Fez ainda 312 contratos com a ZM Consultoria, no valor de mais de R$ 600 milhões e também enviou contratos de suporte. Mas os contratos apresentavam falhas graves de conformidade.

Havia entre os documentos que a PF obteve um relatório de visita do banco à ZM Consultoria, que lhe fora indicada como cliente pelo Grupo Froes. A ZM tinha quatro funcionários. O relatório do banco dizia que a ZM exigia de seus clientes documentação detalhada para análise de compliance para prevenir lavagem de dinheiro. E concluía sua análise de forma positiva. O documento era assinado por dois funcionários do banco.

A sede do Banco Haitong, na Faria Lima, foi alvo de medida cautelar pedida pela Delecor n âmbito da Operação Colossus
A sede do Banco Haitong, na Faria Lima, foi alvo de medida cautelar pedida pela Delecor n âmbito da Operação Colossus

A PF analisou o relatórios e os tais documentos e chegou a conclusão oposta, Nem a ZM e muito menos as empresas de fachada com quais ela trabalhava tinham qualquer controle ou “algo parecido que lembre as regras de compliance para prevenção de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo”. “O que se verifica foi um extenso rol de pessoas jurídicas que, em sua maioria, não possuem atividade lícita que permita inferir, até mesmo após uma consulta rápida na internet, que essas pessoas têm uma atividade econômica conhecida que lastreiem as movimentações bilionárias verificadas na conta da ZM Consultoria”. Haveria inclusive empresas ligadas ao tráfico internacional de drogas.

Segundo a PF, o Haitong não fez nenhum tipo de comunicação ao Coaf sobre possíveis operações suspeitas envolvendo o grupo Froes e a ZM Consultoria, os quais firmaram contratos de câmbio com o investigado de R$ 2.25 bilhões. E conclui: “Essas evidências, colocam em xeque o funcionamento do setor de compliance do Banco Haitong, ante o não cumprimento de normas básicas de KYC (conheça o seu cliente, na sigla em inglês) e AML/PLD (prevenção à lavagem de dinheiro, na sigla em inglês)”.

Com a palavra os bancos e os investigados:

Banco Genial

“O Banco Genial colaborou integralmente com as autoridades competentes, atendendo a todas as solicitações de informações feitas no âmbito da Operação Colossus. O Banco Genial sempre manteve uma postura de total transparência e forneceu toda a documentação pedida pelos órgãos responsáveis.

O Banco realizou as comunicações ao COAF sempre que suas análises internas identificaram operações que se enquadravam nos critérios legais de reporte. Todos os procedimentos seguiram as normas do Banco Central e as políticas internas de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT).

As operações de câmbio do Banco Genial foram conduzidas com base em documentação legítima apresentada pelos contratantes, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Banco Central à época.

Toda a documentação solicitada pelas autoridades foi entregue conforme as determinações judiciais e dentro dos prazos estabelecidos. O Banco colaborou integralmente com o processo e se manteve à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.”

Master

“O Banco Master reafirma que colabora de forma permanente com as autoridades competentes, fornecendo todas as informações solicitadas por autarquias e órgãos de fiscalização, dentro dos prazos e dos parâmetros legais. As operações de câmbio realizadas em 2019 seguiram rigorosamente as normas vigentes à época. Assim como outras instituições que mantinham contas dos mesmos clientes, o Banco Master atuou com diligência, observando integralmente os procedimentos de compliance e as regras do sistema financeiro nacional. Não houve, em qualquer momento, questionamento quanto à atuação ou à regularidade do Banco Master nas operações mencionadas.”

Santander

“O Santander informa que não é investigado ou acusado no âmbito da operação, porque cumpre integralmente a legislação e as normas aplicáveis ao tema, bem como atua em conformidade com as boas práticas internacionais para a prevenção de crimes financeiros. A instituição não pode comentar operações envolvendo clientes, por questões de sigilo bancário, mas segue à disposição das autoridades competentes para, conforme o caso, colaborar com as investigações.”

Travelex

“O Banco Travelex não reconhece qualquer fundamento nas informações mencionadas (a reportagem enviou ao banco trechos dos questionamentos feitos pela PF) . A instituição atua em estrita conformidade com a legislação brasileira e adota controles internos rigorosos, assegurando que todas as suas operações estejam alinhadas aos mais elevados padrões de governança, transparência e integridade.”

Nota da defesa de Vinícius Zampieri

“Vinícius Zampieri, por intermédio de seu advogado que subscreve, informa que sempre pautou suas atividades pela transparência e que sempre esteve, e continua, à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos necessários, confiando que os fatos serão devidamente esclarecidos pelas autoridades competentes.”

 

 

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