Mais uma mulher, mais uma voz
A participação feminina no mundo jurídico brasileiro é expressiva, mas enfrenta desafios significativos. Dos 1,3 milhão de advogados no Brasil, cerca de 650 mil são mulheres, e as faculdades de Direito têm maioria de alunas. No entanto, essa representatividade não se reflete em cargos de liderança e destaque no Poder Judiciário do País, seja em relação a gênero, seja em relação a raça, considerando que metade da população brasileira se autodeclara preta ou parda e os tribunais são predominantemente masculinos e brancos.
Infelizmente, temos elementos para acreditar que essa realidade demorará ainda mais para mudar.
Dentre as três únicas mulheres que ocuparam o Supremo Tribunal Federal, em toda a sua história, está a Ministra Rosa Weber que, enquanto Presidente do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, teve a iniciativa de, entre outras decisões sobre temas relevantes, promover a paridade de gênero entre juízes de segunda instância. Apesar da louvável medida, a presença feminina no STF é desproporcionalmente baixa, com apenas uma mulher entre seus onze membros.
A Ministra Carmen Lúcia, única representante feminina em exercício no STF, destacou a importância de as mulheres terem voz. Recentemente, entre as interrupções que frequentemente sofre, afirmou: ‘Nós mulheres ficamos dois mil anos caladas, nós queremos ter o direito de falar’.
A verdadeira paridade está distante e muitos questionam a sua importância. Alguns dizem ‘somente’ querer alguém competente, ético e que mereça ocupar a posição, independentemente de gênero, raça etc., como se quiséssemos algo diferente disso. Esquecem-se, entretanto, de que, no Brasil, há inúmeras mulheres que se encaixam perfeitamente nesse perfil. Não se trata de uma mulher ou uma pessoa competente, ética e merecedora, mas sim da escolha de uma mulher que seja tudo isso: competente, ética e merecedora. E que também traga um pouco mais de diversidade ao tribunal mais importante do País.
E por que é essencial termos mais mulheres no Supremo Tribunal Federal? Porque as mulheres, assim como todas as pessoas que fogem do perfil predominante nas posições de poder, trazem experiências, perspectivas e percepções diversas, que nos levam a decisões melhores e mais justas.
Porque é razoável esperar que a mais alta Corte do Brasil tenha Ministras que representem proporcionalmente a população do País.
Porque a representatividade feminina não se traduz na garantia dos interesses e necessidades exclusivamente das mulheres, mas da sociedade como um todo. As mulheres, em geral, são responsáveis por impulsionar mais pessoas diversas, em todos os seus recortes de raça, crença, orientação sexual etc., em espaços de liderança.
Porque as mulheres têm o direito à participação na definição de garantias, programas e políticas que lhes afetam direta ou indiretamente.
Porque, em uma Suprema Corte de um País democrático, com instituições robustas e um Estado de Direito, é incompreensível, inaceitável e injusto termos uma única Ministra entre seus integrantes.
Porque não devemos mais aceitar ser relegadas à sombra, à obscuridade, à coadjuvância. Estamos cada vez mais qualificadas, preparadas e ansiosas para preencher o espaço que é nosso por direito e por justiça.
Porque uma maior presença feminina no STF é, acima de tudo, o justo e o certo a fazer. Temos direito, em razão da nossa igual capacidade, de ocupar posições de destaque e protagonismo na tomada das decisões relevantes do País.
Não se pretende garantir oportunidades a quem não mereça, não se pretende usar o gênero como privilégio, não se pretende subverter a ordem constitucional, mas, ao contrário, fazer valê-la, considerando a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, assegurada pelo artigo 5o., inciso I, da Constituição.
É bem possível que mais uma chance seja desperdiçada para que possamos ter uma outra mulher no STF. A discussão em torno do tema, entretanto, não pode ‘esfriar’ ou ficar à mercê da urgência de outra indicação à Suprema Corte. Nós ‘só’ queremos ocupar o lugar que nos pertence. A cada passo, estaremos mais perto de onde queremos chegar. A cada desafio, estaremos mais fortes e combativas. A cada mulher, mais uma voz será ouvida.