O Ministério Público escolhe a burocracia e ignora o direito à segurança ‘privada’
A cidade de São Paulo vive uma escalada preocupante de criminalidade em bairros residenciais, especialmente em vias de baixo fluxo, onde assaltos, furtos e invasões de domicílio se tornaram parte da rotina dos moradores. Diariamente, a imprensa e as redes sociais mostram bandidos “fantasiados” de entregadores em motocicletas que fazem o que bem entendem, como entendem, impunes e livres.
Diante da ausência de uma resposta efetiva do Estado, comunidades locais têm recorrido a medidas legítimas de autoproteção, como a contratação de empresas de segurança, monitoramento de câmeras em tempo integral e, em casos mais acintosos, a instalação de cancelas e o fechamento controlado de ruas — iniciativas que contam, inclusive, com pareceres técnicos favoráveis da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), quando não há prejuízo à circulação pública. É um caminho na busca frenética por se proteger.
Apesar dos esforços pulverizados, o Ministério Público de São Paulo tem conduzido esforços na direção oposta. Com base em uma lei da década passada — mal redigida, desatualizada e incapaz de refletir a complexidade urbana da capital (a cidade é um tecido vivo que tem dinâmicas e peculiaridades em constante transformação) — promotores vêm questionando e inviabilizando o fechamento dessas vias sob a alegação de que a norma proíbe o bloqueio de ruas com mais de uma “quadra fiscal”. Tal interpretação é, na prática, absurda, ou ao menos muito questionável: como cada lado de uma rua corresponde a uma quadra fiscal distinta, essa leitura tornaria impossível o fechamento de qualquer via da cidade, mesmo aquelas autorizadas por órgãos técnicos, lembrando que o eixo não é impedir a circulação ou restringir acesso, mas assegurar proteção em áreas em que a segurança pública é ainda mais falha.
Essa postura evidencia um foco mal direcionado por parte do Ministério Público. Em vez de concentrar esforços no combate a construções irregulares às margens de córregos, ocupações ilegais e obras que violam a legislação urbanística em diversos pontos da cidade, o Ministério Público tem escolhido mirar em iniciativas comunitárias regulares, devidamente analisadas e autorizadas por instâncias competentes. O resultado é um paradoxo institucional: enquanto as verdadeiras irregularidades urbanas prosperam, o MP insiste em desmobilizar tentativas legítimas de proteção.
Há, portanto, um evidente descompasso entre a atuação do Ministério Público e as demandas reais da população paulistana. Trata-se de uma interpretação fria da lei, incapaz de dialogar com a necessidade concreta de segurança dos moradores. Projetos de lei em tramitação na Câmara Municipal, como os de autoria dos vereadores Thammy Miranda (PSD) e Ricardo Teixeira (União Brasil), já buscam atualizar a legislação para torná-la mais racional e condizente com a dinâmica da cidade. No entanto, o MP permanece preso a uma leitura burocrática e formalista, ignorando não apenas o contexto social, mas também os pareceres técnicos de instituições especializadas.
Mais grave ainda é a percepção de que parte do sistema de Justiça opera em uma lógica de isolamento institucional, alheia à realidade das ruas. Promotores, distantes do cotidiano de insegurança vivido pelos cidadãos, aplicam interpretações legais rígidas sem considerar que o direito à segurança é tão fundamental quanto o direito à livre circulação. Ao transformar a letra da lei em obstáculo à proteção, o Ministério Público transfere à população o ônus da violência e deslegitima soluções que surgem justamente da omissão do poder público.
Em vez de concentrar energia em controvérsias de baixa relevância social — como o fechamento regular de ruas devidamente regulamentadas — o Ministério Público poderia direcionar seu olhar para as verdadeiras urgências urbanas de São Paulo: o avanço das facções, o crescimento das construções ilegais, o tráfico de armas e o aumento alarmante dos roubos em áreas residenciais. Isso sem falar na proliferação desordenada de empresas que instalam cabos nos postes de São Paulo, transformando a paisagem urbana em um emaranhado de fios que mais se parecem com teias suspensas sobre a cidade.
A Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo tem por finalidade atuar investigando irregularidades urbanas, como problemas em obras e falhas em programas habitacionais. O MP utiliza inteligência geográfica para mapear e enfrentar os grandes desafios urbanos de forma estratégica. Também promove ações judiciais e participa de eventos técnicos para qualificar sua atuação e buscar soluções mais eficazes para a cidade.
Seria nessa frente que a atuação institucional do Ministério Público faria real diferença para os paulistanos, e não travando batalhas contra cancelas e portões instalados por moradores que exigem apenas o mínimo: o direito de não serem vítimas fáceis que, no nosso tempo, só tornam meras estatísticas na mão de tecnocratas.