Lula demite aliados de olho em 2026, mas Centrão ainda controla R$ 97 bilhões e 63 cargos no governo
Mesmo após as demissões promovida pelo governo Lula para retaliar aliados infiéis, o Centrão ainda controla R$ 97 bilhões em orçamento distribuídos em ao menos 63 cargos estratégicos na máquina federal. A ofensiva ocorre após sucessivas derrotas do Planalto no Congresso e busca recompor a base aliada com foco nas eleições de 2026.
Levantamento do Estadão mostra que o bloco formado por PP, União Brasil, Republicanos, PSD e MDB mantém influência sobre o governo por meio de ministérios e de postos-chave em presidências e diretorias de agências reguladoras, estatais e autarquias. O grupo administra R$ 97,8 bilhões, valor equivalente ao total autorizado para as pastas da Fazenda; Justiça e Segurança Pública; Ciência e Tecnologia; Cultura; Relações Exteriores; Meio Ambiente; Desenvolvimento, Indústria e Comércio; Povos Indígenas; Direitos Humanos; Mulheres; Empreendedorismo e Igualdade Racial – que, juntas, somam R$ 82 bilhões.
Mesmo com essa estrutura, integrantes desses partidos têm votado contra a orientação do Planalto em pautas centrais. Como mostrou o Estadão, o governo Lula 3 enfrenta a base aliada mais infiel dos últimos 30 anos, o que levou recentemente à rejeição da Medida Provisória 1.303, cujo texto buscava compensar a perda de arrecadação e garantir R$ 20,6 bilhões extras para 2026, ano eleitoral.

Em reação, o governo, por meio da Secretaria de Relações Institucionais, iniciou uma série de demissões de indicados desses partidos em órgãos e estruturas vinculadas a ministérios. O movimento busca abrir espaço para novas nomeações em troca de apoio de aliados nas votações prioritárias até as eleições de 2026.
Apesar das demissões, a influência do Centrão no governo permanece alta. O PSD segue no comando de três ministérios estratégicos: Agricultura, Minas e Energia e Pesca, que juntos concentram R$ 22,8 bilhões. O partido é comandado por Gilberto Kassab, que atua como secretário de Governo e Relações Institucionais do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas – principal nome da direita para disputar a Presidência em 2026.
A sigla tem indicações na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, cujo orçamento total é de R$ 3,8 bilhões em 2025. Também emplacou nomes na Secretaria-Executiva do Ministério da Agricultura, na Secretaria Nacional de Pesca Industrial e na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
O MDB, por sua vez, comanda diretamente ministérios e cargos de peso, à frente das pastas de Cidades, Planejamento e Orçamento e Transportes, que somam R$ 51,8 bilhões. O partido mantém indicações no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável por um orçamento de R$ 15,3 bilhões, além da Secretaria-Executiva do Ministério das Cidades, da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental e da Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana, entre outros postos estratégicos.
O União Brasil também preserva áreas importantes da máquina federal. Embora tenha anunciado o desembarque do governo, o partido continua à frente do Ministério do Turismo, que administra R$ 3,1 bilhões. Um dos principais nomes da legenda, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, tornou-se o principal fiador do governo Lula no Congresso e emplacou as indicações para o comando dos ministérios da Integração e do Desenvolvimento Regional e das Comunicações, que somam R$ 12,2 bilhões.
Nos últimos meses, Alcolumbre atuou para conter pautas de desgaste ao Planalto: barrou a articulação de uma anistia “ampla e irrestrita” a bolsonaristas, travou o chamado PL da Dosimetria, enterrou a PEC da Blindagem e assumiu as negociações da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), em meio à disputa sobre a criação de um calendário para o pagamento das emendas parlamentares. Também adiou a análise de vetos presidenciais que poderiam impor novas derrotas a Lula.
A sigla tem indicações em postos-chave da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), que movimenta R$ 2,1 bilhões em obras e convênios e se tornou uma das principais executoras de emendas parlamentares no País.
Aliados ouvidos pelo Estadão avaliam que Alcolumbre deve ampliar sua influência em novas indicações após a provável escolha do advogado-geral da União, Jorge Messias, para a vaga de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal, em detrimento do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nome preferido do presidente do Senado.
Assim como o União Brasil, o PP, comandado pelo senador Ciro Nogueira, anunciou a saída do governo, mas preserva influência em áreas de alta capilaridade política. O partido mantém o comando do Ministério do Esporte, que administra R$ 3,1 bilhões, e acertou com o Planalto a permanência do ministro André Fufuca à frente da pasta, em troca de não ser atingido pelo “limpa” promovido no segundo escalão.
O PP tem indicações para postos-chave da Caixa Econômica Federal, Aneel, do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), que movimenta R$ 1,3 bilhão, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
Para o professor do IDP-SP Vinicius Alves, a estratégia do governo pode ampliar tensões com segmentos da Câmara e dificultar a aprovação de pautas prioritárias. Ao mesmo tempo, ele avalia que Lula tem recorrido ao poder de nomeação para reforçar a coordenação política do governo em torno de sua agenda, num movimento que busca redefinir alianças com foco no próximo pleito.
“A menos de um ano do próximo pleito, essa pode ser uma estratégia bem calculada para que o governo saiba com quem pode contar na disputa do ano que vem”, diz.
Alves destaca que a melhora recente na avaliação do governo nas pesquisas ajuda a explicar o momento escolhido para a ofensiva. Em sua leitura, Lula estaria antecipando esse rearranjo por considerar que vive seu período mais favorável junto à opinião pública desde o início do terceiro mandato.
Na avaliação do Planalto, o movimento tem caráter pragmático. O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), afirma que a reorganização política busca garantir votos para a aprovação das principais propostas do Executivo até as eleições. Para o parlamentar, o governo decidiu cobrar mais coerência dos aliados que ocupam cargos na Esplanada. “Não dá para um partido ter ministério e não ajudar o governo”, resume.
