29 de outubro de 2025
Politica

Nunca pratiquei a advocacia dos cochichos

Em novembro de 2025, a Ordem dos Advogados do Brasil completará noventa e cinco anos de fundação. Quase um século de história separa aquele 18 de novembro de 1930 — quando a jovem República buscava reencontrar seus rumos após tempos de instabilidade — do presente em que a OAB permanece como uma das instituições mais respeitadas e simbólicas da democracia brasileira. À frente de sua criação esteve um homem que unia o rigor do jurista, a sensibilidade do escritor e a nobreza do cidadão público: Levi Fernandes Carneiro, o primeiro presidente da Ordem, cuja vida e pensamento se confundem com a gênese da advocacia moderna no Brasil.

Levi Fernandes Carneiro, o primeiro presidente da OAB
Levi Fernandes Carneiro, o primeiro presidente da OAB

Nascido em Niterói, em 8 de agosto de 1882, Levi Carneiro formou-se em Direito pela antiga Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Desde cedo, demonstrou que o exercício da advocacia não se restringia à defesa de causas, mas se enraizava no compromisso com a liberdade e a moralidade pública. Tinha o raro dom de unir firmeza e serenidade, e certa vez escreveu: “Nunca pratiquei a advocacia dos berros ou dos cochichos… nunca pedi para mim, nem me inculquei… nunca tive protetor, chefe ou patrono.” Nessa declaração se resume um ideal de independência e decoro que ainda hoje inspira gerações de advogados.

Levi Carneiro assumiu a presidência da recém-criada OAB em um momento de transição nacional. Coube-lhe organizar uma instituição destinada não apenas a representar a classe dos advogados, mas a proteger os fundamentos éticos da sociedade brasileira. Sob sua liderança, a Ordem nasceu com vocação cívica: uma casa de defesa das liberdades, da justiça e da dignidade profissional.

Sua atuação pública foi ampla e exemplar. Serviu como Consultor-Geral da República entre 1930 e 1932, deputado constituinte em 1934 e, mais tarde, como juiz do Tribunal Internacional de Justiça de Haia, entre 1951 e 1954, projetando o nome do Brasil entre as nações na consolidação do Direito internacional. Diplomata da palavra e da razão, Levi Carneiro levou ao mundo o espírito jurídico de um país que, em meio a suas contradições, sempre acreditou na força da lei e na grandeza da justiça.

Homem de letras e pensamento refinado, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1936, tomando posse no ano seguinte. Em seu discurso de recepção, pronunciou uma das frases mais belas e profundas sobre a essência do Direito: “Nunca o Direito foi tão interessante, tão envolvente, tão amplo. O fim do Direito é o bem comum, o interesse geral, não apenas de ordem material, mas também de ordem moral.” Essa concepção revela o espírito humanista de um jurista que via a norma jurídica como instrumento de harmonia social, e não de opressão; como expressão da moral pública, e não do poder arbitrário.

Além da oratória elegante e do pensamento claro, Levi Carneiro cultivava a discrição e a gratidão silenciosa. Em um de seus textos, escreveu: “Por vezes, o que parece ingratidão é recato, discrição, timidez. Há uma gratidão ostentosa, gritante. Outra, humilde, penetrada do sentimento do obséquio recebido, e, em consequência, comedida, quase silenciosa.” Era a voz de um homem que enxergava virtude na modéstia e grandeza no equilíbrio — valores cada vez mais raros, mas que definem a verdadeira nobreza de caráter.

Autor de obras como A nova legislação da infância (1930) e O Direito internacional e a democracia (1945), Levi Carneiro defendeu, ao longo de sua vida, a necessidade de um Direito voltado à justiça social, à solidariedade e ao respeito humano. Ensinava que o papel do advogado era o de mediador entre o poder e o indivíduo, entre o Estado e a consciência, entre a letra da lei e o espírito da equidade.

Ao celebrarmos os 95 anos da Ordem dos Advogados do Brasil, o nome de Levi Carneiro ressurge como símbolo e inspiração. A OAB, desde sua origem, carrega em seu DNA o ideal de independência e responsabilidade que ele soube imprimir com rara lucidez. Sua obra transcende o tempo, porque fala de princípios permanentes: liberdade, ética, justiça e serviço público.

Levi Carneiro não apenas presidiu a OAB; ele a concebeu como uma casa de liberdade e de consciência. Noventa e cinco anos depois, seu legado ecoa com a mesma força moral que guiou seus passos: a convicção de que a advocacia é o alicerce da Justiça, e a Justiça, o fundamento da Nação.

 

 

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