18 de dezembro de 2025
Politica

O silêncio no plenário

Era uma manhã como tantas outras, e o Plenário do Tribunal de Contas do Ceará abria suas portas para mais uma sessão. O ambiente, sempre solene, soava diferente. Havia ali um silêncio que não se explicava pela ausência de processos ou de conselheiros, mas pela falta daqueles que, por vocação constitucional, deveriam ocupar parte da mesa: os auditores.

Antes de 2019, era comum vê-los compondo o colegiado, completando o quórum e garantindo o equilíbrio técnico das decisões. A rotina seguia previsível, quase ritualística, a cada sessão, a Constituição da República encontrava ali a sua expressão prática. Mas então veio a lei. Discreta como quem fecha uma janela, ela suprimiu poucas palavras, e nelas todo um sentido. Bastou um corte textual — “para completar a composição do Plenário ou das Câmaras” — para que as vozes técnicas começassem a se calar.

Nos corredores, justificou-se que a mudança apenas alinhava o modelo cearense ao do Tribunal de Contas da União. Mas a semelhança é apenas aparente. O próprio Regimento Interno do TCU, tantas vezes citado nas decisões do Supremo, garante expressamente a convocação dos substitutos tanto para efeito de quórum quanto para completar a composição do Plenário. No Ceará, a interpretação se estreitou, e com ela, o espaço para a técnica.

Os números falam mais alto que os discursos. Entre 2016 e 2018, mais de 80% das sessões plenárias contaram com auditores convocados. A partir de 2020, após a nova lei, o índice despencou para menos de 6%. Em 2023 e 2024, o silêncio foi absoluto: nenhuma convocação. O Plenário, antes plural, tornou-se um palco de cadeiras vazias e de vozes reduzidas.

É nesse vazio que ecoa a pergunta essencial: para que serve a Constituição, senão para garantir que a técnica caminhe ao lado da política? Limitar a presença dos auditores é mais do que um detalhe burocrático, é enfraquecer a própria razão de ser de um tribunal que existe para equilibrar controle e julgamento.

Em Brasília, o Supremo Tribunal Federal se debruça sobre o tema. O processo, de número ADI 6067, proposto pela Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas (AUDICON) que representa os auditores – também conhecidos como conselheiros substitutos –, ganhou contornos de símbolo institucional. O voto do relator, Ministro Gilmar Mendes, oscilou entre o reconhecimento da inconstitucionalidade e a posterior reconsideração. Outros ministros, como Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, já manifestaram o entendimento de que a restrição viola o modelo constitucional. Agora, o processo aguarda nova vista, e, com ela, a definição se o silêncio continuará a ocupar o Plenário.

A ADI 6067 não é apenas uma disputa técnica. É um grito contido de quem pede o restabelecimento de um equilíbrio rompido. Cada página do processo é uma lembrança de que a democracia também se constrói nos detalhes da representação institucional. A cadeira vazia de um auditor não é uma simples ausência: é o retrato de um desequilíbrio que se prolonga no tempo.

Porque, no fundo, toda instituição vive de vozes, e quando elas se calam, a história registra. Talvez um dia se conte que os plenários cheios se esvaziaram por um traço de caneta. E que o silêncio, se não for interrompido, pode se tornar regra.

 

 

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