Delação de fiscal da propina de R$ 1 bi tem mais de 30 anexos, cita colegas e inquieta Fazenda de SP
O ex-auditor fiscal da Fazenda do Estado de São Paulo Artur Gomes da Silva Neto – alvo principal da Operação Ícaro, sob suspeita de ter recebido R$ 1 bilhão em propinas de empresas como a Ultrafarma e a Fast Shop – está finalizando acordo de delação premiada com o Ministério Público estadual. Seus relatos detalham corrupção na Fazenda e preenchem mais de 30 anexos, cada um deles relativo a procedimentos tributários forjados, nomes de outros auditores e de empresários supostamente favorecidos pelo esquema.
A reportagem do Estadão pediu manifestação do criminalista Paulo Amador Bueno da Cunha, constituído por Artur. O advogado não se manifestou ‘em respeito ao sigilo’.
As conversas com Artur tiveram início já em agosto. Os promotores anotaram relatos dele e dividiram as informações por anexos. Cada capítulo é referente a um processo fiscal do qual ele participou e exigiu propina para liberar antecipadamente créditos tributários.
Os promotores também receberam de Artur informações sobre o envolvimento de outros fiscais. Em troca de benefícios decorrentes da delação – entre eles uma eventual pena mais ‘branda’ -, ele apontou nomes, inclusive de outros escalões da Fazenda.
Artur se compromete a entregar provas e caminhos para corroboração de suas revelações.
A delação de Artur agita corredores e gabinetes do Palácio Clóvis Ribeiro, na Avenida Rangel Pestana, no centro de São Paulo, sede da Receita estadual.
Nos bastidores do Fisco estima-se, preliminarmente, que o esquema de corrupção instalado na área de atuação de Artur pode ter arrecadado R$ 11 bilhões.
Nessa etapa da negociação do acordo do ex-auditor – ele próprio pediu exoneração do cargo após ser preso, em agosto -, os capítulos mais notórios, revelados já no início da Operação Ícaro, são os da Ultrafarma e Fast Shop.

No caso da Fast Shop, os controladores da empresa confessaram que pagaram propinas de R$ 400 milhões para o ex-fiscal da Receita estadual. A empresa fechou acordo e vai pagar multas de R$ 100 milhões.
Milton Kazuyuki Kakumoto e Júlio Atsushi Kakumoto, donos da empresa, e Mário Otávio Gomes, diretor estatutário que chegou a ser preso na Operação Ícaro, confirmaram ao Ministério Público que pagaram fortuna a Artur Gomes da Silva Neto no esquema de liberação de créditos antecipados de ICMS-ST.
Artur acumulou as funções de supervisor de Ressarcimento, Comércio Eletrônico e Redes de Estabelecimento da Secretaria da Fazenda estadual.
A quebra de sigilo bancário e fiscal da Smart Tax foi o ponto de partida da investigação. A empresa de consultoria tributária está registrada em nome de Kimio Mizukami da Silva, de 73 anos, professora aposentada da rede pública.
Para o Ministério Público, a Smart Tax era uma empresa de fachada criada exclusivamente para operacionalizar o repasse de propinas ao auditor fiscal, apontado como o ‘cérebro’ do suposto esquema de corrupção. Segundo a investigação, o escritório prestou uma ‘verdadeira assessoria tributária criminosa’.
Kimio Mizukami é mãe de Artur. Os investigadores suspeitam que o ex-auditor usou a própria mãe como sua ‘laranja’ para ocultar aportes milionários.
Em 2021, a Smart Tax declarou R$ 411 mil no Imposto de Renda. O patrimônio saltou para R$ 46 milhões em 2022 e para R$ 2 bilhões em 2024, em decorrência dos ‘rendimentos’ da empresa.
O aumento patrimonial vertiginoso da consultoria de Kimio alertou os promotores. A empresa está registrada no endereço residencial do ex-fiscal, em Ribeirão Pires, no ABC paulista, e não tem funcionários cadastrados. A mãe de Artur não tem qualquer experiência em consultoria tributária.
‘Refazimento’
Um ponto específico inquieta os auditores aliados de Artur: o refazimento dos trabalhos. Na prática, é assim: o contribuinte pediu o ressarcimento, o fiscal fez as verificações e se manifestou favoravelmente. O ressarcimento foi deferido e o contribuinte recebeu o dinheiro.
A Fazenda está refazendo todas essas verificações. O procedimento assombra a turma de Artur porque poderá levar a muitos outros nomes implicados com o esquema bilionário de corrupção.
Para os promotores, Artur orientava as empresas em relação a pedidos de ressarcimento de créditos de ICMS-ST, compilando documentos a serem enviados à Secretaria da Fazenda e, em alguns casos, acelerando os procedimentos e autorizando internamente os pedidos. Em troca de propinas alentadas, essas empresas ‘furavam’ a fila de pedidos, em processos administrativos complexos e, via de regra, demorados.

‘Escritório’
A Comissão Processante Especial instalada – por ordem do secretário da Fazenda e Planejamento do Estado Samuel Kinoshita – para investigar Artur no âmbito administrativo intimou a contadora Maria Hermínia de Jesus Santa Clara para depor como testemunha no próximo dia 6.
Além de Artur são citados nesse procedimento os auditores fiscais Artur Takefume Hamanaka, Fernando Kenji Iwai, Marcel Ono, Maria Cecília Grava Trentini, Maria da Conceição Rodrigues Fabaro e Selma Laltuf da Costa.
Santa Clara era funcionária de Artur no escritório Smart Tax, onde ele acertava as propinas com executivos e intermediários de pessoas jurídicas. A suspeita dos investigadores recai também sobre outros fiscais que, embora temerosos do alcance da delação de Artur, ainda mantêm atividade paralela para os mesmos fins.
A partir da quebra de sigilo de e-mails e de conversas via WhatSapp investigadores verificaram que a contadora tinha em seu poder a senha de todos os fiscais do grupo de Artur e, provavelmente, de auditores de outras áreas. Ela ajudava a montar os processos que teriam privilegiado grupos empresariais.
Alguns fiscais não trabalhavam, de fato, no escritório de Artur. Eles delegavam à Santa Clara e a outros funcionários a missão de acertarem os procedimentos tributários de acordo com os pleitos dos interessados.
A investigação também já constatou que os notebooks dos fiscais ficavam no bunker de Artur. A contadora Santa Clara logava e fazia os trabalhos.
As suspeitas levaram a Justiça de São Paulo a autorizar a quebra do sigilo de mensagens do fiscal. Com isso, a Ultrafarma também foi implicada no inquérito. Os investigadores encontraram centenas de e-mails trocados entre Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias, que chegou a ser preso na Operação Ícaro, e funcionários da empresa com o auditor. As conversas deixam claro o assessoramento clandestino.
A investigação já mostrou que Artur tinha até mesmo o certificado digital da Ultrafarma para protocolar pedidos de ressarcimento em nome da empresa junto à Fazenda.
 
 

 
			 
							