Por que Fachin esperou dois dias para falar sobre operação no Rio
Dois dias depois da megaoperação policial que resultou em mais de cem mortos no Rio de Janeiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, fez um pronunciamento rápido no plenário da Corte em solidariedade às famílias. Nesta quinta-feira, 30, recomendou que a Corte trate o assunto com discrição e sobriedade – duas palavras que marcam o estilo Fachin de comando.
“Em relação às circunstâncias que dizem respeito à tragédia ocorrida na cidade e no estado do Rio de Janeiro, todos os integrantes deste tribunal acompanham com a devida atenção, com a plena solidariedade aos familiares das vítimas e, ao mesmo tempo, com a discrição e sobriedade que são necessárias em momentos de tragédias graves como essa dedicar a elas a nossa atividade concreta e no lugar devido as melhores preocupações”, disse ao fim da sessão de hoje.

Para dar um caráter colegiado e institucional às decisões e manifestações do tribunal, Fachin não queria falar publicamente sobre a operação, mesmo abalado com a forma como ela foi conduzida, segundo contou uma pessoa próxima do ministro.
De acordo com uma fonte do tribunal, Fachin conversou ontem com os colegas sobre a conveniência de dar uma declaração em plenário sobre o assunto. A maioria dos ministros teria concordado com a posição dele de não fazer um pronunciamento. A atuação do STF seria vista nos próximos passos da chamada ADPF das favelas, o processo que restringiu as operações policiais no Rio em nome da segurança da população.
Na noite de terça-feira, 28, após interpretação de uma regra do Regimento Interno do STF, o ministro Alexandre de Moraes tornou-se relator provisório do processo. A relatoria permanente será do substituto de Luís Roberto Barroso no tribunal, que ainda não foi anunciado.
Moraes determinou que o governador do Rio, Cláudio Castro, explicasse a operação. Na estratégia de Fachin de retirar o STF dos holofotes sem deixar a Corte à margem das decisões importantes, o ideal seria mesmo não se manifestar, mas mostrar a posição do tribunal por meio de decisões judiciais.
Ontem, dia que Fachin completou um mês na presidência, ele se deparou com a dificuldade que terá para atingir uma de suas metas no cargo: despersonalizar a Corte. Ele não conseguiu conter os ministros mais falantes. Antes da sessão de ontem, Flávio Dino, que foi ministro da Justiça antes de chegar ao Supremo, comentou a operação em um evento.
“Por que que está esse caos lá? Porque as facções criminosas estão ultracapitalizadas, certo? E elas se capitalizam como? Só vendendo droga? Não, é dentro do mercado formal. Foi-se o tempo em que as facções criminosas no Brasil viviam apenas de mercado ilegal”, afirmou.
No plenário, voltou ao assunto. Chamou a operação de “circunstância tensa e trágica” e disse que o tribunal não poderia “legitimar o vale-tudo, com corpos estendidos e jogados no meio da mata”.
Gilmar Mendes também opinou ontem: “A toda hora vivemos situações de graves ações policiais que causam danos às pessoas ou mesmo a morte de várias pessoas, como acabamos de ver nesse lamentável episódio do Rio de Janeiro”.
Como os colegas quebraram o silêncio sobre a situação, não restou outra opção a Fachin a não ser dar também uma declaração sobre o Rio – ainda que com dois dias de atraso.
Hoje, por uma série de fatores, Moraes, Mendes e Dino personalizam a imagem da Corte. Eles costumam dar mais declarações públicas, tomam decisões judiciais em temas impactantes e têm interlocução com a política. Estão, aliás, no grupo de ministros com maior contato com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Fachin não costuma falar com a imprensa nem aparecer em eventos sociais. A intenção do ministro é mudar o perfil de comando do Supremo. Prefere que as declarações fiquem a cargo da política. Enquanto isso, as decisões judiciais falariam pelo STF. Mas iniciativas individuais dos ministros mostram quem nem todos estão na mesma página.
 
 

 
			