2 de novembro de 2025
Politica

A quem interessa a falta de inteligência na segurança pública

Parta-se do princípio inerente a qualquer comunidade civilizada que ações do Poder Público que acarretam morte de pessoas, com ou sem intenção, devem ser analisadas com o rigor da desconfiança quanto as suas premissas de decisão e métodos de execução.

Quando tais ações se repetem inúmeras vezes ao longo de décadas sem que qualquer proveito delas se extraia, e por mais que se as enxergue com as lentes distorcidas para alcançar uma visão nefastamente utilitarista, à desconfiança se soma a constatação de que não se trata de uma mera repetição equivocada de decisões e métodos de execução.

Trata-se, verdadeiramente, da conjunção de ao menos dois fatores: o primeiro, a ausência de mínima capacidade técnica de lidar com elementos básicos de inteligência; o segundo, a explícita opção da exploração política do inútil caos que se instala. Dá-se aqui, por subtendido, que os alvos primários de tais ações são parcelas da sociedade marcadas pela exclusão das mais variadas formas.

Por ora, o primeiro aspecto. A “inteligência” a que se refere o presente texto deve ser compreendida como o conjunto de informações de fontes confirmadas, confiáveis, confrontáveis e úteis a orientar um determinado modo de agir das agências públicas.

Este “modo de agir” pressupõe uma estratégia de enfrentamento de uma determinada situação social que exija urgência ou emergência de agir ou que tenha se instalado de tal forma no quotidiano social mediante a comunhão espúria de parcelas da sociedade e do Estado para que se funde e persista a tolerância para com a degradação social.

No caso da segurança pública, óbvio tema central destas reflexões, e, em particular, da reiteração de fatos históricos que foram normalizados em vários segmentos da sociedade brasileira ao longo de sua história, notoriamente sente-se falta de estratégia de enfrentamento e de inteligência.

Mesmo pessoas de pouco ou nenhum conhecimento técnico sobre a matéria podem ser capazes de intuir que, em se tratando de atividade criminosa voltada a obtenção primária de vantagens patrimoniais e que, portanto, não lutam por “causas” políticas (não querem uma mudança de regime político) ou supremacistas (ao apologizar o racismo, por exemplo) ou religiosas (impondo um modo de conduta social a partir de uma determinada visão não laica da sociedade) a estratégia mais direta e menos custosa socialmente de enfrentamento é atingir o lucro obtido com os crimes praticados.

Contemporaneamente, com a circulação de capital acontecendo em um ambiente praticamente todo digitalizado, inclusive com meios de troca de difícil rastreamento (moedas digitais), tão ágil quanto fazer o produto do ilícito circular é, com a devida inteligência (no sentido acima referido) persegui-lo. Com expertise adequada, a mesma rapidez da dissimulação do ilícito é a que se apresenta para localizá-lo, bloqueá-lo, recuperá-lo e devolvê-lo aos meios de circulação lícitos.

Hoje é significativamente simples comparar o abismo de eficiência que medeia entre uma incursão de agentes de segurança pública com armas e tiros num ambiente social onde, por exclusão social, vivem pessoas que tentam sobreviver com dignidade em meio àqueloutras que vivem da atividade criminosa (é de se ver a obra cinematográfica magnífica e atual que tem Fernanda Montenegro como protagonista, “Vitória”), daquela efetuada no silêncio das pesquisas técnicas que chegam ao ponto nevrálgico do enfrentamento: a fruição econômica do provento do crime.

Ademais, quem trata seriamente do assunto, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acresce a necessidade não apenas de bloquear os proventos do crime, mas fiscalizar todos os elos da cadeia produtiva da atividade criminosa, seja por meios tributários, seja por meios administrativos regulatórios, numa verdadeira detecção preventiva de possíveis ilícitos.

Pois bem. Sendo intuitivo ao senso comum tudo o quanto se disse, resta o segundo aspecto levantado no início do texto: a exploração política do caos instalado.

Já se disse, com voz autorizada, que neste país o não investimento em educação, acarretando a perpetuação da ignorância, é um projeto de poder. A manutenção de falidas estratégias de segurança pública também o é.

Aquela desconfiança aventada no primeiro parágrafo deve ceder lugar a uma rigorosa análise crítica das reais intenções para a manutenção proposital do fracasso das políticas de segurança. Em algum momento vai-se chegar às perguntas corretas. E, a partir delas, às respostas corretas.

Uma pista para esse caminho é a perpetuação de segmentos políticos que, cada vez mais, se aproximam em investigações e processos criminais, dos centros de práticas criminosas. Outra, é constatar-se a apropriação casuística da verdadeira desgraça social instalada e dela tirar-se proveito. Ambas as situações se retroalimentam como se pode deduzir sem grande esforço.

 

 

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