Planalto bate cabeça em busca de reação à crise no Rio e ordem é desconstruir consórcio da direita
BRASÍLIA – O governo Lula ainda enfrenta divergências internas e bate cabeça sobre como reagir à operação policial do Rio contra o Comando Vermelho, que deixou ao menos 121 mortos. Munido de monitoramentos de redes sociais indicando que, até agora, a direita ganhou a batalha da comunicação nessa crise, o Palácio do Planalto tenta se livrar da máxima de que o PT defende direitos humanos dos bandidos.
Ao mesmo tempo, uma ala influente do partido vai insistir para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva separe as atribuições de segurança pública da pasta da Justiça, caso seja reeleito, em 2026.
“Nós erramos ao não criar o Ministério da Segurança Pública”, tem dito o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que concorrerá a deputado federal. Antes mesmo de ocupar a vice-presidência, Geraldo Alckmin também se posicionava a favor da divisão do ministério. A proposta, porém, não tem acordo dentro do governo.

Preocupado em não deixar que a direita ganhe cada vez mais protagonismo nas discussões sobre o avanço do crime organizado, Lula assinou na tarde desta sexta-feira o projeto de lei antifacção, encaminhado no mesmo dia ao Congresso. Não foi só: pediu urgência ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para a votação do pacote de medidas.
Como mostrou o Estadão, o projeto prevê o endurecimento de penas para líderes de facções e infiltração de policiais em empresas suspeitas de lavar o dinheiro do crime, além da criação do Banco Nacional de Organizações Criminosas .
A portas fechadas, o presidente classificou o “Consórcio da Paz”, anunciado na quinta-feira por governadores de direita, como um movimento da oposição para fazer “pirotecnia” eleitoral em cima de um banho de sangue.
O Planalto atua agora para reverter um cenário desfavorável e desconstruir a estratégia de governadores do campo adversário. Quando manifestaram solidariedade ao colega do Rio, Cláudio Castro (PL), chefes estaduais do Executivo acusaram Lula de omissão e encontraram uma pauta própria.
Pela primeira vez, o grupo se descolou da agenda de uma nota só, até hoje focada na defesa da anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe.
Diante da tragédia no Rio, Lula viu a direita sair das cordas logo após ele recuperar popularidade e ganhar pontos ao se reunir na Malásia com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, iniciando negociações sobre o tarifaço imposto aos produtos brasileiros.
O massacre nos complexos do Alemão e da Penha, no entanto, fez o bolsonarismo jogar novamente os holofotes sobre a declaração de Lula de que traficantes também “são vítimas dos usuários”.

Nesse cenário de disputa, a ordem no Planalto foi dar destaque a todas as medidas adotadas pelo presidente para combater a violência e o crime organizado e tirar do papel o que estava engavetado. Além disso, entrou em cena o gabinete da pronta resposta a governadores como Tarcísio de Freitas (São Paulo), Ronaldo Caiado (Goiás) e Romeu Zema (Minas Gerais). O principal alvo é Tarcísio, visto como provável rival de Lula na corrida ao Planalto.
Em maior ou menor grau, todos os governadores do campo conservador fizeram reparos à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, sob o argumento de que o texto tira a autonomia dos Estados. A PEC foi enviada ao Congresso pelo Ministério da Justiça há exatos seis meses e caminha a passos de tartaruga na Câmara.
“Eu não vendo terreno na lua: vou apresentar uma proposta contundente, reforçando o papel do Estado. Não há no mundo exemplo de segurança pública que seja centralizada no governo central”, disse o deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), relator da PEC da Segurança. “Cinquenta milhões de brasileiros vivem sob o jugo do crime organizado e guerra não se enfrenta com flores”, emendou ele, que divulgará seu parecer, com mudanças no texto do governo, em 4 de dezembro.
A violência é o assunto que mais preocupa os eleitores, de acordo com pesquisas, e o PT sempre teve dificuldade em lidar com o tema da segurança pública. Sob gestão do partido há 19 anos, a Bahia, por exemplo, é o Estado onde há maior número de vítimas de homicídio e de letalidade policial.
“A preocupação com a violência está bastante ancorada na percepção de insegurança nas grandes cidades e me parece que esse assunto terá prioridade na próxima campanha presidencial”, afirmou ao Estadão o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest. “Em 1994, a preocupação era a inflação. Depois, em 2002, a desigualdade e a fome. Em 2018, a corrupção; em 2022, a economia e, agora, a violência”.
Ao longo da semana, em várias reuniões no Planalto e no Palácio da Alvorada, ficou evidente que não havia consenso sobre qual seria a melhor abordagem de Lula e de ministros para o “day after” da crise.
Horas depois de integrantes do governo terem atacado a ação policial, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, pediu cautela na ofensiva.
Na quarta-feira, o titular da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, disse que a operação no Rio havia sido desencadeada sem conhecimento do governo Lula. Ao seu lado, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmou, por sua vez, que a corporação chegou a ser consultada pela superintendência fluminense sobre a possibilidade de participar das ações.
A contradição exposta por Andrei contrariou Lula, embora Lewandowski tenha explicado que não houve um pedido institucional de colaboração. Mesmo assim, o tempo fechou no Planalto.
Passava das 21 horas daquela quarta-feira em que Guilherme Boulos tomou posse na Secretaria-Geral da Presidência quando Sidônio deixou o gabinete para ir embora. Antes, conferiu se estava tudo certo para a publicação, no Diário Oficial do dia seguinte, da lei sancionada por Lula que aumenta a pena dos que obstruem investigações de organizações criminosas e amplia a proteção de autoridades envolvidas nas diligências.
O sinal feito pelo presidente para mostrar que o Planalto não compactua com bandidos contemplou justamente a proposta de seu algoz na Lava Jato: o ex-juiz Sérgio Moro, hoje senador pelo União Brasil.
Ao mesmo tempo, as redes do governo começaram a ressaltar, de forma didática, que o trabalho feito pela Polícia Federal não era apenas para combater o tráfico, mas, sobretudo, para asfixiar financeiramente a cúpula das facções. O vídeo “Explicando a operação policial no Rio de Janeiro com… Inteligência” foi nessa linha e agradou aos aliados de Lula.
Parte grande dos devedores contumazes está envolvida com o crime organizado no Rio
Fernando Haddad, ministro da Fazenda
Até mesmo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, engrossou o coro. “Não adianta só o chão de fábrica, nós precisamos chegar nos CEOs”, insistiu Haddad. “Parte grande dos devedores contumazes está envolvida com o crime organizado no Rio”.
Houve, ainda, uma voz de comando da Secom para que policiais e famílias em risco fossem citados em posts não só de Lula como de ministros. Tudo sob medida para passar a mensagem de que o governo não apoia ações do narcotráfico nem de milícias.
“Se nós não tivermos uma proposta de segurança pública, a proposta que vai vigorar é a do autoritarismo, do fascismo, onde segurança pública eficiente é polícia que mata”, avaliou o presidente do PT, Edinho Silva, durante um debate em Roraima. “Qual o modelo de segurança nós defendemos? É aquele que cuida do adolescente infrator para que ele não seja cooptado pelo tráfico de drogas”.
No diagnóstico de Edinho, o Brasil precisa adotar um programa de reinserção social, hoje inexistente, para os condenados que cumpriram pena e investir em novas tecnologias de combate ao crime organizado.
“Não existe atalho: meia dúzia de Estados não vão derrotar organizações criminosas que atravessam fronteiras, controlam territórios e movimentam bilhões”, escreveu o presidente do PT nas mídias digitais.
