Operação no Rio leva Congresso e governo Lula a correrem por projetos de segurança de olho em 2026
A megaoperação policial no Rio de Janeiro, a mais letal da história do Estado, politizou o debate sobre segurança pública e antecipou o calendário eleitoral. Em menos de uma semana, o governo Lula e parlamentares de 16 Estados e 12 partidos apresentaram 51 projetos de lei sobre o tema, transformando a pauta da criminalidade em palco de disputa política e nova arena de confronto entre Planalto e oposição, a menos de um ano das eleições de 2026.
Especialistas consultados pelo Estadão destacam que esse salto no número de projetos apresentados ao longo dos último dias repete um padrão do Congresso: após episódios de grande repercussão acontece uma enxurrada de propostas de soluções apresentadas no calor da comoção pública, sem planejamento de longo prazo.
A operação, comandada pelo governador Cláudio Castro (PL) e que deixou 121 mortos, desencadeou uma corrida política em Brasília. Em uma semana, foram protocoladas 51 iniciativas na Câmara sobre segurança pública – em outubro, a média era de 12 projetos do mesmo tema por semana. O PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, lidera a ofensiva com 14 propostas, seguido por União Brasil (5), PSD (3), PP (3) e Republicanos (3). Essas siglas, embora integrem, em parte, a base governista, buscaram marcar posição em uma área na qual a direita tradicionalmente se sai melhor.
Não por acaso, os governadores que anunciaram na última quinta-feira, 30, a criação do “Consórcio da Paz” também são filiados a esses partidos. Participaram da iniciativa além do governador do Rio, o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL); Eduardo Riedel (PP), do Mato Grosso do Sul; Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; e a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP). O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), participou por chamada de vídeo da reunião.

A nova crise da segurança pública, um dos temas mais sensíveis para o eleitorado, serviu, de um lado, para reunir novamente a direita em torno de um discurso único, até então ofuscado pelas ações de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos e pela condenação de Bolsonaro. De outro, interrompeu a maré de notícias positivas para o Palácio do Planalto, freando o movimento de recuperação de Lula, que buscava manter o foco da agenda em soberania nacional e no mote “ricos contra pobres”, de olho na reeleição em 2026.
Os projetos apresentados no Congresso têm relação direta com a megaoperação no Rio e foram protocolados, em sua maioria, por integrantes da bancada da bala. Entre as propostas estão a tipificação do uso de drones para lançar explosivos, o aumento das penas para integrantes de organizações criminosas, a criminalização da tentativa de expulsar moradores para ocupação ilícita de residências em comunidades, a transformação do porte de armas de guerra em áreas conflagradas em crime hediondo e a criação do delito de “empreender fuga” em ações policiais.
Duas iniciativas mais amplas ainda preveem o emprego das Forças Armadas em apoio às polícias estaduais durante operações de retomada de territórios dominados por facções e milícias, incluindo ações contra o tráfico e o domínio territorial.
Entre os partidos de esquerda, PT (2), PSOL (2), PDT (4) e PCdoB (1) também apresentaram propostas numa tentativa de reagir à apropriação do tema pela direita. Uma das iniciativas assegura o direito à autópsia e o acesso de familiares à identificação do corpo em casos de mortes violentas, enquanto outra estabelece regras nacionais para o uso da força por agentes de segurança.
Também há projetos que criam o selo “Comunidade Segura”, destinado a incentivar o compartilhamento voluntário de imagens de câmeras de segurança com as autoridades após operações policiais.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) afirma que a operação transformou o Rio de Janeiro em um cenário de guerra. O parlamentar defende que projetos voltados à transparência e ao controle dessas operações são fundamentais para reduzir abusos e fortalecer a fiscalização sobre as forças de segurança. “Projetos assim são importantes.”
Em paralelo às propostas apresentadas no Congresso, o governo Lula encaminhou, na sexta-feira, 31, o Projeto de Lei Antifacção. A medida é a principal aposta do Ministério da Justiça para tentar sufocar o crime organizado e reagir tanto à megaoperação no Rio quanto à articulação dos governadores. A proposta prevê o aumento das penas para integrantes de organizações criminosas e a criação de novas ferramentas de investigação.
O movimento do governo busca reagir a críticas em uma área historicamente sensível para o PT, especialmente após a declaração de Lula, durante viagem à Malásia, de que “os usuários são responsáveis pelos traficantes que são vítimas dos usuários também”. Mesmo após a retratação, lideranças da direita intensificaram os ataques ao petista, usando a megaoperação no Rio como contraponto à política de segurança do Planalto.
Líder da oposição, o deputado Zucco (PL-RS) afirma que as novas propostas mostram que os partidos de direita estão “sozinhos” no debate sobre segurança pública, reforçando as críticas feitas por Castro após a operação. “A vítima é o policial que tombou em combate, o trabalhador que teve o ônibus incendiado. Por isso, é necessário ter esses projetos”, diz.
Enquanto parlamentares apresentam novos projetos e retomam antigas bandeiras ligadas à segurança, segue parada na Câmara a chamada PEC da Segurança, apresentada pelo governo Lula em abril e ainda em análise em uma comissão especial. A operação no Rio, porém, reacendeu o debate e acelerou a definição de um calendário para a proposta. Em acordo com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), o relator Mendonça Filho (União Brasil-PE) marcou para o dia 4 de dezembro a apresentação de seu parecer.
A ação policial também mexeu no tabuleiro político de São Paulo e levou o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP-SP), a se licenciar do cargo na gestão Tarcísio, no início de novembro, para retomar o mandato de deputado na Câmara e assumir a relatoria do projeto de lei que altera a Lei Antiterrorismo e equipara facções criminosas a organizações terroristas.
O impacto da operação também chegou ao Senado. A ofensiva no Rio teve efeito imediato e resultou na instalação da CPI do Crime Organizado, na terça-feira, 4.
Tema central nas eleições
Para o sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Geni/UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), a segurança pública sempre foi um tema politizado no Brasil, mas a polarização recente intensificou o fenômeno, o que, segundo ele, “impede a tomada de decisões baseadas em dados e evidências.” Hirata avalia que essa “sobrepolitização dificulta o aprendizado institucional sobre o que funciona ou não na área.
O sociólogo destaca que o salto no número de projetos após a operação, em regra, repete um padrão já conhecido: “episódios de grande repercussão costumam gerar uma enxurrada de soluções apresentadas no calor da comoção pública, sem planejamento de longo prazo.”
Para ele, esse tipo de reação reflete mais as pressões da opinião pública do que uma estratégia estruturada. “Seria importante ter um planejamento fixo, com medidas de curto, médio e longo prazo, e não respostas reativas que atendem mais à percepção da população do que aos problemas concretos”, completa.
A leitura é compartilhada pelo professor do IDP-SP Vinicius Alves, que vê na escalada de propostas e discursos sobre segurança um prenúncio do tom da disputa presidencial de 2026. Para Alves, o momento cria também uma “janela de oportunidade” para grupos de direita apresentarem suas propostas e contrastarem com as do governo federal, mantendo o tema em evidência até a eleição.
O professor pondera que as medidas devem servir mais como testes de força das lideranças políticas do que como políticas efetivas, e alerta: “não podemos naturalizar nem subestimar o risco ao sistema político representado por propostas de persecução criminal que extrapolem os marcos constitucionais.”
