Um ‘basta’ às montanhas de lixo
O grau de civilização de uma sociedade pode ser avaliado de várias formas. Uma delas é a sua capacidade de administrar racionalmente a produção de seus descartes. Ou seja: consumir demais, desperdiçar demais e descartar inadequadamente, é sintoma de um estágio pouco elevado de educação.
Sob vertente tal, o Brasil sequer engatinha se comparado a nações mais desenvolvidas. O município da capital paulista é um exemplo de como temos de melhorar. Há um longo percurso a enfrentar, até que atinjamos um grau civilizatório compatível com os nossos anseios de obter o verdadeiro desenvolvimento sustentável.
A população da maior cidade do Brasil produz mais de quinze mil toneladas de resíduos sólidos por dia. Essa quantidade enorme de desperdício é mal descartada. Embora a coleta seletiva atenda a todas as ruas paulistanas, não se faz o descarte correto. Bastaria uma destinação de duas frações: aquilo que é orgânico, ou que apodrece, e aquilo que poderia ser reciclado. Aliás, existe lei de logística reversa e de economia circular. Em países com cidadãos mais conscientes, não seria necessário invocar a força da lei para que todos destinassem adequadamente os seus detritos.
Aqui em São Paulo, o percentual de reciclagem é mínimo. Mais de noventa por cento dos resíduos se arremessa aos chamados “aterros sanitários”, que são montanhas compostas de muitas camadas de lixo. A produzir chorume, a atrair toda espécie de desconforto. Mas, principalmente, a ocupar áreas situadas em terrenos de proteção permanente ou ambiental, que deveriam ser ocupadas por parques, jardins, florestas, lagos, glebas de preservação permanente.
Essas montanhas de lixo não podem continuar a crescer indefinidamente. Outros países têm soluções inteligentes para os seus resíduos sólidos. Em recente viagem oficial à China, o Secretário do Verde e Meio Ambiente, Rodrigo Ashiuchi e eu visitamos várias Unidades de Recuperação Energética-UREs. São instalações moderníssimas, com design esteticamente impecável, providas de bibliotecas, brinquedotecas, restaurantes, inclusive com inspiração em pinturas de Monet. O artista Claude Monet, o maior impressionista francês (1840-1926), pintou muitos quadros com flores: lírios, íris, plantas aquáticas e é considerado mestre no ambientalismo. Tanto que o MASP realizou, recentemente uma exposição chamada “A ecologia de Monet”.
Essa pintura poética inspirou os empreendedores da URE que lembra mais um atelier de artista clássico do que uma usina de incineração de lixo. Ali não se sente qualquer odor, não se nota qualquer alteração de temperatura, nada que lembre combustão. A emissão de gases poluentes é nenhuma. E todo o lixo da China se transforma em energia. O último resíduo sem proveito se transforma em tijolo ecológico.
O Brasil possui legislação que permite a utilização dessa tecnologia. De acordo com o especialista Edsom Ortega, Secretário Executivo de Projetos Estratégicos da Prefeitura, a normativa paulista seguiu a vigente na Baviera e é muito restritiva. Tudo justifica se delibere a implementação de tal sistema na maior cidade brasileira, diante do cataclismo que hoje impera na questão da produção de lixo.
Impressionante que a China já tenha esgotado o seu estoque de resíduos. Todas as cidades que visitamos, maiores do que a capital paulista, como Pequim, Shangai e Shenzhen, dentre outras, oferecem aos visitantes a extraordinária situação de um local de “lixo zero”. Não há um papel nas ruas, nem garrafas pet, nem bitucas de cigarro. Cidades limpas, floridas, com muita água e muito verde. Se eles conseguiram, por que não nós?
Todos os beirais das avenidas e dos viadutos são providos de primavera, a nossa buganvília, floridas e bem cuidadas. É urgente que São Paulo adote essa alternativa à crescente produção de lixo. A China já não possui estoque de resíduos. Agora está a escavar antigos aterros sanitários para continuar a produzir energia.
É impressionante o que a ciência consegue realizar. Aquilo que é fruto de um excessivo consumismo, de um desperdício inconsequente e de um descarte errático, se converte em energia. E a China já é líder mundial nessa área. A URE de Shenzhen processa três mil toneladas de lixo por dia, gerando eletricidade para abastecer anualmente até cem mil residências.
Os verdadeiros amigos da natureza têm de se convencer de que amontoar infinitas camadas de lixo em aterros sanitários não condiz com a qualidade de vida necessária a uma população já flagelada pelos três vilões das emissões dos gases de efeito estufa: o transporte, a energia estacionária e os resíduos sólidos. Um “basta” às montanhas de lixo será um atestado de maturidade ecológica e um incrível ganho de saúde para milhões de paulistanos.
