Entidade suspeita de fraudes contra aposentados transferiu milhões para buffet e agência de viagens
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) é suspeita de desviar R$ 2 bilhões de aposentados entre janeiro de 2019 e março de 2024. Os cálculos são da Polícia Federal. Os investigadores miram agora os beneficiários das supostas fraudes. A PF já identificou que uma agência de viagens, uma empresa de locação de estruturas para eventos e uma empresa de buffet receberam transferências fracionadas da confederação.
As informações foram obtidas a partir de uma análise detalhada do fluxo financeiro da Contag. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) alertou a PF sobre a saída de R$ 26.457.531,95 das contas da confederação para 15 pessoas físicas e jurídicas ligadas aos setores de turismo, alimentação e eventos, além de federações estaduais vinculadas à Contag. As transferências foram fracionadas, o que levantou suspeitas.
Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura afirmou que “não praticou nenhuma irregularidade” e que denunciou ao INSS, por duas vezes, descontos indevidos e práticas abusivas contra aposentados e pensionistas rurais.
As movimentações suspeitas levaram o juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da 15.ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, a autorizar buscas na sede da Contag e nos endereços de empresas que receberam transferências da confederação. Os mandados foram cumpridos na quarta-feira, 23, na Operação Sem Desconto.
Em sua decisão, o juiz afirmou que há “indícios seguros” de que “responsáveis pela Contag, entre 2019 e 2024, realizaram (e continuam promovendo) descontos associativos indevidos de milhares de aposentados e pensionistas do INSS, ação que pode ter ocasionado enriquecimento ilícito dos envolvidos, com possível ocultação de patrimônio e de movimentações financeiras”.
Outro dado levantou suspeitas da PF. Em novembro de 2023, o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) autorizou o chamado desbloqueio em lote de descontos em pelo menos 34 mil pensões e aposentadorias em benefício da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.
A PF afirma que a decisão, que atendeu a um pedido da própria Contag, “foi tomada com base em justificativas que se mostraram infundadas e contrárias à legislação”.
Os beneficiários do INSS podem aderir a associações civis e sindicatos e autorizar descontos mensais em seus contracheques para cobrir custos de filiação. Para isso, as entidades devem estar habilitadas junto ao INSS e precisam receber autorização “prévia, pessoal e específica” de aposentados e pensionistas interessados.
Para a PF, o desconto em lote ignorou a exigência de autorização expressa dos aposentados e, nesse sentido, “não se orientou por evidências que pudessem demonstrar a real intenção do segurado quanto ao desbloqueio do benefício para desconto”.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura está na lista de entidades suspeitas de envolvimento em um mega esquema de descontos não autorizados em aposentadorias e pensões pagas pelo INSS.
As suspeitas levaram o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, a pedir demissão após ter sido afastado do cargo por ordem judicial.
O Sindicato Nacional dos Aposentados (Sindnapi), dirigido por José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é citado no inquérito. Frei Chico disse disse esperar que os policiais investiguem “toda a sacanagem que tem” no INSS. O Sindnapi informou que apoia a investigação rigorosa das denúncias para proteger os aposentados e fortalecer a credibilidade de instituições que defendem seus direitos.
Segundo a investigação, os dados dos aposentados foram obtidos junto a servidores do INSS, mediante o pagamento de propinas. As informações teriam sido cadastradas em associações suspeitas, sem o conhecimento dos aposentados, para operar os descontos indevidos nos contracheques.
COM A PALAVRA, A CONTAG
A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG) vem a público informar que não praticou nenhuma irregularidade em relação ao processamento de descontos de mensalidades associativas nos benefícios previdenciários concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Inclusive, a CONTAG denunciou ao INSS, por duas vezes, descontos indevidos e práticas abusivas contra aposentados e pensionistas rurais.
Documentos que atendem aos critérios de legalidade estabelecidos pelo INSS foram encaminhados em sua totalidade pela CONTAG à autarquia, comprovando que o desconto da mensalidade associativa foi autorizado por todos os aposenta- dos e pensionistas associados aos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais filiados ao Sistema Confederativo CONTAG.
O que levou a CONTAG a fazer pedidos ao INSS para o desbloqueio de benefícios foi a dificuldade gerada após a publicação do Decreto nº 10.410, de 30 de junho de 2020, que estabeleceu que os novos benefícios previdenciários, uma vez concedidos, ficariam bloqueados para fins de descontos de mensalidade associativa, exigindo autorização prévia e pessoal do beneficiário para fazer o desbloqueio.
Após a publicação do Decreto, o INSS não criou as ferramentas adequadas para que os benefícios fossem desbloqueados pelos aposentados e pensionistas, bem como a CONTAG passou a acumular um alto volume de autorizações sem processamento.
Na tentativa de solucionar o problema, a entidade encaminhou, inicialmente ao diretor de Benefícios do INSS, o Ofício nº 0116/2023/SPS, em 09/03/2023, relatando as dificuldades dos beneficiários rurais de fazerem o desbloqueio do benefício para o processamento dos descontos. Com este ofício, a CONTAG encaminhou uma relação dos beneficiários e os termos de autorização.
Sem resposta, encaminhou novo ofício ao INSS (Ofício nº 0618 /2023/SPS CONTAG), em 14/07/2023, agora direcionado ao presidente do INSS, relatando mais uma vez os fatos que impediam o desbloqueio dos benefícios, que à época somavam cerca de 24 mil autorizações de descontos para serem processadas. Além de todos os documentos emitidos pelos associados e exigidos pelo Acordo de Cooperação Técnica (ACT) que comprovavam a regularidade dos descontos: autorização do desconto devidamente assinada pelo beneficiário, ficha de filiação do beneficiário ao Sindicato para quem estava autorizando o desconto e cópia do documento de identidade pessoal.
Diante da omissão do INSS em dar uma resposta à CONTAG, pela terceira vez, a entidade buscou o Instituto, em 02/10/2023 (Ofício nº 0884/2023/SPS-CONTAG), quando foi informada de que o pleito seria atendido. Em 31 de outubro de 2023, a CONTAG enviou ao INSS o Ofício nº 0992/2023/SPS-CONTAG disponibilizando novamente todos os documentos exigidos pela autarquia e que comprovavam a regularidade das autorizações. Isso permitiu que fossem processados os descontos das mensalidades associativas em 34,5 mil benefícios de aposentados e pensionistas rurais, a partir de dezembro de 2023.
Importante frisar que, desde 2022, a CONTAG encaminha ao INSS documentos relatando denúncias e pedindo apoio para coibir prática abusiva contra aposentados e pensionistas rurais e contra os descontos indevidos em benefício (Ofício 0305/2022/SPS – CONTAG e Ofício nº 0810/2023/SPS-CONTAG).