Carbono Oculto: polícia liga gestora de fundos da Faria Lima a esquema do PCC no Piauí
Foi a montagem do esquema para blindar o patrimônio dos verdadeiros donos da rede de postos de combustível HD que levou os policiais do Departamento de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), da Polícia Civil do Piauí ao elo de um esquema de fraude e sonegação com a estrutura de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) investigada na Operação Carbono Oculto.

A operação feita em 2023 envolveu dois alvos das buscas feitas em São Paulo pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco): o executivo Rogério Garcia Peres e a Altinvest Gestão e Administração de Recursos de Terceiros, sediada na região da Avenida Faria Lima, da qual Peres é o gestor.
É que a rede HD, controladora de 49 postos de combustível, pertencia até então aos empresários Haran Santhiago Girão Sampaio e Danillo Coelho de Sousa.Eles transferiram 32 empresas para a empresa Pima Energia Participações Ltda, que tinha como administrador não-sócio Moisés Eduardo Soares Pereira, funcionário dos empresários.
“Ressalta-se que a Pima Energia iniciou suas atividades no dia 22 de dezembro de 2023, ou seja, apenas seis dias antes da assinatura dos contratos de compra e venda dos Postos HD, levantando a suspeita de que foi criada especificamente para formalizar a referida transação comercial”, escreveram os cinco delegados da Draco que assinaram o relatório.
Os policiais descobriram que a Pima Energia, na época do negócio, tinha como sócio único o Jersey Fundo de Investimentos em Participações Multiestratégia. Seus administradores eram Peres e Moisés Eduardo.
O fundo era controlado pela Altinvest. Após essa negociação, 14 pessoas jurídicas do esquema foram transferidas para a Mind Energy Participações, que atua como sócia de várias empresas, a maioria postos de combustível do Piauí e do Maranhão.

O único sócio da Mind é Salatiel Soido de Araújo, que também é empregado dos empresários investigados. Segundo os delegados, sua “condição socioeconômica é aparentemente incompatível com a posição de sócio-diretor da empresa”.
Enquanto faziam a blindagem do patrimônio, os acusados esbanjavam dinheiro, comprando carros de luxo, aeronaves e imóveis. Suas mulheres ostentavam em redes sociais uma rotina nababesca, com um “padrão de vida manifestamente incompatível com eventuais lucros esperados da atividade empresarial no ramo de revenda de combustíveis”.
Os policiais detectaram ainda outra estratégia para supostamente ocultar o patrimônio do grupo: vários postos de combustíveis que pertenciam à rede de Postos HD passaram a ostentar novo layout com designação ‘Diamante’.
Nesse estágio, surgiu outro personagem que ligaria o esquema dos postos de gasolina do Nordeste com o investigado na Operação Carbono Oculto – o contador Lucas Tomé de Assunção, investigado em São Paulo, trabalhava para a GGX Global Participações e para a Usina Itajobi e também para a HD, Pima e ‘Diamante’.
A Itajobi é uma usina de açúcar no interior de São Paulo, cuja propriedade foi comprada por meio do fundo Mabruk II, gerido pela administradora de fundos de investimentos Reag e cujos recursos, de acordo com os promotores do Gaeco, são de Mohamad Hussein Mourad, o ‘Primo’, principal suspeito de lavagem de dinheiro do PCC investigado na Carbono Oculto.
Mourad teve a prisão decretada e está foragido. Suspeita-se de que esteja no Líbano.

A investigação no Piauí constatou a relação das empresas do Estado com as empresas sob suspeita de venda de combustível adulterado com metanol controladas por Mourad e por Roberto Augusto Leme da Silva, o ‘Beto Louco’.
Entre elas estariam a Copape Produtos de Petróleo Ltda, a Aster Petróleo Ltda, a Duvale Distribuidora de Petróleo e Álcool Ltda, a GGX Global Participações Ltda, a G8Log Transportes Ltda, a ICE Química Comercial Ltda, a Vila Rica Participações Ltda, a Latij Participações Ltda. e a Monroy West Energy Ltda.
Só a Duvale teria emitido 504 notas fiscais eletrônicas destinadas às empresas investigadas no Piauí. Em razão disso, os promotores do Gaeco de São Paulo compartilharam com os policiais do Piauí as provas reunidas durante a investigação da Carbono Oculto – elas mostrariam a ligação do esquema montado em São Paulo com o do Nordeste.
“Conclui-se pela existência de fortes indícios que apontam que a rede de postos local está sendo utilizada na operacionalização do mesmo esquema criminoso (da Carbono Oculto) a nível regional”, concluem os delegados.
Ao ser consultada pela reportagem sobre a operação no Piauí, a Altinvest informou que repudia “qualquer tentativa de associação de seu nome ou de seus gestores a atividades ilícitas”. Alegou que atua em conformidade com as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), e que o fundo citado pelas investigações foi encerrado em 5 de maio deste ano.

Anteriormente, a Altinvest afirmara que Peres jamais operou postos de combustíveis.
“Ele apenas adquiriu da BR Distribuidora alguns imóveis para investimento nos quais funcionavam antigos postos desativados, dentro de um programa de desmobilização da BR Distribuidora que contemplou a alienação para diversos investidores de mais de 600 imóveis em nível nacional, com o objetivo de reformá-los e destiná-los para venda a operadores de postos bandeirados BR, mantendo apenas a propriedade do imóvel para recebimento de futura locação comercial, prática de investimento comum no mercado. Esses investimentos são de natureza imobiliária, não operacional, efetuados de forma lícita e devidamente declarados.”
Com base na investigação policial, a Justiça do Piauí decretou medidas cautelares contra seis investigados, proibindo-os de deixar Teresina sem autorização judicial e de manterem contato entre si. Também foram determinadas buscas em 29 endereços, a suspensão das atividades de natureza econômica de 73 empresas e o sequestro de bens e valores em até R$ 348 milhões de 71 empresas e investigados, entre eles o Jersey Fundo de Investimentos Multiestratégia.
A defesa dos demais investigados não foi encontrada. O espaço segue aberto.
