A adaptação do ordenamento jurídico às transformações sociais e seu impacto no Direito de Família
A evolução da sociedade e as constantes modificações das relações interpessoais impactam diretamente o Direito de Família e das Sucessões, exigindo dele uma permanente adequação às novas realidades sociais, a fim de garantir proteção integral aos envolvidos, especialmente quanto às suas obrigações, patrimônio e direitos existenciais. Desta forma, surge para o Direito de Família — que possui como uma de suas peculiaridades refletir as transformações sociais e culturais — o desafio de manter-se atualizado, buscando nos conflitos apresentados, resolução justa e correta para a coletividade.
O conceito de família, anteriormente entendido como um grupo de pessoas unidas por laços afetivos, biológicos, ancestrais ou legais, ganha novos contornos, influenciados pela evolução dos papéis de gênero, diversidade sexual, globalização e novas configurações familiares, reconhecidas muitas vezes após a morte, encorajando diariamente os operadores do Direito a se adaptarem às suas constantes transformações, visando a salvaguarda de direitos fundamentais, valorização e reconhecimento legal das mais variadas experiências e relacionamentos, de modo a permitir um mundo mais justo e igualitário, independentemente de gênero, vínculo ou classe social.
Assim, em claro exemplo ao acima dito e em evidente demonstração de justiça social, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 2137415 – SP, com relatoria da ministra Nancy Andrighi, admitiu a possibilidade de presunção de maternidade de mãe não biológica, de criança gerada por inseminação artificial “caseira” no curso de união estável homoafetiva, destacando o direito de filiação e as suas mais diversas consequências à luz do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Esta decisão traz à tona duas reflexões: a possibilidade de inseminação artificial “caseira”, ou seja, sem a intervenção de um laboratório e, consequentemente, a prova do estado de filho por declaração dos pais, e o reconhecimento da maternidade não biológica, com fundamento exclusivamente no afeto e no desejo de se ter um filho.
Outras recentes decisões do STJ reafirmam a necessidade de constante adaptação do ordenamento jurídico às transformações sociais no âmbito familiar e sucessório. Em julgado paradigmático, o STJ decidiu que o avô que administrou bens por décadas não deve aluguéis a herdeiros, reconhecendo a relevância do vínculo familiar e da boa-fé nas relações patrimoniais entre ascendentes e descendentes (Recurso Especial nº 2.214.957).
Ainda, o mesmo tribunal consolidou o entendimento de que o cônjuge pode responder por dívida firmada na constância do casamento, reafirmando a solidariedade patrimonial entre os consortes e a necessidade de ponderar a proteção da família com a segurança jurídica das relações de crédito (Recurso Especial nº 2.195.589).
Por fim, em notável reconhecimento da afetividade como elemento formador da parentalidade, o STJ reconheceu a filiação socioafetiva de mulher com pais já falecidos, mesmo sem manifestação formal, destacando a força do afeto como critério de filiação e sua eficácia pós-morte (Recurso Especial nº 2.227.835).
Tais decisões ilustram, de maneira inequívoca, o movimento de evolução interpretativa do Poder Judiciário, comprometido com a efetivação dos direitos da personalidade, da dignidade humana e da pluralidade das entidades familiares.
