O desastroso relatório Derrite
O relatório do Secretário Derrite, de volta ao Parlamento, entregue no histórico período de vinte minutos após ser nomeado relator, para isto se exonerando do cargo de Secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo, em plena guerra paulista contra o crime, tem contornos e problemas explosivos, de extrema gravidade, trazendo a sua proposição potencial de danos muito maiores que a chamada PEC da Bandidagem,
Em 21 de setembro o Brasil viveu dia histórico porque a sociedade se deu conta que aquilo que se propunha na chamada PEC da Blindagem ou da Bandidagem era aberração e ultrapassava todo e qualquer limite do que poderia ser aceitável pela cidadania como um todo.
A sociedade ficou indignada com o fato de ter sido aquela proposição aprovada na calada da noite, sem qualquer debate, tornando os políticos seres intocáveis. Diante do grito das ruas, a PEC foi arquivada na CCJ do Senado por 26×0 reconhecendo-se sua inconstitucionalidade.
Passados cinquenta dias do episódio e algumas poucas semanas em relação ao evento mais letal da História do Rio de Janeiro, estamos às voltas com um emaranhado de projetos no âmbito da segurança, que são apresentados de forma bastante oportunista, a onze meses das eleições de 2026.
Neste momento legislativo, o que está se pretendendo é obviamente faturar do ponto de vista eleitoral, propondo-se novas normas com as atenções voltadas para os algoritmos das redes sociais, e não, para a madura construção de uma política pública da segurança pública ou para a prevalência do interesse público. Note-se que 88% da população das comunidades aprovou a operação da qual resultaram os graves resultados letais apontados.
O tema da segurança pública é extremamente complexo e precisa ser debatido com serenidade, nunca no calor de determinados acontecimentos concretos. O ideal é que este debate comece no primeiro ano de uma legislatura, de um ciclo político de quatro anos, para que haja amadurecimento, ouvindo todos: MP, Magistratura, OAB, Defensoria Pública e a Academia nos mais diversos âmbitos científicos.
É necessário refletir de forma comedida, debater, reunir e comparar números, observar experiências que deram certo em outros países e assim procurar os melhores caminhos, e não, impor algo de forma autoritária e irrefletida a pouco meses antes das eleições para oportunisticamente e sem compromisso com o interesse público se produzir conteúdo visando postar nas redes sociais com capa de super-herói.
São inúmeros os aspectos polêmicos, mas chama especialmente a atenção o fato de propor o Deputado Federal Guilherme Derrite em seu relatório inicialmente divulgado o amesquinhamento das competências da Polícia Federal para conduzir investigações, que somente interviria a pedido do Governador do Estado, passando a ser órgão subserviente, colocando-a “de joelhos”. Logo se percebe aí que o interesse politiqueiro fala mais alto infelizmente. A Polícia Federal precisa ser preservada e fortalecida e este tipo de proposição em nada contribui para a eficiência do combate à corrupção bem como ao crime organizado.
No que diz respeito ao Ministério Público, que é titular constitucional da ação penal pública e que tem poder de investigação criminal já reconhecido pelo STF, após a longa jornada de debate após a PEC 37, o relatório inicial de Derrite afirmou que o MP intervirá quando cabível, criando dúvidas e lacunas desnecessárias, sem esclarecer quem o decidirá.
Em relação ao terrorismo, propõe-se a competência estadual, esvaziando igualmente a competência de atuação da Polícia Federal. É inusitado, já que o terrorismo é crime transnacional e precisa do mundo conectado para seu enfrentamento, sendo inconcebível este retrocesso. E observemos que as três ideias provêm do até então Secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo, que deveria ser referência nacional e internacional nos temas.
Se nos lembrarmos que no último mês de agosto tivemos histórico êxito com a Operação Carbono Oculto operando dentro do modelo atual com a Polícia Federal e o MP com pleno poder de investigação, em caso emblemático de atuação colaborativa, temos clareza sobre a relevância de preservar e de fortalecer as competências das instituições.
A operação envolveu MP estadual, federal, as Polícias, Receita Federal, Secretarias da Fazenda e Planejamento, ANP etc., cumprindo dezenas de mandados de prisão simultaneamente sem um único disparo, atingindo o coração do crime organizado e da corrução, o que multiplica o grau de perplexidade em relação a estas proposições absurdas e vexaminosas contidas no relatório Derrite.
O Prêmio Nobel de 2024 de Economia Daren Acemoglu tem como questão central de suas ideias a importância capital do fortalecimento das instituições para a preservação, progresso, evolução e riqueza das nações. No quarto relatório referente à implementação de sua Convenção Antissuborno, a OCDE alerta como um dos pontos críticos detectados no Brasil, os ataques permanentes às instituições incumbidas do controle da corrupção, especialmente o MP, com tentativas de enfraquecimento, exemplificando-se com a PEC da Vingança contra o Ministério Público.
Após reações enérgicas de diversos setores da sociedade e da Imprensa ao vexame do relatório apresentado, o parlamentar foi obrigado a recuar, já que as proposições contidas no relatório do Deputado Derrite, apresentado, repito, 20 minutos após sua designação, implicariam no amesquinhamento da Polícia Federal e do Ministério Público, que vêm na contramão de tudo que se consagrou internacionalmente como instrumentos imprescindíveis para enfrentar a corrupção e o crime organizado.
Seu potencial seria devastador e ainda mais danoso que a PEC da Blindagem, pois prejudicaria muito duas Instituições de importância capital para enfrentar o quadro de impunidade que hoje desassossega a sociedade e mina a credibilidade do sistema de justiça como um todo.
