À mulher de Cesar
Tento não entrar em temas ligados à corrupção ou fraudes. Porém, confesso que, às vezes, é difícil resistir à tentação. Foi o caso agora, quando assistia na TV a um depoimento na CPI do INSS — o famoso e recente escândalo que envolveu esquemas de descontos irregulares em aposentadorias e pensões.
A fraude, multibilionária, causou comoção nacional, pois afetou milhões de aposentados e pensionistas, a maioria idosos que vivem com apenas um salário-mínimo. Trata-se, portanto, da parcela mais vulnerável da sociedade, com pouca possibilidade de defesa e, muitas vezes, sem capacidade para entender ou recorrer para cancelar a contribuição sindical, a mensalidade, o seguro ou outras cobranças fraudulentas.
O mais absurdo é que eram justamente as associações e sindicatos — que, em tese, deveriam proteger seus filiados — que os roubavam. Uma verdadeira traição, um esquema inescrupuloso, sistêmico e institucionalizado, que movimentou bilhões ao longo dos anos. De forma sorrateira e silenciosa, os bandidos foram desviando o dinheirinho do feijão, do arroz e do remédio dos idosos Brasil afora.
Toda fraude, corrupção ou desvio deve ser devidamente apurado, julgado e exemplarmente punido. Enquanto o crime compensar, ou seja, não houver o risco real de se mofar na cadeia por este tipo de delito, não vamos atingir níveis mínimos de moralidade e civilidade.
Volto agora para o depoimento inusitado que assistia na TV. Um dos investigados, acusado de receber R$ 15 milhões através do esquema do INSS, foi depor na CPI usando um sapato — nada discreto — que ostentava a marca de uma grife francesa. Trata-se de um sapato vendido no Brasil por R$ 9.300,00. Sim, você não leu errado: R$ 9.300,00. O pisante de luxo não passou despercebido por um dos deputados da CPI, que apontou, de forma contundente, a atitude de escárnio do investigado – uma atitude que escancara a aura de impunidade que tomou conta da sociedade brasileira.
A audácia e prepotência do investigado ao desfilar com seu sapato de luxo em plena CPI do INSS nos corredores do Congresso Nacional, tem o condão de inverter o velho e bom ditado. Parece que aqui nos trópicos à mulher de César não bastaria apenas ser desonesta; seria preciso também parecer desonesta.
