Ministério das Comunicações cancela renovação da licença de rádio que faz oposição a Alcolumbre
BRASÍLIA – O Ministério das Comunicações revogou a renovação da licença de radiodifusão da Fundação Cultural e Assistencial Água Viva, sediada no Amapá. A entidade é controlada por adversários locais do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que indicou Frederico de Siqueira Filho para o comando da pasta.
Desde 2016, a emissora pleiteava a renovação da outorga, que lhe garantiria direito a operar até maio do ano que vem. O ministério passou anos sem tomar uma decisão, enquanto a rádio operava em situação precária. Em fevereiro do ano passado, a pasta finalmente renovou, mas o ato foi anulado nesta semana.

A justificativa é de que a pasta já decidiu pela cassação da licença. Essa questão, no entanto, está em disputa na Justiça Federal de Brasília, que precisa confirmar se a sanção contra a emissora seguiu princípios legais e da Constituição.
Procurado, o ministério disse que a entidade “foi flagrada diversas vezes executando programação irregular”.
Alcolumbre afirmou, por meio de nota, que não exerce qualquer participação ou influência na decisão. “A medida é de competência exclusiva do Ministério das Comunicações, que conduz o processo com base em critérios técnicos e dentro dos trâmites legais. Qualquer tentativa de associar o presidente do Senado à decisão administrativa é equivocada e sem fundamento”, diz manifestação da assessoria de Alcolumbre.
A Forte FM, como é conhecida a rádio, faz oposição a Alcolumbre e ao governador do Estado, Clécio Luis, seu aliado. O controlador da rádio é o ex-deputado federal Valdenor Guedes, derrotado por Alcolumbre na eleição para senador em 2022 e aliado de Furlan.
A emissora tinha autorização para operar somente na capital, Macapá, uma ilha de poder da oposição ao parlamentar. O prefeito da cidade, Antônio Furlan (MDB), foi reeleito em primeiro turno com 85% dos votos e frustrou as pretensões de Josiel Alcolumbre, irmão do senador, que desistiu de concorrer ainda na pré-campanha.
Conforme revelou o Estadão, o ministério já havia determinado a retirada do ar da estação em maio, quando concluiu processo administrativo para puni-la por promover “proselitismo político” e descumprir normas da outorga ao transmitir propagandas e conteúdos religiosos, em vez de programação educativa.
Mas pela legislação, a efetivação da medida depende de decisão judicial. Em setembro, a juíza Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, da 1ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, negou liminar proposta pela pasta para antecipar a derrubada da rádio e sustentou que precisava de tempo para analisar a validade da sanção à luz da Constituição.
“A veiculação de músicas, desde que inserida em contexto educativo ou cultural apropriado, pode perfeitamente integrar programação educativo-cultural. Do mesmo modo, programas de conteúdo religioso podem assumir caráter educativo quando voltados à formação moral e cívica da população, conforme previsão do próprio artigo 67 do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão”, defendeu a magistrada.
Ela também citou prejuízo que seria causado à população ao se interromper a veiculação de informações de interesse público. “A natureza do dano potencial – privação do acesso à informação e ao entretenimento – assume caráter extrapatrimonial de difícil mensuração e reparação.”
Controladores da rádio afirmam que, na prática a medida os coloca na ilegalidade e pode antecipar as consequências de uma decisão judicial que ainda não foi proferida e que poderia ser desfavorável à pasta.
Em nota, o ministério disse que, apesar da revogação, o processo de renovação continua sob análise.
“A rádio Forte FM pode continuar funcionando pois, de acordo com a legislação brasileira, a outorga continua válida, mesmo fora do prazo, enquanto não é analisado o mérito de um pedido de renovação. A emissora está nessa situação desde 2016.”
No processo em que tenta reverter a sanção, o controlador da Forte FM aponta para tentativa de censura e cita uma sentença anterior que considerou as ações do ministério contra a rádio “um entrave não apenas à livre manifestação do pensamento, mas também à veiculação de informações relevantes para a coletividade”.
Em fevereiro, ele havia conseguido autorização para manter a programação no ar até maio do ano que vem. Segundo a Coordenação de Fiscalização e Monitoramento de Serviços de Radiodifusão do Ministério das Comunicações, a Forte FM se valeu de uma licença restrita a conteúdos de cunho educativo para levar ao ar programação comercial, anúncios publicitários e “proselitismo político” em favor do prefeito.
Uma nota técnica anexada ao processo afirma que os noticiários Forte Notícias e Fala Comunidade, transmitidos diariamente das 7h às 9h e das 17h às 19h, contém “destaque ao prefeito municipal, com exaltações pessoais e realizações”, em vez de informes jornalísticos.

Para sustentar a alegação, o órgão anexou ao processo a transcrição de trecho da programação em que um locutor elogia Furlan ao divulgar a inauguração de uma ponte pelo poder público local.
O restante da grade da Forte FM abarca músicas, cultos evangélicos e um programa realizado em parceria com a Faculdade de Ciências da Amazônia, instituição privada de ensino. Nada disso, segundo o Ministério das Comunicações, se qualifica como programação educativa, definida pela pasta como “transmissão de aulas, conferências, palestras e debates”.
A juíza que analisa o caso considera que a leitura da pasta é controversa e pode ser contestada. Na decisão em que negou a cassação liminar da rádio, ela aponta ainda para a possibilidade de corrigir eventuais desvios em relação da norma em vez de retirar a programação do ar.
“A determinação de adequação progressiva da programação, com estabelecimento de metas e prazos específicos, constitui medida menos restritiva que alcança a mesma finalidade sem comprometer a continuidade do serviço e sem ferir de morte a empresa (pessoa jurídica) e pondo em risco a subsistência de seus empregados e colaboradores”, diz na decisão.
