A nova Biblioteca de Alexandria: a Fênix do saber
Após visita recente ao Egito, em outubro de 2025, compartilho reflexões sobre como a nova Biblioteca de Alexandria, no Egito, às margens do Mar Mediterrâneo, se tornou um monumento à diversidade cultural, à memória das ciências e à esperança de um mundo mais tolerante, uma vez que a destruição da sua antiga versão talvez tenha representado o maior crime contra o saber em toda a história da humanidade. Dedicamos aproximadamente três horas à visita ao suntuoso edifício, concluído em 2002, e atualmente abriga cerca de quatro milhões de livros, além de milhares de manuscritos e mapas, ao custo de 220 milhões de dólares, boa parte financiado por um consórcio de 30 países, sob iniciativa da UNESCO. No granito do frontispício da face sul, foram gravados letras e símbolos de todos os alfabetos das civilizações antigas e modernas, como um tributo à diversidade linguística e cultural.
Porém, mais do que o acervo e a suntuosidade, o soerguimento da nova Biblioteca enseja um emblemático simbolismo histórico ao literalmente ressurgir das cinzas da antiga construção, tal qual a fênix da mitologia grega, inspirada, por sua vez, na mitologia egípcia, mais especificamente na ave Bennu, (que, segundo a tradição, vivia cerca de 500 anos, construía um ninho aromático, incinerava-se e renascia das próprias cinzas). Essa crença remonta ao período faraônico e representa a alma de Amon-Rá, a divindade suprema associada ao Sol e ao seu ciclo eterno de nascer, morrer e renascer.
Alexandria, capital do Egito por quase mil anos, foi fundada por Alexandre, o Grande, em 332 a.C., durante sua campanha militar na região. O conquistador esteve pessoalmente no local e escolheu a posição estratégica da cidade, planejada como um centro militar e comercial que conectaria o Egito ao mundo helênico e protegeria o delta do Nilo. Alexandria reinou quase absoluta como o centro da cultura mundial do século III a.C. ao século IV d.C. A célebre Biblioteca de Alexandria reunia praticamente todo o saber da Antiguidade, como uma espécie de internet daquele longínquo tempo, com um acervo estimado em mais de 500 mil documentos, entre papiros e pergaminhos, fazendo jus ao seu lema ambicioso: “adquirir um exemplar de cada manuscrito existente na face da Terra”.
A Biblioteca dispunha de uma enorme estrutura, com dormitórios, refeitórios, salas de aula e espaços destinados à pesquisa. Os navios que partiam do porto de Alexandria tinham a nobre missão de retornar com manuscritos produzidos por gregos, egípcios, romanos, hebreus, persas, assírios, entre outros povos. Era frequentada pelos mais eminentes sábios, poetas e matemáticos da época. Foi lá que se realizou a primeira tradução do Antigo Testamento, do hebraico para o grego. Notável foi o feito de Euclides (c. 325 – c. 265 a.C.), que, neste templo do saber, fundou a Escola de Matemática e escreveu Os Elementos, o mais reverenciado compêndio de Matemática de todos os tempos, com mais de mil edições desde o advento da imprensa (a primeira foi publicada em Veneza, em 1482), perdendo apenas para a Bíblia em número de edições.
A Biblioteca de Alexandria aproximava-se, também, do que atualmente entendemos por universidade. É oportuno, nesse sentido, o depoimento do insigne Carl B. Boyer, em A História da Matemática: “A Universidade de Alexandria evidentemente não diferia muito de instituições modernas de cultura superior. Parte dos professores provavelmente se notabilizou na pesquisa, outros eram melhores como administradores e outros ainda eram conhecidos pela capacidade de ensinar.”
O ocaso da Biblioteca foi causado por uma combinação de fatores ao longo de séculos: incêndios, intolerância religiosa e um devastador terremoto em 365 d.C., ou seja, uma sucessão de episódios que culminaram em sua gradual extinção. Em 48 a.C., ao envolver-se no conflito entre Cleópatra e seu irmão Ptolomeu XIII, o imperador Júlio César, à frente de quatro mil legionários, incendiou a esquadra egípcia ancorada no porto de Alexandria, cujo fogo teria se alastrado e atingido parte do acervo da Biblioteca.
Mais tarde, após o imperador Teodósio decretar a proibição das religiões pagãs, o bispo Teófilo, Patriarca de Alexandria entre 385 e 412 d.C., determinou a queima de todas as seções que contrariavam a doutrina cristã. Por volta de 640 d.C., o califa Omar ordenou que todos os livros da Biblioteca fossem destruídos pelo fogo, sob o argumento de que “ou os livros contêm o que está no Alcorão e são desnecessários, ou contêm o oposto e não devemos lê-los”.
Se é inexorável a marcha do aprimoramento científico, artístico e até humano, continuamos, no entanto, convivendo com os mesmos fatores que destruíram a antiga Biblioteca: o belicismo e a intolerância religiosa. Bom seria se todos entendessem que o mundo é diverso, mas não adverso.
