14 de novembro de 2025
Politica

Insegurança pública reflete os erros e a falta de ação dos governos

A recente operação das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, que deixou um saldo de 121 mortos (4 policiais e 117 traficantes do Comando Vermelho), mais letal intervenção das forças de segurança da história, provocou intenso debate sobre violência na repressão e possíveis violações de direitos humanos, desnudou novamente uma questão que vem aflingindo a população brasileira: a realidade nua e crua da segurança pública no país.

Nas pesquisas de opinião pública realizadas nos últimos anos, essa questão aparece entre as três mais preocupantes na visão dos brasileiros. Levantamento do Ipespe em parceria com o Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresas (IREE) e a BRZ Consulting Consultoria e Projetos, mostrou que metade da população se sente insegura em seu bairro ou localidade. O problema já aparece como a segunda preocupação nacional, atrás somente da saúde. Outra pesquisa, do Genial/Quaest, de março de 2025, aponta que 70% dos brasileiros consideram a violência e a segurança problemas de âmbito nacional. Além disso, matéria veiculada pelo jornal Folha de S. Paulo em 17/10/2025 mostrou que 60% da população brasileira tem evitado sair às ruas com medo de roubo e, quem sabe, o pior: tornar-se parte das estatísticas de homicídio brutal, à luz do dia, em plenas avenidas das maiores cidades brasileiras.

Essa é talvez a face mais nefasta dos governos das últimas duas ou três décadas, período em que o Brasil vem sendo governado por presidentes que jamais reconheceram seus erros e sequer cogitaram pedir desculpas ao povo pelas políticas equivocadas, chanceladas pelos mesmos aliados de sempre. Ao lado de corrupção elevada, impunidade tolerada e um sistema educacional falido, o Brasil de hoje amarga o desonroso lugar no pódio de país com maior número de homicídios intencionais (em numeros absolutos) e com estatísticas alarmantes de roubos, furtos, feminicídios e estupros.

O Estado brasileiro, que agora joga todas as suas fichas na PEC da Segurança, foi incapaz de combater as facções criminosas – especialmente o Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV), Facçao do Norte, as maiores entre algumas outras dezenas de organizações – que expandiram exponencialmente sua presença e atividades em todo o território nacional (e países vizinhos), impondo medo e suas próprias leis, inclusive julgando quem deve viver ou morrer dentro e fora dos presídios, com “negócios” muito além do tráfico de drogas, outrora sua maior fonte de renda.

Essas organizações criminosas e as milícias aumentaram seu poder de ação e já são vizinhos de 19% a 20% da população brasileira, atingindo crescimento recorde de 5 pontos percentuais nos últimos 12 meses. A mais recente Pesquisa do Índice Global de Crime Organizado com dados de 193 paises coloca o Brasil na 14ª posicao em prevalencia do Crime Organizado, uma piora em relação a edição de 2023 onde figuravamos na 22ª posicao, tudo isso conforme reportagens publicadas ha meros dias atras (globo.com 10.11.2025). O avanco da presenca das organizacoes criminosas é flagrante, preocupante e inquestionavel.

Convivendo com a barbárie, a população se sente abandonada pelo governo federal. Há saída? Sim, mas para a elaboração de estudos e execução de planos de ação de combate ao narcoterrorismo será necessário afastar a questão ideológica ou partidária e entregar o assunto aos especialistas, garantindo-lhes os recursos legais, humanos e financeiros compatíveis com a complexidade e gravidade da situação.

Não cabem mais negligências, omissões ou transferência de responsabilidades. A realidade exige um concerto nacional envolvendo os governos das três esferas administrativas (União, estados e municípios), todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e a participação dos Ministérios Públicos federal e estaduais, além das forças de segurança. Todos são responsáveis pela gravidade da situação e têm a responsabilidade de atuar para mudar essa situação.

Para isso, é preciso conhecer dados imprescindíveis ao sucesso de qualquer política de enfrentamento ao quadro atual. Por exemplo, as fronteiras terrestres do Brasil somam 16.885 km de extensão e 66% delas estão na Amazônia brasileira. Desse total, temos 11.189 km de fronteiras com 7 países, muitos dos quais sabidamete produtores de cocaína e outras drogas e sedes dos mais importantes cartéis do tráfico internacional. A dificuldade, entretanto, não se resume às fronteiras secas. Temos outros 24.253 km de fronteiras marítimas e fluviais. As fronteiras marcadas por rios são as maiores do mundo e têm sua maior parte na Amazônia brasileira.

Há que se considerar, ainda, o enorme vazio demográfico da Amazônia, que ocupa 45,5% do território nacional, mas abriga apenas 8,6% da população brasileira. Além disso, 30% da população da região estão concentrados nas capitais de sete estados, cuja área não ultrapassa 1% da área territorial daquela parte do país. Soma-se a isso o vazio econômico, pois a região participa com pouco mais de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

O empobrecimento dos habitantes da região é gritante e não existe perspectiva de melhora, em razão da baixa densidade populacional, que se reveste de baixo número de votos e, portanto desperta quase nenhum interesse eleitoral. A renda média percapita dos 7 estados da Amazônia é 29% menor do que a média nacional e pior, quando se analisa a renda média da população interiorana, é a metade da média nacional. Tudo isso cria um ambiente favorável à cooptação da população (inclusive indígena) pelo narcotráfico e outras atividades ilegais.

Outro problema é a falência do sistema carcerário. O Brasil possui hoje uma das três maiores populações carcerárias do mundo, estimada em 850 mil pessoas, atrás apenas dos Estados Unidos e China. Em 2000, a população carcerária brasileira era quase metade da atual, ou seja, em apenas 25 anos dobramos o número de encarcerados. O país prende muito, porém recupera muito pouco. As cadeias são verdadeiros depósitos de pessoas condenadas ou à espera de julgamento, vivendo em condições desumanas, sob a responsabilidade dos governadores dos estados. O número de vagas no sistema prisional estadual é de 437 mil vagas, ou seja, o excesso hoje supera 400 mil detentos, que se amontam em celas.

É estarrecedor que os poderes ignorem o fato de o país ter de 340 a 350 mil pessoas encarcerados há anos, sem nunca terem sido julgadas. Injustiça aliada à indiferença vem destruindo pessoas, famílias e onerando o estado brasileiro. Analisando-se pelo viés econômico, cada preso no sistema penitenciário estadual, custa cerca de 2 salários-mínimos/mês. Em média, uma nova vaga em presídio estadual requer investimento da ordem de R$ 150 mil. Assim, as 400 mil vagas faltantes custariam R$ 60 bilhões, o equivalente a 0,48% do PIB Brasil, ou 1,40% das receitas tributárias anuais. E 400 mil detentos em um dos novos presídios custariam R$ 14,6 bilhões/ano, o correspondente a 0,3% das receitas tributárias do país.

Cabe analisar também os contingentes das forças de segurança. As polícias militar e civil somam 500.779 integrantes em todas as unidades da Federação. As Forças Armadas possuem efetivo de 358.814 homens e mulheres, sendo 212.217 do Exército, 80.577 da Marinha e 66.020 da Aeronáutica. A Polícia Federal soma 13.854 integrantes, dos quais apenas 2.500 delegados, com a agravante de que parte expressiva deste contingente atua junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). Temos, então, apenas cerca de 11.354 agentes e servidores especializados para atuar em 16.885 km de fronteiras terrestres e 24.253 km fronteiras fluviais e marítima. Apenas a título de ilustração, se cada delegado da Polícia Federal atuasse apenas nesse setor, teria sob sua responsabilidade nada menos do que 9,38 km de fronteira terrestre para vigiar.

É impossível para a Polícia Federal cumprir o que determina o artigo 144 da Constituição Federal, o qual preconiza que a segurança pública é dever do estado e que a PF é responsável por “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência”, além de “exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” e “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”.

A falta de recursos financeiros não pode ser aceita como desculpa porque o Brasil tem elevada carga tributária que, aumentada nos últimos meses, vem gerando recorde de arrecadação. Para efeito de comparação, a carga tributária em 2022 correspondia a 32,4% do PIB e essa participação deve fechar em 34,5% em 2025, aumento de 2,1 pontos percentuais. Esse aumento corresponde a R$ 260 bilhões/ano.

O problema é que o Brasil gasta com o funcionalismo 13,1% do PIB, ou seja, 3,3 pontos percentuais a mais do que gastam os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Excesso que corresponde a R$ 406 bilhões por ano. Outro desperdício ocorre com a corrupção, que consome de 2,5% a 3,0% do PIB, segundo estimativas, o que representa R$ 372 bilhões/ano. Somam-se, ainda, as renúncias fiscais, hoje superando 6% do PIB (apesar do limite de 2% fixado pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021), o correspondente a R$ 496 bilhões/ano. O corte de 50% nessas três despesas representaria economia de R$ 607 bilhões por ano.

É necessário cortar o supérfluo para investir nas áreas mais sensíveis, e a segurança pública está nos primeiros lugares da lista dessas prioridades. Também não colabora a banalização dos problemas atuais pelas autoridades, a ponto de se falar que roubos de pequeno porte são toleráveis e que traficantes e usuários de drogas têm responsabilidades semelhantes.

A proposta de qualificar as facções como organizações como terroristas tampouco resolve. Existem caminhos mais eficazes, como dobrar o contingente da Polícia Federal (ao custo de R$ 11 a R$ 13 bilhões/ano), construir mais 400 mil vagas no sistema prisional estadual (R$ 60 bilhões em recursos federais e R$ 14,5 milhões de custo anual de responsabilidade dos estados), além de estudar a alteração legislativa para permitir às Forças Armadas atuação contra o narcotráfico, contrabando de armas e ações terroristas (ao custo de R$ 10 bilhões para aquisição de equipamentos e R$ 5 bilhões para aumento do contingente de atuacao nas fronteiras terrestres).

Seria necessário, ainda, aperfeiçoar as ações do Estado para o estrangulamento financeiro das facções, o que pode ser feito mediante a ampliação do atual escopo de atuação do COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, aumento do seu contingente e subordinação para ter atuação técnica e independente, de forma a aprimorar o combate à lavagem de bens e capitais oriundos de práticas ilegais. Bem ao contrário do que vem sendo feito, pois o governo federal, em 2024, reduziu o orçamento do Coaf em 30%, acentuando a redução que já havia sido de 11% em relação ao orçamento de 2022. Tudo acompanhado de mudanças legislativas para o endurecimento de penas.

O cidadão brasileiro, que sustenta o Estado, precisa voltar a se sentir seguro e não mais refém da criminalidade. É preciso que o governo ponha em prática ações urgentes, firmes e concretas, antes que a situação se torne irreversível. O artigo 114 da Constituição Federal aponta o caminho.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *