15 de novembro de 2025
Politica

Partidos viram empresas que concentram poder e orçamento maior para 2026 que a soma de 8 ministérios

Os partidos políticos entrarão em 2026 com mais de R$ 6,4 bilhões à disposição, volume recorde desde 2017. Os cofres turbinados transformaram as siglas em organizações políticas de grande porte, capazes de movimentar bilhões em um patamar que supera o orçamento somado de oito ministérios do governo federal em 2025 e o valor de mercado conjunto de 27 companhias listadas na bolsa de valores brasileira.

Para especialistas ouvidos pelo Estadão, esse modelo concentra poder nas cúpulas partidárias, marcadas por baixa transparência e ampla autonomia para distribuir os recursos. O resultado, afirmam, é um sistema que acentua desigualdades entre as siglas, reduz o controle sobre o gasto do dinheiro público, limita a competitividade eleitoral e a renovação interna às vésperas de 2026.

Câmara dos Deputados, em Brasília, que tem aprovado aumento nos recursos de campanha ao longo dos anos
Câmara dos Deputados, em Brasília, que tem aprovado aumento nos recursos de campanha ao longo dos anos

Esse cenário é impulsionado pelo volume crescente de recursos públicos destinados às legendas. Em 2026, os partidos deverão manejar cerca de R$ 6,4 bilhões, somando o Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral.

O Fundo Partidário é uma verba permanente repassada anualmente pela União e financia o funcionamento cotidiano das legendas, como pagamento de pessoal, aluguel de sedes, contratos de serviços, assessoria jurídica e manutenção de diretórios. No próximo ano, os partidos devem receber cerca de R$ 1,3 bilhão.

Já o Fundo Eleitoral é distribuído apenas no ano da eleição e foi criado em 2017 pelo Congresso para substituir as doações de empresas às campanhas. A mudança veio após o Supremo Tribunal Federal proibir, em 2015, o financiamento empresarial, decisão tomada em meio aos escândalos revelados pela Operação Lava Jato. A projeção para 2026 é que o fundo alcance cerca de R$ 5,1 bilhões.

O orçamento combinado dos dois fundos públicos supera os recursos anuais de investimento somado de oito ministérios, como Cultura, Povos Indígenas, Mulheres, Esporte e Minas e Energia, que totalizam cerca de R$ 5,8 bilhões. O montante também é superior ao lucro líquido da B3, a operadora da bolsa de valores de São Paulo, nos últimos 12 meses, que totalizou aproximadamente R$ 4,8 bilhões, e ultrapassa a soma do valor de mercado de 27 empresas listadas na própria Bolsa em novembro, que totalizam cerca de R$ 5,5 bilhões.

Os partidos também obtêm receitas extras com o dinheiro parado em conta. Em 2024, as seis siglas que mais receberam recursos dos fundos públicos registraram mais de R$ 39,7 milhões em rendimentos de aplicações financeiras, resultado do investimento das verbas do fundo partidário no mercado – mecanismo legal e previsto na legislação, mas que amplia ainda mais os recursos sob gestão partidárias.

Para o professor de Direito Eleitoral da FGV-SP Fernando Neisser, a administração desse montante crescente de dinheiro público ocorre sem critérios técnicos definidos, o que contribui para a baixa transparência dos gastos.

“Há um direito de autonomia partidária muito forte. Isso significa que os dirigentes têm ampla liberdade para decidir para quem vai o dinheiro. É uma concentração de poder dos grupos que controlam os partidos, e que poderia ser melhor disciplinada”, diz.

O Tribunal Superior Eleitoral determina apenas que cada partido estabeleça suas próprias regras de distribuição interna do Fundo Eleitoral, aprovadas pela maioria absoluta da executiva nacional e respeitando as regras de raça e gênero.

Na prática, diz Neisser, o modelo amplia a autonomia das cúpulas, fortalecendo a concentração de poder nas presidências nacionais, tesoureiros, secretários-gerais e demais dirigentes da executiva.

Esse conflito aparece também na fiscalização do uso dos recursos. Neisser descreve um embate permanente entre o TSE e os partidos sobre até onde o tribunal pode intervir. De um lado, o TSE sustenta que, por se tratar de dinheiro público, deve exigir mais transparência sobre contratos, valores e serviços. De outro, as siglas defendem que os recursos passam a integrar sua autonomia interna, sem necessidade de licitação ou procedimentos de controle.

“Não há consenso sobre até onde o TSE pode ir, o padrão de controle ainda é uma zona cinzenta”, afirma.

Além dos problemas de transparência e governança, o desenho atual do sistema impacta diretamente a disputa eleitoral. Para o professor de Ciência Política da USP Wagner Mancuso, como o fundo é dividido de acordo com o tamanho das bancadas eleitas na última eleição, as maiores siglas, como PT, PSD, PL, União Brasil, Republicanos e MDB, partem com ampla vantagem sobre os demais partidos.

“O critério reforça o poder das legendas grandes e consolidadas, criando barreiras para que partidos menores disputem em condições equivalentes”, afirma.

Mancuso destaca ainda que essa lógica se reproduz internamente. Dentro de cada partido, os candidatos mais competitivos tendem a receber fatias maiores do fundo, mesmo quando há regras formais para a distribuição. “A discrepância permanece porque a direção partidária privilegia quem já é forte, o que dificulta a renovação e a competição real”, diz.

Para a pesquisadora e doutoranda da FGV e da Yale Law School Helena Funari, a combinação entre a autonomia das cúpulas, a falta de critérios técnicos e a ausência de regras claras para a distribuição interna dos recursos impede conhecer, de forma precisa, os efeitos do fundo público sobre a democracia interna dos partidos, inclusive sobre a capacidade de renovação das siglas.

“O MDB, por exemplo, registrou no TSE um critério que prioriza a reeleição dos atuais mandatários, o que gera um viés de perpetuação dos já eleitos em detrimento do surgimento de novas lideranças”, completa.

 

 

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