22 de novembro de 2025
Politica

Celebrar centenários

Para o historiador Eric J. Hobsbawm, (1917-2012), em “A Era dos Impérios”, os centenários foram inventados no fim do século XIX. Foi entre o centésimo aniversário da Revolução Americana (1876) e o da Revolução Francesa (1889), ambos celebrados com as exposições internacionais de praxe, que os cidadãos instruídos do mundo ocidental tomaram consciência de que o século em si, seria algo a ser lembrado como símbolo temporal.

Muita coisa mudara. A ferrovia e a navegação a vapor haviam reduzido as viagens intercontinentais ou transcontinentais a uma questão de semanas, não mais de meses. Dentro em pouco, se tornariam uma questão de dias: a conclusão da Ferrovia Transiberiana, em 1904, permitiu fazer a viagem de Paris a Vladivostok em quinze ou dezesseis dias.

O telégrafo elétrico, a transmissão de informação ao redor do mundo agora se fazia em horas. Indivíduos do mundo ocidental passaram a viajar e a se comunicar grandes distâncias com facilidade e em número crescente.

Simultaneamente, o mundo se povoava. Adveio o fenômeno do adensamento. Pode-se afirmar que aproximadamente 1,5 bilhões de humanos vivos nos anos 1880 representavam o dobro da população mundial dos anos 1780.

Os mais numerosos eram os asiáticos. Mas se em 1800 constituíam dois terços da população, em 1900 eram apenas 55%. O segundo maior grupo era o dos europeus. A população europeia era, em 1900, de 430 milhões, mais do que o dobro dos 200 milhões de 1800. Sua migração em massa foi a mais drástica mudança que sofreu a população mundial: aumentou o número dos habitantes das Américas de cerca de 30 a quase 160 milhões entre 1800 e 1900. A América do Norte sofreu um acréscimo de cerca de 7 a mais de 80 milhões de migrantes.

Se no final do século XVIII havia três vezes mais africanos do que americanos, fossem do norte, fossem latinos, no final do século XIX já havia mais americanos do que africanos.

O mundo se tornava demograficamente maior e geograficamente menor e mais global. Um planeta cada vez mais estreitamente ligado pelos laços dos deslocamentos de bens e pessoas, de capital e comunicação, de produtos materiais e de ideias. Nada obstante, era um mundo dividido e separado. Por classes, por riqueza em contraste com a pobreza, principalmente pela tecnologia. Um século após a Revolução Francesa, era evidente que os países mais pobres e atrasados eram mais facilmente vencidos e conquistados, devido à inferioridade técnica de seus armamentos.

Era uma novidade, porque as conquistas coloniais das forças europeias haviam sido bem sucedidas, não por causa de armas milagrosas, mas devido a maior agressividade, crueldade e, acima de tudo, organização disciplinada. A tecnologia substituiu o caráter. O transcendente foi superado pela máquina.

A revolução industrial, operante nos conflitos armados em meados do século, fez a balança pender ainda mais a favor do mundo avançado, graças aos explosivos potentes, às metralhadoras e ao transporte a vapor. Isso acentuava a secessão natural entre ricos e pobres.

O Primeiro Mundo, apesar das consideráveis disparidades internas, era unido pela história e por ser o portador do conjunto do desenvolvimento capitalista. O Segundo Mundo, embora imensamente maior, não era unido senão por suas relações com o primeiro. Ou seja, por sua dependência potencial ou real. Uma legião de pessoas, aqui chamadas “Segundo Mundo”, que não eram unidas por sua história, cultura, estrutura social ou instituições. Nem sequer pelo que hoje consideramos a característica mais marcante do mundo dependente: a pobreza em massa.

Os habitantes do mundo “desenvolvido” – e dos países que procuravam imitá-lo – eram adultos do sexo masculino cada vez mais ajustados ao critério mínimo da sociedade burguesa: o de indivíduos juridicamente livres e iguais. A servidão legal já não existia em lugar algum da Europa. A escravidão legal, abolida em quase todo o mundo ocidental e dominado pelo Ocidente, vivia seus derradeiros anos até em seus últimos bastiões – Brasil e Cuba – onde não sobreviveu além dos anos 1880. Só que liberdade e igualdade jurídica estavam longe de se incompatibilizar com a desigualdade real. O ideal da sociedade liberal burguesa foi sintetizado na frase irônica de Anatole France: “A lei, em sua majestática igualdade, dá a todos os homens o mesmo direito de jantar no Ritz e de dormir debaixo da ponte”. O que separava os homens no mundo “desenvolvido” era o dinheiro.

E hoje? O que diria o historiador Hobsbawn? A Inteligência Artificial aprofunda o fosso entre incluídos e excluídos e a polarização acentua e enfatiza tal separação. Todavia, continuamos a celebrar centenários.

 

 

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