Bets: O problema não é a falta de lei, é quem joga fora dela
O Brasil já dispõe de um marco regulatório consolidado para apostas de quota fixa — especialmente com as Leis nº 13.756/2018 e 14.790/2023 — que estabelecem autorização, fiscalização e instrumentos de proteção ao consumidor. Esse conjunto normativo reconhece a vulnerabilidade dos apostadores e impõe deveres claros às operadoras. Porém, normas sólidas só produzem efeitos reais se acompanhadas de fiscalização ativa e de ações destinadas a sufocar o mercado ilegal, que corrói a proteção prevista em lei.
A legislação condiciona a exploração do setor a autorizações pessoais e intransferíveis do Ministério da Fazenda, à comprovação contínua de idoneidade e ao cumprimento de normas de PLD/FT. A Secretaria de Prêmios e Apostas detalha obrigações de governança: políticas internas, controles, auditorias e canais de ouvidoria, além de monitoramento desde a abertura da conta. A Portaria SPA/MF nº 1.231/2024 traduz esses princípios em medidas práticas de jogo responsável — informação sobre riscos, ferramentas de autocontrole (limites de aposta e depósito, alertas de tempo, pausas, autoexclusão), questionários de autodiagnóstico e encaminhamentos para apoio.
As proteções específicas destinam-se a grupos hipervulneráveis, como menores de idade — impedidos de apostar por meio de ferramentas de verificação etária, reconhecimento facial e integração de dados — e pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica ou com histórico de jogo problemático, que são monitoradas por dispositivos de análise de padrões, intervenções preventivas e bloqueio de cadastro em casos diagnosticados. A regulação publicitária, complementada pela autorregulação do CONAR, limita abordagens persuasivas, protege menores e exige advertências sobre riscos. Tudo isso demonstra que o setor não é terra sem lei, existe um arcabouço normativo extenso que combina liberdade econômica com responsabilidade social.
O nó crítico, entretanto, é o mercado ilegal. Estimativas apontam que mais da metade do setor opera fora da lei, com impacto fiscal e riscos sociais significativos. Operadores ilegais não adotam controles de idade, não oferecem mecanismos de autocontrole, burlam fiscalizações e usam meios de pagamento e hospedagem fora da jurisdição. Assim, a diferença prática entre legalidade e ilegalidade é clara: apenas os autorizados estão sujeitos a obrigações de proteção. Por isso, além de aprimorar a fiscalização das empresas legalizadas — para garantir que implementem e divulguem efetivamente as ferramentas previstas —, é urgente intensificar medidas para bloquear domínios, coordenar instituições financeiras, e instituir ações administrativas e tecnológicas que inviabilizem o funcionamento das casas ilegais.
O Brasil estruturou um marco regulatório consistente para as apostas de quota fixa, sustentado por leis abrangentes, portarias detalhadas e obrigações precisas impostas às empresas autorizadas. Esse arcabouço normativo reconhece a vulnerabilidade do consumidor e estabelece instrumentos robustos de proteção. As empresas autorizadas já oferecem ferramentas reconhecidas internacionalmente e demonstram compromisso com práticas responsáveis. A diferença fundamental entre o mercado legal e o ilegal reside precisamente nisso: apenas operadores autorizados estão submetidos a esse conjunto de obrigações e apenas eles implementam medidas efetivas de proteção aos apostadores.
Por isso, o combate ao mercado ilegal emerge como uma das principais metas a serem atingidas. Não se trata apenas de questão fiscal, mas de saúde pública e proteção social. Cada apostador direcionado ao mercado ilegal é um cidadão desprotegido, exposto a práticas predatórias sem qualquer salvaguarda.
Ao mesmo tempo, é indispensável garantir fiscalização contínua e rigorosa sobre as empresas legalizadas, assegurando o cumprimento integral de suas obrigações. A existência de normas é condição necessária, mas não suficiente. Políticas preventivas precisam ser aplicadas de forma efetiva, mecanismos de verificação devem ser aperfeiçoados e a cooperação entre Estado, empresas e sociedade civil precisa se tornar permanente.
O caminho está traçado: o marco legal foi consolidado, as ferramentas estão disponíveis e o compromisso social está delineado. O desafio, agora, é fazer com que esse sistema funcione plenamente na prática — protegendo de maneira efetiva os apostadores, especialmente os mais vulneráveis, e consolidando um mercado legal, transparente e socialmente responsável, capaz de unir desenvolvimento econômico e proteção de direitos.
