Presidente do Tribunal de MS pagou R$ 894 mil em espécie, mas só sacou R$ 3,3 mil de suas contas
O hábito de usar usar dinheiro vivo para pagar despesas coloca o desembargador Sérgio Fernandes Martins, presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, sob suspeita da Polícia Federal.
Procurada pelo Estadão, a defesa do magistrado não se manifestou.
O magistrado foi afastado do cargo na Operação Ultima Ratio, deflagrada em outubro de 2024, mas dois meses depois conseguiu autorização do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), para voltar à presidência da Corte.
Na época, o ministro considerou que a defesa do desembargador comprovou que as transações questionadas foram devidamente declaradas à Receita Federal.
Em nova representação ao STF, o delegado federal Marcos André Araújo Damato, da Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros (Delecor) da PF em Mato Grosso do Sul, detalha o volume de pagamentos em espécie.
“Entendemos que as explicações apresentadas, somadas aos elementos colhidos, demonstram que se trata de dinheiro ilícito, ao que tudo indica proveniente das vendas de decisões judiciais por Sérgio Martins”, conclui o delegado.

A Polícia Federal apreendeu na casa dele uma caixa de documentos e planilhas de controle mensal de parte de suas despesas, acompanhadas de comprovantes de pagamentos, relativas ao período de outubro de 2023 a setembro de 2024.
Segundo a PF, nesse intervalo o desembargador transacionou R$ 894.338,09 em despesas planilhadas, a maioria em espécie, mas só sacou R$ 3,3 mil de suas contas.
O total é referente apenas a despesas extraordinárias e não engloba gastos de rotina, como alimentação, compras e combustível.
Os investigadores sabem que parte das despesas (R$ 192.261,07) foi paga com dinheiro vivo porque a informação consta nos próprios comprovantes apreendidos. Outra fração dos pagamentos (R$ 143.467,85) ocorreu em lotéricas ou gerou recibos físicos, o que também indica transações em espécie. Além disso, segundo a Polícia Federal, não foram identificadas transações bancárias que pudessem corresponder aos valores e datas descritas nos comprovantes.
A PF identificou ainda pagamentos de despesas do desembargador (R$ 96.153,40) por servidores no Tribunal de Justiça com dinheiro de espécie ou recursos de suas contas pessoais.
“Torna-se pertinente citar que, frente aos dados bancários disponíveis, obtidos através do afastamento de sigilo bancário, as remessas de valores oriundas de Sérgio Martins e destinadas aos servidores do TJMS não suportam os montantes por eles despendidos. Ou seja, em regra, os servidores desembolsaram valores muito maiores do que os repassados pelo Desembargador para cada um deles”, destaca a PF.
Parte dos pagamentos ocorreu no terminal bancário que fica dentro do Tribunal de Justiça, o que segundo a Polícia Federal indica que “tais numerários estariam em posse do desembargador em seu gabinete”.

Ao ser questionado pela PF sobre a origem do dinheiro usado para cobrir as despesas, o magistrado afirmou que elas são custeadas com sua remuneração e com o doações em espécie que recebe do pai.
A explicação não convenceu os investigadores. Para a Polícia Federal, “não há sentido em receber centenas de milhares de reais de seu pai e não depositar o dinheiro em banco, e fazer com que seus assessores percam tempo comparecendo dezenas de vezes a bancos e lotéricas para realizar pagamentos e depósitos”.
“Além disso, não explica a origem de dinheiro em espécie em poder de seu pai, que é desembargador aposentado. Caso tal versão fosse verdade, o pai do declarante estaria criando um problema para ele, entregando centenas de milhares de reais de dinheiro em espécie, gerando suspeitas contra seu filho sobre a licitude da origem do dinheiro.”