Cumpre não esquecer
Entidade desmemoriada, a humanidade logo se esquece daqueles que partiram. O Papa Francisco, pontífice ecológico, foi um divisor de águas na doutrina católica sobre o meio ambiente. Revigorou os ensinamentos do Poverello de Assis, cujo nome foi uma evidência de sua opção pela natureza como um contexto do qual o ser humano é parte indissolúvel. Consolidou a concepção de religião e natureza em convívio harmônico, sem qualquer antagonismo. Prova disso a Encíclica “Laudato Si”, hoje a celebrar dez anos, assim como o frustrado Acordo de Paris.
Na “tática das homenagens”, praxe humana para incensar a autoridade de plantão, já pouco se fala em Francisco. Mas cumpre não esquecer o seu legado. Foi imenso e relevante. Ao menos doze pontos merecem atenta reflexão. E, mais do que isso, adoção para a rotina, para a vida concreta que não se mantém com discursos, mas com obras efetivas.
São eles:
- Opção preferencial pelos pobres, por uma economia que faça viver. Francisco baniu a “economia da exclusão” e a idolatria pelo dinheiro. Queria uma economia organizada em função do bem comum, não do lucro de poucos, em detrimento de muitos. Economia a serviço do desenvolvimento humano de todas as pessoas e do florescimento da vida.
- cuidado com a Casa Comum. Preservar o meio ambiente. A exemplo de Francisco de Assis, via em toda a criação um sinal do amor de Deus. Lembrava que ela nos foi dada para que a conservássemos e usássemos com sabedoria. Sem o direito de destruí-la por ganância. Cuidar do planeta é inseparável do cuidado com os mais necessitados. Comprometeu-se com a luta pela redução da emissão dos gases causadores das mudanças climáticas.
- Diálogo rumo à cultura do encontro. O diálogo é o caminho para superar polarizações e construir pontes entre diferentes culturas, religiões e povos. Não se deve contentar com pactos formais, mas propiciar verdadeiros encontros humanos, nos quais as pessoas se descobrissem irmãos, apesar das suas diferenças.
- Fraternidade e solidariedade para a construção da paz. O mundo precisa ser mais fraterno, um lugar de paz, em que não haja guerra nem conflitos. Banir o armamentismo, indústria poderosa e dispendiosa, que leva trilhões, enquanto milhões passam fome e miséria. A paz nasce do respeito à dignidade humana, da Justiça Social e da solidariedade entre os povos.
- Dignidade da pessoa humana, com atenção especial aos mais necessitados e aos direitos humanos. O reconhecimento da dignidade intrínseca a toda pessoa, manifesta-se na prática dos direitos humanos. Devem ser reconhecidos como valor acima de qualquer interesse, ainda que coletivo, político e econômico.
- Defesa da vida, cuidado com os doentes e idosos. A vida é o primeiro valor a ser reconhecido e respeitado em todas as suas etapas. Desde o nascituro, até o idoso. Francisco pregava, particularmente, o valor dos enfermos e dos idosos. Condenava o abandono e propunha uma sociedade que cuide zelosamente dos mais frágeis, mais que com respeito, mas com verdadeiro amor.
- Acolhida aos migrantes e refugiados. A fraternidade e o reconhecimento da dignidade de cada pessoa levam à acolhida, proteção, promoção e integração de migrantes e refugiados. Na contramão dos nacionalismos fechados, o Papa lembra que a acolhida ao estrangeiro era central no Antigo Testamento. A própria Sagrada Família foi refugiada no Egito.
- Superação da cultura do descarte. O individualismo exacerbado, um pragmatismo egoísta e autocentrado gerou a cultura do descarte. Ela elimina as pessoas consideradas “inúteis”. Contamina o meio ambiente por causa do consumismo. Uma forma de vida mais austera é urgência muito nítida.
- Acolhida às minorias e valorização da mulher. Acolhida aos homossexuais, às famílias em situação considerada irregular, tudo é dever maior de caridade cristã. A mulher tem de ser encarada como valor, na tradição cristã das santas mulheres e da Virgem Maria.
- Defesa da família. Núcleo fundamental da sociedade, merece respeito e orientação, acolhida e apoio, principalmente àquelas em dificuldade.
- Escuta e valorização dos jovens, responsabilidade para com as gerações futuras. A juventude amava Francisco e era por ele amada. Francisco sempre a exortou a edificar um mundo melhor, com amor ao semelhante e ao planeta. Responsabilidade em deixar a Terra em condições para as futuras gerações.
- Uso responsável da tecnologia e da IA – Inteligência Artificial. Até o último instante, levou a Igreja a emitir as mais lúcidas, sensatas e propositivas considerações sobre o uso das novas tecnologias e da IA. Reconheceu seus méritos e seus perigos. Apontou caminho seguro a seguir: íntegro respeito à dignidade de todas as pessoas e o serviço ao desenvolvimento humano integral.
Esta uma tábua com doze mandamentos que, observados, conduzirão a humanidade a um novo estágio civilizatório, reacendendo a esperança de um futuro mais promissor.
