21 de novembro de 2025
Politica

Indicação de Jorge Messias por Lula reforça padrão de elite que domina o STF há mais de 30 anos

Com a indicação de Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforça o padrão histórico de quem chega à Corte: uma elite jurídica e social restrita, formada majoritariamente por homens vindos de famílias de prestígio e posições de poder, concentrados em poucos Estados e formados em um pequeno círculo de faculdades de elite.

O perfil dos 39 ministros nomeados desde 1988 permanece praticamente o mesmo, mantendo o Supremo como um espaço de poder homogêneo e distante da realidade social do País, conforme apontam juristas ouvidos pelo Estadão.

Mesmo ao longo de diferentes governos, inclusive os de Lula, essa lógica resistiu a mudanças. Desde 2003, o petista já nomeou 10 ministros, mas apenas uma mulher, Cármen Lúcia, e um homem negro, Joaquim Barbosa, chegaram ao cargo.

Agora, com a escolha do advogado-geral da União, Jorge Messias, para a vaga de Luís Roberto Barroso, Lula faz sua 11ª nomeação ao Supremo. A indicação confirma a tendência do presidente de privilegiar nomes de confiança e manter o perfil homogêneo da Corte, mesmo sob pressão por uma escolha mais plural.

A escolha de Jorge Messias confirma a tendência do presidente Lula de privilegiar nomes de confiança e manter o perfil homogêneo do STF, mesmo sob pressão por uma indicação mais plural
A escolha de Jorge Messias confirma a tendência do presidente Lula de privilegiar nomes de confiança e manter o perfil homogêneo do STF, mesmo sob pressão por uma indicação mais plural

Mais do que uma disputa por nomes, a escolha expõe a persistência de um perfil histórico que atravessa décadas e ajuda a explicar por que o Supremo segue sendo um espaço pouco diverso. Esse retrato é detalhado em um mapeamento coordenado pelo professor Fernando Fontainha, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UERJ, que analisou a origem familiar, a formação acadêmica e a trajetória profissional dos ministros nomeados desde a redemocratização.

Para Fontainha, a falta de diversidade no Supremo reflete um traço estrutural da sociedade brasileira, em que as elites de diferentes segmentos são recrutadas dentro de um espectro social reduzido. “Qualquer espaço da elite no País recruta num espectro muito pequeno”, afirma.

O levantamento histórico mostra que, desde 1829, os pais dos ministros se distribuem majoritariamente entre carreiras de elite do Estado, como militares, magistrados, políticos e grandes proprietários, que, somadas, representam cerca de 80% dos casos. Quase metade pertence ao chamado estrato alto da sociedade, formado por núcleos familiares associadas a essas profissões de prestígio e posições de poder.

A redemocratização não rompeu esse padrão. A partir de 1988, a maior parte dos ministros continuou vindo de famílias ligadas ao direito ou à política. Trajetórias de origem popular seguem como exceção, como as de Sydney Sanches, filho de ferroviário, e Joaquim Barbosa, filho de pedreiro.

Trajetórias de origem popular seguem como exceção no STF, como as de Sydney Sanches, filho de ferroviário, e Joaquim Barbosa (foto), filho de pedreiro.
Trajetórias de origem popular seguem como exceção no STF, como as de Sydney Sanches, filho de ferroviário, e Joaquim Barbosa (foto), filho de pedreiro.

O mesmo traço está presente na formação acadêmica dos ministros. Desde a transição democrática, mais de 80% se graduaram em faculdades localizadas nas regiões Sudeste e Sul, concentradas em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A região Norte, assim como 19 outras unidades da federação, jamais formou um ministro.

Essa concentração também aparece no local de nascimento: quase 70% dos ministros são naturais desses quatro Estados, o que reforça o predomínio regional que marca a composição da Corte, conforme explica o professor Luiz Gomes Esteves, do Insper. “O STF, de fato, não reflete o Brasil e não satisfaz os critérios regionais de representatividade”, afirma.

Além do recorte geográfico, Luiz Gomes destaca que o Supremo também não reflete a pluralidade de gênero e raça do País. Dos 39 ministros nomeados desde 1988, apenas três foram mulheres e um, negro, o que, em sua avaliação, evidencia o quanto o tribunal permanece distante da realidade social brasileira.

Esse histórico de homogeneidade ajuda a explicar a reação à nova indicação de Lula. A escolha de Messias ocorre sob críticas de entidades civis e do meio jurídico, que cobravam uma nomeação mais plural. Apesar dessa pressão, o presidente adotou critérios de escolha diferentes dos de seus primeiros mandatos.

Como explica a professora Ana Laura Barbosa, da ESPM, a principal diferença não está nas trajetórias, mas nas conexões que levam à nomeação. Entre os 39 ministros nomeados nas últimas três décadas, 24 já haviam ocupado cargos federais em Brasília antes da indicação – o que revela que o acesso ao topo do Judiciário passa por redes de poder e confiança política.

“Naquele momento, eram nomes mais técnicos, e o peso da indicação ainda era grande. Transitavam entre espectros ideológicos distintos e poderiam ser indicados por governos de esquerda ou de direita”, diz Ana Laura, ao destacar exemplos como Cezar Peluso e Ayres Britto, que foram apadrinhados pelo então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos durante o primeiro mandato de Lula.

Hoje, porém, esse tipo de intermediação deu lugar à relação direta com o chefe do Executivo, em que a confiança pessoal pesa mais que o prestígio técnico.O movimento se confirma nas nomeações de Flávio Dino e Cristiano Zanin, e agora com a chegada de Messias – todos marcados pela ligação direta com o presidente.

Para os especialistas, essa mudança reflete um aprendizado político após decisões do Supremo que atingiram duramente o PT em julgamentos como o Mensalão e a Lava Jato. Em ambos os casos, ministros nomeados por governos petistas votaram pela condenação de aliados.

O resultado foi a adoção de um critério mais cauteloso, que aproxima ainda mais lealdade política e perfil de elite, privilegiando nomes próximos e de confiança, como Messias.

Essa escolha, avalia o professor Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), reforça a continuidade do padrão de recrutamento das elites jurídicas no topo do Judiciário. Formado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e doutor pela Universidade de Brasília, Messias fez carreira em cargos técnicos do Executivo e ganhou projeção política ao assumir a AGU no atual governo.

Embora venha de fora do eixo Sudeste-Sul, sua ascensão pela burocracia federal o insere no mesmo circuito de prestígio e influência que há décadas define a composição do Supremo. “De origem social mais próxima da classe trabalhadora, ele seguiu uma trajetória alinhada ao perfil dos últimos indicados ao tribunal”, afirma Oliveira.

Essa lógica de escolha, no entanto, vai na contramão da necessidade de ampliar a composição da Corte e torná-la mais diversa. Para Ana Laura, a importância de um tribunal plural vai além da representatividade simbólica: a diversidade impacta diretamente a legitimidade do Supremo, já que a sociedade tende a reconhecer mais autoridade em instituições que reflitam sua própria composição. “Quando o público se vê representado, cresce a confiança nas decisões e o prestígio da Corte”, diz.

A professora Juliana Cesário Alvim, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reforça que a diversidade também está ligada à qualidade das decisões. Um tribunal formado por perfis distintos, avalia, é capaz de ampliar o horizonte do debate e reduzir vieses internos, tornando as deliberações mais ricas e equilibradas. “Diferentes perspectivas e olhares contribuem para diversificar e democratizar a fundamentação das decisões”, afirma.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *