21 de novembro de 2025
Politica

Bandido agradeceu ao chefe por ser ‘escalado’ para matar Ruy Ferraz; PCC montou 4 bases para o crime

Tudo começou em 25 de março de 2025. Foi nessa data que a Sintonia restrita do Primeiro Comando da Capital (PCC) começou a reunir a equipa que ia executar o ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes. Quatro bases foram montadas pelos criminosos para a operação, uma vingança em razão da atuação do policial no combate ao crime organizado.

Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado-geral de São Paulo, foi assassinado na Praia Grande, no litoral sul, no dia 15: bandido agradeceu ter sido escalado para o crime
Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado-geral de São Paulo, foi assassinado na Praia Grande, no litoral sul, no dia 15: bandido agradeceu ter sido escalado para o crime

De lá até a execução do crime, no dia 15 de setembro de 2025, por volta das 18h16, no cruzamento da Rua Arnaldo Vituli com a Rua 1º de Janeiro, Nova Mirim, Praia Grande, os bandidos reuniram armas, recrutaram ajudantes, planejaram a fuga para a o Paraguai, para onde deviam ir após assassinar o delegado. Os detalhes estão na denúncia apresentada pelos promotores do Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) ao que o Estadão teve acesso.

Os promotores lembraram na denúncia os 40 anos de trabalho de Ruy na Polícia Civil. “Em 2006, esteve à frente do indiciamento de toda cúpula do PCC, incluindo Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola”, afirmou a denúncia. Em 2019, ele se tornou delegado-geral.

Logo em seguida, os promotores deixam claro a motivação do crime: vingança. “Pois bem. Em razão da firme atuação do ofendido contra o PCC, ao menos desde o ano de 2019, a ‘Sintonia Geral’, formada pelo alto escalão da citada organização criminosa, determinou a morte do doutor Ruy Ferraz Fontes, a ser executada por seus faccionados.”

O delegado Ruy Ferraz, na época em que trabalhava no Deic e indiciou toda a cúpula do PCC em 2006: crime cometido por vingança
O delegado Ruy Ferraz, na época em que trabalhava no Deic e indiciou toda a cúpula do PCC em 2006: crime cometido por vingança

De acordo com a denúncia, uma vez emitida a ordem, ela foi assumida pelos acusados. Ao todo oito deles são citados: Felipe Avelino da Silva, Flávio Henrique Ferreira de Souza, Luiz Antônio Rodrigues Miranda, Willian Silva Marques, Paulo Henrique Caetano de Sales, Christiano Alves da Silva, Marcos Augusto Rodrigues Cardoso, “além de outros indivíduos ainda não identificados” e Dahesly Oliveira Pires, que foi denunciada apenas por transportar armas do grupo. O Estadão não conseguiu contato com a defesa dos acusados. O espaço permanece aberto.

Marcos Augusto foi recrutador da equipe. Preso anteriormente por furto, receptação de objetos roubados, porte de arma e tráfico de drogas, ele é apontado como o disciplina do bairro do Grajaú, na zona sul de São Paulo, “o que lhe confere considerável ascendência na organização”.

Em conversas entre Marcos Augusto e Umberto Alberto Gomes, extraídas do aparelho celular deste, ambos demonstram preocupação quanto aos rumos da investigação do assassinato de Ruy Ferraz. E planejam suas fugas para o exterior com o auxílio de membros do PCC do Paraguai. Umberto foi morto em troca de tiros com a polícia em 30 de setembro, em São José dos Pinhais, no Paraná.

‘Obrigado pela confiança’

A conversa entre os bandidos: Umberto agradece ter sido 4escalado para o crime e o chefe responde que sabia que podia confiar nele
A conversa entre os bandidos: Umberto agradece ter sido 4escalado para o crime e o chefe responde que sabia que podia confiar nele

Em outra conversa, Umberto agradece a Marco por ter sido escalado para matar Ruy Ferraz. “Obrigado pela confiança que você teve em mim quando me colocou para jogar bola do seu lado”, escreveu o bandido. Marcos Augusto respondeu: “Eu não tinha dúvida alguma da sua capacidade, quando eu vi você naquele vídeo que você me mostrou., eu falei: ‘tem que ser esse’ kkkk”.

Segundos o promotores, houve um extenso planejamento logístico a partir de 25 de março, com vigilância, construção de uma cadeia logística, com imóveis e veículos de apoio, bem como com a obtenção de diversos armamentos e acessórios. Umberto teria determinado a Felipe Avelino que furtasse um carro de grande porte e o escondesse por um tempo.

O furto do Jeep Renegade em 25 de março marcou assim a primeira ação do grupo no planejamento para matar o delegado. Quarenta cinco dias antes do crime, Felipe levou o veículo até Mongaguá, escondendo-o em um imóvel na Rua Marcílio dos Santos. Nesse carro, apreendido pela Polícia Civil, foram encontradas as digitais de Felipe e de outro acusado: Flávio Henrique, que está foragido.

Luiz Antonio pegou ao menos um fuzil enrolado em uma coberta e apanhou um carro de aplicativo para ir á Baixada santista no dia do crime
Luiz Antonio pegou ao menos um fuzil enrolado em uma coberta e apanhou um carro de aplicativo para ir á Baixada santista no dia do crime

O grupo ainda obteve dois outros carros para usar na emboscada. O primeiro foi uma Toyota Hilux, furtada em 29 de julho de 2025, em São Paulo. E o segundo foi um Logan. Além dos carros, os bandidos estabeleceram bases de apoio em dois imóveis na Praia Grande, um em Mongaguá e outro em Itanhaém.

Foi por participar da construção dessa rede que a promotoria acusou William Silva, responsável pelo imóvel da Rua Campos do Jordão. Ele desligou as câmeras de segurança do imóvel e entregou as chaves do lugar para outro acusado – Luiz Antonio – em 14 de setembro para que o local fosse usado pelo grupo como esconderijo para as armas e acessórios.

O mesmo caso teria acontecido com outro acusado: Cristiano Alves, responsável pela casa de Mongaguá, cedida no dia 11 de setembro para os bandidos a fim de que fosse usada como ponto de apoio logístico para a emboscada – foi ali que foi escondido o Jeep Renegade.

O terceiro acusado de compor a rede logística do crime foi Paulo Henrique, que seria responsável pela cessão da casa da Rua Mário Osvaldo da Silva, em Praia Grande. “A cessão se deu meses antes do crime especificamente a Umberto Alberto, um dos organizadores e executores dos homicídios, tendo sido o imóvel ponto de encontro dos criminosos e local de armazenamento de armas de fogo”, escreveram os promotores. Ali foram achadas as digitais de Umberto.

Hilux com os bandidos aguarda o delegado Ruy Ferraz sair da Prefeitura de praia Grande no dia do crime
Hilux com os bandidos aguarda o delegado Ruy Ferraz sair da Prefeitura de praia Grande no dia do crime

Entre julho e agosto, o grupo adquiriu na internet toucas ninja que foram usadas no crime e fizeram reconhecimentos, acompanhando a rotina do delegado. Na manhã dia dia 15 de setembro, Luiz Antonio saiu de São Paulo e foi à Baixada Santista. Para tanto, contratou um motorista de aplicativo. Ele carregava um fuzil e foi até a casa da Rua Mário Osvaldo da Silva. Logo depois de ele chegar, deixaram o imóvel dois veículos: uma Montana e o Logan, que seria usado na execução do crime.

Outros dois acusados estavam por ali: Felipe Avelino e Paulo Henrique. Foi por volta das 18h02, que ao menos quatro dos assassinos, fortemente armados e a bordo da Toyota Hilux roubada pelo grupo, posicionou-se na Rua Arnaldo Vitulli, na Praia Grande. Às 18h11, as câmeras da região mostram quando um dos acusados estacina o Logan perto da esquina das Ruas Gilberto Borba Colletes Alves e José Borges Neto, de onde tinha plena visão da saída do estacionamento utilizado pelo delegado na Prefeitura de Praia Grande.

Cinco minutos depois, o delegado aposentado Ruy Ferraz deixou o estacionamento da prefeitura, onde trabalhava em seu Argo. Ele percorre alguns metros da Rua José Borges Neto e vira à esquerda na Rua Arnaldo Vitulli, quando já é perseguido pelo ocupante do Renault Logan.

Fuzil que teria sido usado no crime pelos bandidos que mataram Ruy Ferraz, ex-delegado-geral
Fuzil que teria sido usado no crime pelos bandidos que mataram Ruy Ferraz, ex-delegado-geral

É o criminoso no Logan que avisa os comparsas que estavam na Hilux, que disparam no carro de Ruy Ferraz, quando ele passa pela picape. Duas pessoas que passavam por ali –Samantha Gonçalves Carvalho e Gustavo Henrique Gonçalves de Almeida – foram atingidas nas pernas por balas perdidas perto do cruzamento da Rua Arnaldo Vitulli com a Rua 1º de Janeiro. “Somente não morreram porque foram atingidas em regiões não vitais e prontamente atendidas”, dizem os promotores.

Logo em seguida, o delegado perdeu o controle do carro e o após colidir com um ônibus na Avenida Doutor Roberto de Almeida Vinhas. Os bandidos desceram da Hilux e o executaram com tiros de fuzil. Após o crime, os executores foram para a casa da Rua Gilberto Lopes, onde mais um integrante do grupo os aguardava com o Jeep Renegade.

Foi ali que aconteceu o primeiro descuido dos bandidos. “Ocorre que, momentos antes da chegada dos executores, o criminoso a bordo do automóvel Jeep/Renegade sai do veículo e houve o trancamento automático das portas, sendo que a chave havia ficado em seu interior”, relataram os promotores.

Após breve tentativa de abrir o Jeep, os criminosos decidiram abandoná-lo no lugar e todos deixaram o local embarcados novamente na Hilux e no Logan. Parte do armamento foi deixado na casa da Rua Campos do Jordão, junto com botas táticas.

A fuga dos bandidos após o crime: na primeira imagem, o Logan usado pela quadrilha, e na segundo, o Renegade abandono pelo grupo
A fuga dos bandidos após o crime: na primeira imagem, o Logan usado pela quadrilha, e na segundo, o Renegade abandono pelo grupo

Na manhã seguinte. Luiz Antônio pediu a Dahesly Oliveira Pires que viesse até a Praia Grande para apanhar o fuzil e levá-lo até Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo. Em razão disso, ela teve uma dívida de R$ 5 mil perdoada com a facção e ainda recebeu R$ 430 pelo serviço.

Para os promotores, tratou-se de um crime executado por motivo torpe, com emprego de meio que resultou perigo comum, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima e com emprego de arma de fogo de uso restrito. Dos acusados denunciados, cinco estão presos, dois foragidos – Flávio Henrique e Luiz Antonio – e Dahesly responde em liberdade pelo transporte ilegal de arma. Além do homicídio qualificado, os outros sete denunciados são acusados de organização criminosa.

Para o Gaeco ainda existe a possibilidade de o assassinato de Ruy Ferraz fazer parte de um plano maior da cúpula do PCC, que envolveria ainda o assassinato do promotor Lincoln Gakiya e o diretor de presídios Roberto Medina, plano que só não foi adiante porque a polícia prendeu os executores durante o planejamento das emboscadas e desbaratou o bando em uma operação realizada em 25 de outubro.

 

 

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