STF e a crise do pluralismo: o que revelam as atuais nomeações
O padrão das nomeações para tribunais superiores produz uma sensação de renovação, mas a composição resultante segue marcada por forte homogeneidade. A pluralidade que caracteriza a sociedade brasileira — em gênero, raça, trajetória regional, pessoas com deficiência e diversidade sexual — permanece distante das cadeiras ocupadas na mais alta Corte. Não faltam profissionais qualificados nesses grupos; falta, sim, que esse pluralismo seja considerado como valor institucional.
Esse distanciamento fica ainda mais evidente quando se observam dados objetivos: ao longo de décadas, a presença feminina e a participação de pessoas negras foram residuais, e a representação de pessoas com deficiência ou de identidades de gênero e orientação sexual diversas simplesmente nunca se materializou. Para um tribunal responsável por interpretar a Constituição, é problemático que a composição permaneça tão distante da diversidade do país que ela serve.
A indicação anunciada no Dia da Consciência Negra, data que simboliza a reflexão nacional sobre desigualdades estruturais, evidenciou esse contraste. O gesto político de nomeação, em um momento de profunda carga simbólica, reforçou a percepção de que o pluralismo não tem sido um critério efetivo de escolha — algo que preocupa a sociedade e afeta a legitimidade institucional do Supremo.
Quando se abriu a primeira vaga para indicação da atual gestão, havia a chance de transformar em prática o compromisso com a diversidade simbolizado na posse presidencial, marcada por representantes de grupos historicamente marginalizados. Ainda assim, optou-se por um perfil ligado ao presidente, com elevada projeção pública em processos de grande repercussão, mas escolhido por sua evidente proximidade pessoal com o chefe do Executivo.
Foi, porém, na indicação seguinte que o presidente alterou de forma mais significativa a composição do STF, não no sentido esperado por quem defende a pluralidade. Com essa nomeação, o número de cadeiras ocupadas por mulheres reduziu de duas para uma cadeira no colegiado, acentuando um desequilíbrio que contrasta com o discurso de inclusão do início do governo.
Agora, com a última indicação, fica evidente que o conjunto das três escolhas realizadas até aqui consolida um padrão de nomeações que privilegia vínculos pessoais e políticos, sem ampliar a pluralidade necessária à composição da Corte. Já não parece se tratar de decisões isoladas: confirma-se que a proximidade com o Executivo pesa de forma decisiva, ao mesmo tempo em que a diversidade permanece fora do centro do processo de escolha.
Torna-se indispensável estabelecer critérios objetivos que promovam, de forma equânime, a pluralidade necessária à representação de julgadores que deliberam sobre a diversidade real da sociedade brasileira. A ausência de regras modernas mantém um processo de escolha marcado por relações políticas e por um padrão que pouco dialoga com a busca por legitimidade democrática.
Num cenário em que o Poder Judiciário exerce papel cada vez mais central na vida nacional, o momento era ideal para fortalecer sua imagem institucional, valorizar trajetórias reconhecidas pela comunidade jurídica e ampliar a diversidade — de gênero, de raça, de região e de inclusão de pessoas com deficiência. Sem isso, permanece a questão: a sociedade e a própria magistratura se sentem representadas quando o critério político sobrepõe o jurídico?
É urgente repensar o modelo de nomeação de ministros ao Supremo. A aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição que incorpore critérios transparentes, sabatinas substanciais, quarentena para trajetórias político-partidárias e mecanismos de promoção da diversidade é essencial para resguardar a imparcialidade que sustenta a magistratura. Medidas assim não engessam o sistema: fortalecem o Judiciário, preservam sua credibilidade e aproximam o Supremo da pluralidade real do país — condição imprescindível para que a justiça não se distancie de seus jurisdicionados.
