O que tem na personalidade de Bolsonaro que o levou para prisão
As trajetórias e atitudes das pessoas só podem ser entendidas quando são confrontadas com as suas circunstâncias particulares, históricas, familiares ou sociais, intuiu o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, em sua obra-prima, Meditações Quixote. “Eu sou eu e minha circunstância”, escreveu, há mais de um século. Ninguém seria bom, mal, virtuoso, fraco, absolutamente – tudo dependeria do contexto em que vive. Isso valeria para qualquer um.
Neste momento vale, como nunca, para o ex-presidente e atual presidiário, Jair Bolsonaro. Sempre foi refém de uma personalidade que lhe fez chegar muito longe, mas bastou mudarem as circunstâncias, que ela o levou ao calabouço.

Se alguém pesquisar com afinco a biografia de Bolsonaro, desde os primórdios de sua vida, perceberá que sempre foi marcada por arroubos, por ações impulsivas. Sejam frases agressivas, sejam atitudes aparentemente insensatas, paranoicas, ou planos mirabolantes.
O Bolsonaro que se jogou em um pântano para salvar um colega prestes a se afogar é o mesmo que tentou explodir bombas-relógios no Rio de Janeiro ou articular um golpe de Estado no Brasil (algo que quase sempre admitiu desejar).
O estilo truculento de Bolsonaro lhe causou alegrias e dissabores. Levou-o a uma primeira prisão, quando defendeu salários mais altos para a categoria militar. O obrigou a abandonar o Exército. A ser eleito deputado várias vezes no Rio de Janeiro. Levou-o a não ser levado a sério pelos colegas parlamentares e nem pela elite da sociedade por décadas.
Bolsonaro era o integrante do baixo-clero que defendeu o fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e se gabou que a atitude o deu visibilidade. Foi autor de frases hoje irônicas como: “Não quer ir para a cadeia, é só não fazer besteira”, entre outras, que associava todo preso a uma conduta criminosa que nunca mereceria atenuantes, relativizações ou perdão.
Uma extraordinária combinação de desmoronamento da classe política nacional pelas revelações da operação Lava Jato, crise econômica e o ódio da população ao “sistema” se tornou uma circunstância finalmente favorável ao orgulhosamente grosseiro político do baixo-clero. Um período histórico no qual a sociedade queria destruir e não construir o tornou presidente da República. Foi o prêmio das circunstâncias ao eu do Bolsonaro.
Como presidente, não mudou o estilo. Os arrebatamentos contra as instituições, contra os adversários políticos, contra a imprensa, contra as minorias, continuaram. Transformou a truculência de sempre em estilo público de governo.
A questão é que se mostrou incapaz de se adaptar às novas circunstâncias. Na epidemia de Covid, manteve a postura desafiante mesmo confrontado com uma montanha de enfermos e de cadáveres. Sempre teve dificuldade de recuar. Não soube fazer política sem enfrentamento. Perdeu a eleição por muito pouco. É acusado de articular um golpe de Estado e, outra ironia, condenado por um juiz também impetuoso.
Um dos últimos momentos da trajetória conhecida de Bolsonaro também foi um arroubo. “Paranoico”, achou que sua tornozeleira eletrônica era na verdade um grampo. Sozinho, tentou adulterá-la com uma solda. Alegou alucinações por uso de medicamentos, mas, na prática, foi mais um de seus impulsos, entre tantos. Dessa vez, ofereceu as razões políticas para sua última prisão no último sábado.
Os apoiadores falarão até o fim que o martírio de Bolsonaro é pela razão de que nunca deixou de enfrentar o tal sistema. Seu filho, Eduardo, talvez com menos eficiência, tenta seguir a trajetória dos rompantes, do “sempre dobrar a aposta”. Não perceberam, talvez, que o Brasil seja outro, que a sociedade já está algo cansada do confronto aberto, que o modo de ser do ex-presidente e discípulos não é mais exitoso nas atuais circunstâncias. Que, como queiram, o sistema aprendeu a se defender de figuras como eles.
