24 de novembro de 2025
Politica

Presos por fraudes na Educação se reuniam com ex-ministro de Bolsonaro para abrir ‘ótimas portas’

O ex-ministro do Trabalho e Previdência, José Carlos Oliveira (Governo Bolsonaro), conhecido também como Ahmed Mohamad, é citado nos autos da Operação Coffee Break, que apura desvios milionários da Educação por meio de licitações de materiais didáticos em prefeituras paulistas. Segundo a Polícia Federal, Oliveira manteve contato com André Gonçalves Mariano – suposto pivô do esquema e sócio da empresa que obtinha os contratos -, e com Abdalla Fares, apontado como doleiro do esquema responsável por converter os recursos em dinheiro vivo para Mariano.

A reportagem do Estadão busca contato com Oliveira. O espaço está aberto.

Presos preventivamente no dia 12 de novembro, quando a Operação Coffee Break foi deflagrada por ordem da juíza Raquel Coelho Dal Rio Silveira, da 1.ª Vara Federal de Campinas, Mariano e Abdalla teriam combinado encontros com o ex-ministro em abril de 2023 para “abrir ótimas portas” e deixar “caminhos iniciados”, segundo diálogos coletados pela PF.

André Mariano, ao centro, enviou uma foto ao doleiro do esquema acompanhado do ex-ministro José Carlos Oliveira, à sua direita
André Mariano, ao centro, enviou uma foto ao doleiro do esquema acompanhado do ex-ministro José Carlos Oliveira, à sua direita

José Carlos havia deixado a pasta do Trabalho meses antes das reuniões, em dezembro de 2022, depois de presidir o INSS entre novembro de 2021 e março de 2022.

O ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) ganhou notoriedade por entrar na mira dos federais em outro inquérito – a Operação Sem Desconto, que apura um roubo bilionário de aposentados e pensionistas do INSS através de descontos irregulares operados por entidades associativas. Oliveira também é investigado pela CPMI do INSS, onde depôs no dia 11 de setembro.

A PF afirma que José Carlos recebeu propina de uma das associações envolvidas em descontos de aposentadorias. Segundo a investigação, ele facilitou os débitos em benefício da Conafer quando atuou como presidente do INSS e ministro do Trabalho e Previdência do governo Bolsonaro.

José Carlos Oliveira é chamado hoje de Ahmed Mohamad após conversão ao islamismo.

À mesa, em pronunciamento, ex-presidente do INSS e ex-ministro do Trabalho e Previdência, Ahmed Mohamad (José Carlos) Oliveira
À mesa, em pronunciamento, ex-presidente do INSS e ex-ministro do Trabalho e Previdência, Ahmed Mohamad (José Carlos) Oliveira

‘Cafézinho’

Em conversa interceptada pelos federais na quebra telemática de Mariano, Abdalla diz que vai encontrar ‘aquele amigo’ e que tentaria encaixar Mariano no próximo encontro com José Carlos Oliveira.

“Irmão boa noite vou me encontrar com aquele amigo no sábado”, escreveu o doleiro no dia 30 de março de 2023.

“Aí vou tentar marcar para vc vir na semana”, prosseguiu Abdalla.

“Top irmão. Tamos juntos”, respondeu Mariano.

No dia seguinte, 1º de abril, vem a confirmação do encontro entre o ex-ministro e o doleiro.

“Irmão boa tarde tudo bem? Estou com nosso amigo. Podemos tomar um café com ele na próxima quarta às 15 horas?”, indagou Abdalla, tentando aproximar o ex-ministro de Mariano.

“Podemos se encontrar em casa e vamos juntos ao escritório dele”, emendou o doleiro.

O encontro, contudo, teve que ser remarcado. Mariano alegou que não poderia comparecer pois teria que “passar numa cidade para assinar um contrato sem falta”, segundo mensagens anexadas pela PF ao relatório da Coffee Break.

A Life Tecnologia Educacional, empresa de Mariano, fechou contratos de R$ 111 milhões com as prefeituras de Sumaré, Hortolândia, Morungaba e Limeira, no interior de São Paulo, e em alguns casos vendeu livros escolares até 35 vezes mais caros do que pagou.

A Polícia Federal afirma ter encontrado indícios de pagamento de propinas a agentes públicos e a lobistas com influência política, entre eles uma ex-nora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-sócio do filho do petista, Kalil Bitar.

André Gonçalves Mariano e Kalil Bittar
André Gonçalves Mariano e Kalil Bittar

Também foram presos o vice-prefeito de Hortolândia, Cafu César, o secretário de Educação da cidade, Fernando Gomes de Moraes, e o secretário de Educação de Sumaré, José Aparecido Ribeiro Marin.Todos os citados pela Polícia Federal na Operação Coffee Break negam envolvimento com atividades ilícitas. (leia a manifestação das defesas abaixo)

‘Vai ser bom para nós’

“Pedi pra ver uma agenda na próxima semana”, insistiu Abdalla na conversa com Mariano, três dias depois.

“Ele vai vir para o Governo do Estado. Isso vai ser muito bom pra nós. Vai assumir uma secretaria”, explicou o doleiro sobre a importância do encontro.

“Opa, que excelente notícia. Só marcar. Sem dúvidas teremos um bom futuro”, respondeu Mariano, que àquela altura já havia comprado imóveis de luxo, carros esportivos e embolsado cerca de R$ 100 milhões em desvios, segundo a PF.

“Sim, vai abrir ótimas portas”, concordou o doleiro.

“Vc já sabe qual secretaria?”, perguntou Mariano.

“Ele falou que vão voltar com a secretaria do trabalho que havia sido extinta pelo Doria”, explicou Abdalla.

Diálogos anexados pela PF entre André Mariano e Abdalla Fares
Diálogos anexados pela PF entre André Mariano e Abdalla Fares

José Carlos Oliveira, entretanto, não assumiu funções no Executivo paulista na época das mensagens, em abril de 2023.

A identidade ‘do amigo’, até então desconhecida para Mariano, é revelada por Abdalla nas conversas seguintes.

“Ele foi ministro do trabalho e da previdência”, revelou o doleiro.

“Interessante”, reagiu Mariano.

“Na gestão do Bolsonaro”, completou Abdalla.

“Beleza, brother! Você sabe que estou bem empolgado com a notícia do seu amigo, tá? Eu acho que seria mais ideal, ou mais oportuno, melhor dizendo, esperar para tomarmos um café nesse momento que ele mudar de cadeira, né? Seria muito bacana. Eu acho que onde ele vai provavelmente assumir, a gente consiga ali mesmo resolver bastante coisa interessante, tá? Puxa, cara, isso daí caiu do céu, viu? Vai por mim. Depois eu te conto mais detalhes, pessoalmente. Abração, irmão!”, respondeu Mariano em áudio interceptado pela PF.

‘No caminho’

O primeiro encontro entre os operadores do esquema para fraudes em licitações e o ex-ministro do Trabalho de Bolsonaro ocorreu no dia 18 de abril de 2023.

No dia do encontro, o doleiro avisou Mariano sobre o local da reunião.

“Rua Nundiaú, Alto da Boa Vista”, enviou Abdalla por volta das 8h40.

“Eu chego lá às 10:30 e aguardo vc. Vem tranquilo”, continuou o doleiro.

Fachada do prédio que serviu de ponto de encontro entre Mariano, Fares e Oliveira, segundo a PF
Fachada do prédio que serviu de ponto de encontro entre Mariano, Fares e Oliveira, segundo a PF

Segundo a PF, houve ainda um segundo encontro entre Mariano e José Carlos Oliveira, uma semana depois, dessa vez sem a companhia do doleiro Abdalla Fares.

“Bom dia brother, ontem fui jantar com a galera do Oliveira…todos gente boa e fui muito bem recebido e integrado pelo ministro. Caminhos iniciados”, detalhou Mariano a Abdalla sobre o encontro.

“Bom dia irmão. Ele me mandou a foto. Que bom. Vamos em frente”, respondeu o doleiro.

O suposto líder do esquema que desviou milhões da Educação, segundo a PF, enviou uma foto do encontro para Abdalla. O relatório da PF não detalha o conteúdo das conversas entre o ex-ministro e André Mariano.

COM A PALAVRA, A DEFESA DE ANDRÉ MARIANO

A reportagem do Estadão pediu manifestação da defesa de André Mariano. O espaço está aberto.

COM A PALAVRA, A DEFESA DE KALIL BITAR

A defesa ainda não teve acesso aos relatórios que deram origem a esta operação.

Contudo, e de antemão, refuta o apontamento da participação do senhor Kalil Bitar em qualquer ato de “prospecção” dos negócios apontados nas matérias que trataram do tema.

A defesa técnica acresce, ainda, que o seu cliente, está à disposição da juíza da 1ª Vara Federal de Campinas para colaborar com todas as investigações, na certeza que comprovará a improcedência de quaisquer acusações, uma vez que , sem nenhuma dúvida, configuram-se improcedentes.

COM A PALAVRA, OS OUTROS CITADOS

A reportagem do Estadão busca contato com as defesas de outros citados na investigação. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com; fausto.macedo@estadao.com; felipe.paula@estadao.com; marcelo.godoy@estadao.com)

 

 

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