Perdimento de bens das facções: em defesa da manutenção da divisão entre União e Estados
A repartição do perdimento de bens entre União e Estados não é apenas um mecanismo de justiça federativa — é uma medida essencial para fortalecer o combate ao crime organizado no país. A legislação brasileira já contemplava esse modelo antes mesmo das discussões atuais. O próprio Código Penal, em seu art. 91-A, §5º, estabelece de forma expressa:
“Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal (…).”
Ou seja, a regra da divisão já era o modelo previsto pelo legislador federal. Não se trata de inovação — tampouco de privilégio —, mas de reconhecimento de que o combate ao crime organizado exige atuação integrada e repartição equilibrada de responsabilidades e resultados.
Valorização das Polícias Civis estaduais
A realidade dos fatos é que grande parte das investigações que identificam bens, rastreiam patrimônio ilícito e desmontam os fluxos financeiros das facções nasce no âmbito das Polícias Civis. Em delegacias especializadas em lavagem de dinheiro, unidades de combate ao crime organizado, departamentos de inteligência e investigações financeiras, são os policiais estaduais que realizam a primeira identificação dos ativos, promovem análises bancárias, obtêm indícios e dão origem às representações judiciais de bloqueio e de perdimento.
Ao permitir que os Estados também sejam destinatários dos bens confiscados, o sistema valoriza o trabalho dessas equipes, estimula investigações mais complexas e garante que recursos recuperados do crime voltem diretamente para o aperfeiçoamento das forças de segurança que operam na linha de frente.
Descapitalização mais eficiente das facções
O crime organizado se territorializou no Brasil. Facções que dominam áreas urbanas, exploram serviços clandestinos e movimentam economias paralelas atuam predominantemente dentro da esfera estadual. Nesse contexto, enfraquecer financeiramente essas organizações exige capilaridade investigativa, conhecimento de terreno e presença diária — características que pertencem majoritariamente às polícias estaduais.
Quando União e Estados compartilham resultados, ampliam-se a capacidade de investigação patrimonial e a velocidade da descapitalização. É justamente essa estratégia, defendida internacionalmente, que produz enfraquecimento real das facções.
Fortalecimento do Ministério Público Estadual
A divisão também reconhece o papel do Ministério Público dos Estados, que conduz investigações, oferece denúncias e atua em grupos especializados como GAECOS e unidades de repressão ao crime organizado. Quando o processo tramita na Justiça estadual, é lógico e republicano que o perdimento possa beneficiar o ente federado responsável pela persecução.
Federalismo cooperativo, não concentração
É fundamental destacar que essa repartição não reduz o protagonismo da União. Nos casos de competência da Polícia Federal, a destinação naturalmente segue para a esfera federal. Em investigações conjuntas, o compartilhamento é proporcional. O que se evita é uma concentração de todos os bens em um único ente, independentemente de quem conduziu a investigação — modelo que fragilizaria a política nacional de enfrentamento às organizações criminosas.
Manter a possibilidade de Estados e União partilharem o produto do perdimento de bens é coerente com a lei, fortalece os órgãos estaduais, estimula investigações de lavagem de dinheiro e amplia a capacidade de descapitalizar facções que corroem a economia e a segurança pública. É uma solução equilibrada, eficiente e alinhada ao princípio constitucional da cooperação federativa.
Em um momento em que o crime organizado se mostra mais sofisticado e financeiramente estruturado, reconhecer o papel decisivo das polícias e do Ministério Público dos Estados não é apenas justo — é indispensável.
