Após trama golpista, STF se prepara para julgar primeiros deputados do orçamento secreto
Após concluir a fase decisiva da trama golpista, que levou à prisão de Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) entra agora na etapa mais sensível da crise das emendas parlamentares e se prepara para julgar o primeiro caso de desvio envolvendo congressistas, uma investigação aberta durante a apuração do chamado orçamento secreto, revelado pelo Estadão. O desdobramento ocorre a menos de um ano das eleições de 2026 e inaugura uma nova frente de tensão com o Congresso Nacional.
O processo, sob relatoria de Cristiano Zanin, mira os deputados Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e o suplente de deputado Bosco Costa (PL-SE). A Procuradoria-Geral da República (PGR) acusa o grupo de cobrar propina para liberar pouco mais de R$ 6 milhões em emendas de saúde destinadas a São José de Ribamar, Maranhão. O caso veio à tona após denúncia do então prefeito da cidade, José Eudes Sampaio, em 2021, que relatou ter sido alvo de cobranças de propina pelo grupo. Os nomes dos três deputados foram antecipados em outubro do ano passado pelo Estadão.

Nesta quarta-feira, 26, as defesas apresentaram alegações finais, etapa em que os réus fazem suas últimas manifestações antes do julgamento. A fase ocorre após a PGR pedir, em novembro, a condenação dos três parlamentares por corrupção passiva e organização criminosa. Na sequência, Zanin abriu prazo de 5 dias úteis para que os demais réus que não apresentaram suas alegações finais o façam e, paralelamente, já solicitou ao presidente da Primeira Turma, Flávio Dino, datas para pautar o julgamento da ação penal.
De acordo com a PGR, mensagens obtidas pela Polícia Federal durante a investigação mostram que o grupo exigia parte dos repasses de prefeituras em troca da indicação das verbas por meio de emendas, numa espécie de “rachadinha” operacionalizada por contratos com empresas de fachada.
Na peça acusatória, a PGR afirmou que a destinação dos recursos ocorreu entre dezembro de 2019 e abril de 2020, durante o período do chamado orçamento secreto, mecanismo de baixa transparência que mantinha em sigilo o nome do parlamentar responsável pela indicação e que acabou declarado inconstitucional pelo Supremo em 2022.
Nas alegações finais, porém, as defesas dos parlamentares afirmam que não há provas de que as verbas investigadas tenham origem em emendas e sustentam que os repasses questionados foram feitos por decisão do Ministério da Saúde, sem participação dos acusados.
Os advogados dizem ainda que os diálogos citados pela PGR tratam de articulações políticas locais, não de cobranças ilícitas, e que o então prefeito José Eudes negou ter recebido pedidos de propina em nome dos deputados. As defesas também apontam falhas na investigação, como o “acesso tardio às mensagens” usadas na denúncia, e pedem absolvição por falta de provas.
Este será o primeiro processo sobre supostos desvios de emendas envolvendo parlamentares a chegar à fase de julgamento no STF, em um total de mais de 80 investigações que envolvem deputados e senadores e que tramitam na Corte, a maior parte sob relatoria do ministro Flávio Dino.
O avanço dessas apurações ocorre em meio a um novo desgaste entre o Congresso e o Supremo, após a prisão definitiva de Bolsonaro e de outros seis réus no caso da trama golpista, que reacendeu críticas de deputados e senadores da oposição ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo.
Como mostrou o Estadão, avançam no Congresso diversos projetos que buscam reduzir o poder dos ministros do STF, de propostas que restringem decisões individuais a textos que autorizam o Parlamento a anular julgamentos da Corte e criam um novo rito para processos de impeachment de ministros.
Em outra frente, a oposição, capitaneada pela família Bolsonaro, busca formar maioria no Senado em 2026. A eleição para a Casa é tratada como decisiva pelo ex-presidente, já que uma maioria bolsonarista daria ao grupo força para pressionar o Supremo com pedidos de impeachment de ministros. O Senado é o órgão responsável por processar e julgar esses pedidos, exercendo a prerrogativa constitucional de funcionar como instância de controle sobre o STF.
Bolsonaro já disse em público que, se tiver mais de 50% de cadeiras no Congresso, vai “mandar mais que o presidente da República”, ainda que ele esteja fora do jogo.
Para o professor do Insper Leandro Consentino, o início das investigações contra parlamentares relacionadas às emendas tende a tensionar ainda mais a relação entre os dois Poderes, especialmente a um ano das eleições.
Ele avalia que essas apurações atingem diretamente o centro da dinâmica política atual, que gira em torno do controle das verbas parlamentares, e colocam deputados e senadores sob risco real de responsabilização criminal. “Há ainda a percepção, entre parte da classe política, de que existe um ‘jogo casado’ entre o STF e o governo nesses casos”, afirma.
Segundo Consentino, esse cenário incentiva o Legislativo a reagir de forma corporativa e a intensificar a pressão sobre o Supremo, ampliando o clima de confronto institucional às vésperas de 2026. “A tensão com o STF tende a aumentar porque essas investigações ocorrerão em ano eleitoral. Mais uma página de tensionamento entre os dois Poderes pode começar”, diz.
