28 de novembro de 2025
Politica

O problema do autoritarismo legislativo

A reação de Davi Alcolumbre à indicação de Jorge Messias para o STF revela um agravamento de um problema que há muito tempo atravessa a política brasileira, mas que é muito pouco debatido: o autoritarismo legislativo. Esse conceito, desenvolvido por cientistas políticos latino-americanos, aponta para um fenômeno distinto daquele que historicamente dominou a teoria política, na qual o Executivo era quase sempre visto como o grande vilão das democracias em erosão.

Teóricos como Steven Levitsky mostraram recentemente que democracias não morrem apenas por força de golpes explícitos contra as instituições, mas frequentemente pela manipulação interna das regras do jogo. Ou seja, pelo uso das próprias instituições para subverter seus princípios, rotinas e salvaguardas.​ Autores como Paolo Sosa-Villagarcia, José Incio e Moisés Arce, por sua vez, observando o caso do Perú, demonstram que, ao contrário do que se imaginou por décadas, a morte das democracias pode vir não só do engrandecimento do Executivo, mas do próprio poder Legislativo, tradicionalmente visto como espaço do pluralismo e da representação popular.

O autoritarismo legislativo consiste na concentração de poderes pelo Parlamento e na restrição dos controles externos e internos que deveriam limitar sua atuação. Isso pode acontecer quando o Congresso amplia formalmente suas competências, como o controle sobre o orçamento ou nomeações, e simultaneamente age para blindar-se contra o Judiciário, as agências de controle, a oposição e até do escrutínio público.​

No Brasil, os sintomas desse fenômeno são evidentes: o orçamento secreto canalizou volumes bilionários de recursos com baixa transparência e forte capacidade de veto por parte dos líderes legislativos; reformas regimentais na Câmara silenciaram a oposição e restringiram instrumentos de fiscalização; pautas-bomba foram utilizadas como barganha ou retaliação ao Poder Executivo; manifestações e o acesso de cidadãos ao Parlamento são limitados por normas administrativas e regimentais.

O episódio recente, em que Alcolumbre reage não com rigor democrático na sabatina nem avaliando o mérito do indicado, mas com represálias de agenda e boicote institucional, é um passo perigoso nessa trajetória. Movimentos sociais e especialistas já defendem há anos sabatinas mais exigentes para o Supremo, mas o problema agora não é excesso de rigor, é o afastamento do Senado desse critério, preferindo artifícios regimentais e negociações obscuras para tentar impor outro nome ao Palácio do Planalto, minando o espírito da cooperação e do controle recíproco entre poderes.​

Se queremos uma democracia forte, todos os poderes e os que os representam precisam prestar contas à sociedade pela forma como exercem suas atribuições. Democracias não se defendem apenas nos atos de exceção; elas morrem na normalização cotidiana dos abusos cometidos em nome da maioria e dos arranjos de ocasião. O autoritarismo legislativo, por ser mais difuso e menos vistoso, exige vigilância permanente e compromisso com as regras do jogo, sobretudo por parte de quem tem o dever de garantir sua integridade.​

 

 

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