2 de dezembro de 2025
Politica

As melhores memórias

Gosto de escrever sobre a passagem do tempo. O tema me fascina, mas, de certo modo, também causa desconforto e até assusta. Ainda pequenos, começamos a perceber que temos um prazo de validade sobre a Terra. Meu primeiro contato com a finitude da vida foi com a morte da minha bisavó. Eu devia ter uns cinco ou seis anos e guardo boas lembranças das visitas à sua casa. Lá, eu podia tomar guaraná – da Brahma – e comer biscoitos caseiros — um verdadeiro paraíso! Entrar na casa dela era como atravessar um túnel do tempo: móveis, quadros, louças — tudo remetia a um passado distante. Pudera: ela havia nascido no longínquo ano de 1892, ainda no século XIX.

O tempo é implacável – avança sem piedade; é inexorável – nada pode detê-lo; e, acima de tudo, é inacumulável — não pode ser guardado para depois, só pode ser vivido no presente.

A nossa percepção do tempo vai mudando ao longo da vida. Recentemente, deparei-me com o livro O Deserto dos Tártaros, do italiano Dino Buzzati, uma obra primorosa cujo tema central é justamente a passagem do tempo. Segundo a reflexão do autor — com a qual concordo inteiramente —, quando somos jovens, as páginas da vida parecem virar devagar, acumulando-se sobre as já vividas. Na juventude, essa pilha representa apenas uma leve camada, enquanto as páginas que faltam ler parecem formar, em comparação, um volume inesgotável. Mas, na verdade, cada página virada é uma porção de vida que se vai. E, à medida que avançamos no livro da vida, temos a nítida sensação de que as páginas começam a virar cada vez mais depressa.

A esta altura, é possível que o leitor esteja um pouco desconfortável. Porém, acredito ser este incômodo saudável, desde que sirva para conscientizar, e não angustiar. Afinal, precisamos saber usar bem o nosso ativo mais precioso. Como li certa vez num texto apócrifo: “Nunca se ouviu falar de alguém, no leito de morte, que tenha se arrependido de não ter passado mais tempo no escritório.”

Na medida do possível, não devemos deixar de fazer as coisas de que gostamos, ao lado de quem amamos – o tempo voa! E, se ainda conseguirmos fazer o bem, ter um propósito, e contribuir para um mundo menos desigual, tanto melhor. São essas coisas que realmente fazem a diferença na vida.

Entre todas as pessoas com mais de 80 anos que conheço — e que têm condições financeiras de manter uma vida digna — posso afirmar sem medo de errar: as mais felizes não são as que têm mais dinheiro depositado no banco, mas sim, as que guardam as melhores memórias.

 

 

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