3 de dezembro de 2025
Politica

Gilmar concede liminar para que só PGR possa pedir impeachment de ministros do STF; veja o que muda

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma medida liminar nesta quarta-feira, 3, que altera o rito e torna mais difícil o impeachment de ministros do tribunal. Com o despacho, o decano se antecipou ao julgamento das ações movidas pelo Solidariedade e pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), que serão analisadas no plenário virtual da Corte a partir da próxima sexta-feira, 12 de dezembro.

Por tratarem do mesmo assunto, as petições tramitam em conjunto. As autoras argumentam que as regras para o impedimento de ministros do Supremo não foram recebidas pela Constituição.

Na liminar proferida pelo decano, Gilmar retirou de “todo cidadão” o direito de denunciarum crime de responsabilidade contra um ministro do STF. Segundo a decisão, a denúncia caberá somente à Procuradoria-Geral da República (PGR). Além disso, o quórum para o afastamento de um ministro foi alterado para dois terços do Senado (54 dos 81). Até então, o processo de impedimento de um juiz do STF podia ser aberto por maioria simples dos senadores (41 dos 81).

O decano proferiu a decisão após ouvir esclarecimentos do Congresso, da PGR e da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre o tema. “A prática do impeachment de ministros, quando utilizada de forma abusiva ou instrumentalizada, não se limita a um ataque a indivíduos, mas se configura como um ataque à própria estrutura do Estado de Direito”, argumentou Gilmar na decisão.

O ministro Gilmar Mendes, decano do STF, é relator de ações que podem dificultar o impeachment de ministros do tribunal
O ministro Gilmar Mendes, decano do STF, é relator de ações que podem dificultar o impeachment de ministros do tribunal

O caso é julgado na classe da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Nesse tipo de ação, o STF avalia se uma norma anterior à Constituição viola os princípios da ordem legal do País. A Lei do Impeachment é de 1950, enquanto a Constituição é de 1988.

Segundo as regras atuais, qualquer cidadão pode denunciar um crime de responsabilidade de um ministro do STF. O pedido é encaminhado ao Senado e só é levado adiante por decisão do presidente da Casa.

Em um impeachment de presidente da República, a Câmara dos Deputados julga o recebimento da denúncia contra o mandatário, que leva ao afastamento cautelar do cargo, enquanto o Senado julga o crime de responsabilidade em si. Nos processos de impedimento contra ministros do Supremo, o Senado acumula as duas funções, julgando tanto o recebimento quanto o mérito da denúncia. Nas duas votações, o processo avança mediante maioria simples.

Os argumentos das autoras

A Lei do Impeachment prevê que um membro do STF comete crime de responsabilidade ao “ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo”, ou ao “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”.

Para o Solidariedade, a redação é “vaga” e abre brechas para que juízes da Corte sejam afastados por mera discordância sobre a aplicação da lei. “Não é permitido qualquer tipo de sanção político-administrativa contra ministros do Supremo em razão de contrariedade ou inconformismo com decisões proferidas no exercício da função judicante, sob pena de institucionalização do ‘crime de hermenêutica’”, afirma a petição.

A sigla também questiona a permissão para que “todo cidadão” denuncie crimes de responsabilidade de ministros do STF, tal como é disposto para o impeachment de um presidente da República.

Segundo o partido, um ministro do STF não está submetido ao “escrutínio político-popular” de um presidente. Nesse sentido, o impedimento de um integrante da Corte não pode ser um “juízo político”, mas uma “ação penal pública”, cuja deflagração é prerrogativa da PGR.

O Solidariedade também questiona o quórum de votação para o afastamento. Segundo o partido, a exigência de maioria simples (41 senadores) para o impeachment de um ministro é um “total contrassenso” ao exigido para a nomeação de integrantes da Corte, que demanda a maioria absoluta dos senadores, que equivale a 54 votos.

Já a AMB questionou o quórum de aprovação do processo por outra linha de argumentação. Para a associação, o rito de afastamento de um ministro do STF deve ser análogo ao previsto pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman), segundo a qual um juiz é afastado do cargo mediante voto de dois terços dos membros do tribunal a que pertence, ou seu órgão especial.

O que diz o Senado

A Advocacia do Senado rebateu os argumentos apresentados pelas peticionantes. Sobre a imprecisão dos “crimes de responsabilidade”, a Casa alegou que a redação vaga “é própria do gênero ‘crime de responsabilidade’, que envolve conceitos jurídicos indeterminados”. “Tipos abertos não significam arbítrio, mas flexibilidade para abranger condutas graves e inéditas que atentem contra a Constituição, de maneira que a abertura ou indeterminação não retira a validade da lei”, disse a Advocacia do Senado em ofício ao STF.

Nesse sentido, segundo a contestação, a presidência do Senado tem atuado como “verdadeiro filtro republicano, resguardando a independência judicial e evitando que a mera discordância quanto ao conteúdo de decisões jurisdicionais seja fundamento para processos de impeachment”.

Os advogados do Senado também defenderam a permissão de qualquer cidadão para denunciar crimes de ministros do Supremo. Segundo o ofício da Casa, para que essa fosse uma atribuição exclusiva da PGR, deveria haver previsão expressa da Constituição.

No mesmo sentido, a Advocacia do Senado argumentou que o quórum qualificado é uma “exceção” na legislação, enquanto a maioria simples é a regra. Assim, se não há previsão expressa de maioria qualificada para o impeachment de ministro do Supremo, deve prevalecer o quórum simples.

O impeachment de um ministro do STF é votado pelo plenário do Senado Federal
O impeachment de um ministro do STF é votado pelo plenário do Senado Federal
O que diz a PGR

A PGR defendeu a procedência parcial das petições. A Procuradoria entende que o quórum para a abertura do processo deve ser qualificado, de dois terços dos senadores, e não simples. Segundo a PGR, o processo de impeachment gera “repercussões traumáticas” nas instituições do País e, por essa razão, deve contar com “reflexão acentuada e consenso elevado”.

A Procuradoria também arrogou para si a prerrogativa de denunciar crimes de responsabilidade de ministros do Supremo. A PGR destacou que o elevado número de denúncias contra ministros ao Senado indica uma “banalização do instrumento”. Aos cidadãos, estaria reservado o direito de apresentar uma notícia crime, mas não a denúncia contra o ministro em si.

A AGU foi instada por Gilmar Mendes a prestar esclarecimentos sobre o tema, mas não opinou sobre os argumentos apresentados nas arguições. Já a Câmara foi notificada, mas não apresentou seu parecer sobre o caso.

Nunca houve impeachment de juiz do STF, e só um foi afastado

Embora previsto na legislação, o impeachment de ministros do STF nunca foi consumado. Em 134 anos, o Supremo só teve um integrante demovido do cargo por decisão do Legislativo. Em 1894, o Senado negou a indicação de Cândido Barata Ribeiro para uma das cadeiras na Corte. Os senadores avaliaram que Barata Ribeiro, que era médico, não possuía o “notável saber” previsto na Constituição para o exercício do cargo de juiz da Suprema Corte. A primeira Constituição da República não continha a expressão “notável saber jurídico”. A expressão do texto era apenas “notável saber”.

Barata Ribeiro teve indicação ao STF rejeitada pelo Senado, mas exerceu cargo na Suprema Corte por 11 meses
Barata Ribeiro teve indicação ao STF rejeitada pelo Senado, mas exerceu cargo na Suprema Corte por 11 meses

A negativa da indicação, na prática, foi um afastamento. Segundo o rito atual, um indicado ao STF é sabatinado pelo Senado antes de ser empossado no cargo. De acordo com a Constituição vigente nos primeiros anos da República, o indicado podia exercer o posto antes de ter o nome aprovado pelos senadores.

O presidente Floriano Peixoto indicou Barata Ribeiro ao STF em outubro de 1893, durante um recesso parlamentar, o que impediu que a sabatina com o médico fosse realizada de imediato. O médico foi ministro do STF por 11 meses até ter a indicação barrada no Senado.

 

 

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