Gilmar concede liminar para que só PGR possa pedir impeachment de ministros do STF; veja o que muda
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma medida liminar nesta quarta-feira, 3, que altera o rito e torna mais difícil o impeachment de ministros do tribunal. Com o despacho, o decano se antecipou ao julgamento das ações movidas pelo Solidariedade e pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), que serão analisadas no plenário virtual da Corte a partir da próxima sexta-feira, 12 de dezembro.
Por tratarem do mesmo assunto, as petições tramitam em conjunto. As autoras argumentam que as regras para o impedimento de ministros do Supremo não foram recebidas pela Constituição.
Na liminar proferida pelo decano, Gilmar retirou de “todo cidadão” o direito de denunciarum crime de responsabilidade contra um ministro do STF. Segundo a decisão, a denúncia caberá somente à Procuradoria-Geral da República (PGR). Além disso, o quórum para o afastamento de um ministro foi alterado para dois terços do Senado (54 dos 81). Até então, o processo de impedimento de um juiz do STF podia ser aberto por maioria simples dos senadores (41 dos 81).
O decano proferiu a decisão após ouvir esclarecimentos do Congresso, da PGR e da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre o tema. “A prática do impeachment de ministros, quando utilizada de forma abusiva ou instrumentalizada, não se limita a um ataque a indivíduos, mas se configura como um ataque à própria estrutura do Estado de Direito”, argumentou Gilmar na decisão.

O caso é julgado na classe da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Nesse tipo de ação, o STF avalia se uma norma anterior à Constituição viola os princípios da ordem legal do País. A Lei do Impeachment é de 1950, enquanto a Constituição é de 1988.
Segundo as regras atuais, qualquer cidadão pode denunciar um crime de responsabilidade de um ministro do STF. O pedido é encaminhado ao Senado e só é levado adiante por decisão do presidente da Casa.
Em um impeachment de presidente da República, a Câmara dos Deputados julga o recebimento da denúncia contra o mandatário, que leva ao afastamento cautelar do cargo, enquanto o Senado julga o crime de responsabilidade em si. Nos processos de impedimento contra ministros do Supremo, o Senado acumula as duas funções, julgando tanto o recebimento quanto o mérito da denúncia. Nas duas votações, o processo avança mediante maioria simples.
Os argumentos das autoras
A Lei do Impeachment prevê que um membro do STF comete crime de responsabilidade ao “ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo”, ou ao “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”.
Para o Solidariedade, a redação é “vaga” e abre brechas para que juízes da Corte sejam afastados por mera discordância sobre a aplicação da lei. “Não é permitido qualquer tipo de sanção político-administrativa contra ministros do Supremo em razão de contrariedade ou inconformismo com decisões proferidas no exercício da função judicante, sob pena de institucionalização do ‘crime de hermenêutica’”, afirma a petição.
A sigla também questiona a permissão para que “todo cidadão” denuncie crimes de responsabilidade de ministros do STF, tal como é disposto para o impeachment de um presidente da República.
Segundo o partido, um ministro do STF não está submetido ao “escrutínio político-popular” de um presidente. Nesse sentido, o impedimento de um integrante da Corte não pode ser um “juízo político”, mas uma “ação penal pública”, cuja deflagração é prerrogativa da PGR.
O Solidariedade também questiona o quórum de votação para o afastamento. Segundo o partido, a exigência de maioria simples (41 senadores) para o impeachment de um ministro é um “total contrassenso” ao exigido para a nomeação de integrantes da Corte, que demanda a maioria absoluta dos senadores, que equivale a 54 votos.
Já a AMB questionou o quórum de aprovação do processo por outra linha de argumentação. Para a associação, o rito de afastamento de um ministro do STF deve ser análogo ao previsto pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman), segundo a qual um juiz é afastado do cargo mediante voto de dois terços dos membros do tribunal a que pertence, ou seu órgão especial.
O que diz o Senado
A Advocacia do Senado rebateu os argumentos apresentados pelas peticionantes. Sobre a imprecisão dos “crimes de responsabilidade”, a Casa alegou que a redação vaga “é própria do gênero ‘crime de responsabilidade’, que envolve conceitos jurídicos indeterminados”. “Tipos abertos não significam arbítrio, mas flexibilidade para abranger condutas graves e inéditas que atentem contra a Constituição, de maneira que a abertura ou indeterminação não retira a validade da lei”, disse a Advocacia do Senado em ofício ao STF.
Nesse sentido, segundo a contestação, a presidência do Senado tem atuado como “verdadeiro filtro republicano, resguardando a independência judicial e evitando que a mera discordância quanto ao conteúdo de decisões jurisdicionais seja fundamento para processos de impeachment”.
Os advogados do Senado também defenderam a permissão de qualquer cidadão para denunciar crimes de ministros do Supremo. Segundo o ofício da Casa, para que essa fosse uma atribuição exclusiva da PGR, deveria haver previsão expressa da Constituição.
No mesmo sentido, a Advocacia do Senado argumentou que o quórum qualificado é uma “exceção” na legislação, enquanto a maioria simples é a regra. Assim, se não há previsão expressa de maioria qualificada para o impeachment de ministro do Supremo, deve prevalecer o quórum simples.

O que diz a PGR
A PGR defendeu a procedência parcial das petições. A Procuradoria entende que o quórum para a abertura do processo deve ser qualificado, de dois terços dos senadores, e não simples. Segundo a PGR, o processo de impeachment gera “repercussões traumáticas” nas instituições do País e, por essa razão, deve contar com “reflexão acentuada e consenso elevado”.
A Procuradoria também arrogou para si a prerrogativa de denunciar crimes de responsabilidade de ministros do Supremo. A PGR destacou que o elevado número de denúncias contra ministros ao Senado indica uma “banalização do instrumento”. Aos cidadãos, estaria reservado o direito de apresentar uma notícia crime, mas não a denúncia contra o ministro em si.
A AGU foi instada por Gilmar Mendes a prestar esclarecimentos sobre o tema, mas não opinou sobre os argumentos apresentados nas arguições. Já a Câmara foi notificada, mas não apresentou seu parecer sobre o caso.
Nunca houve impeachment de juiz do STF, e só um foi afastado
Embora previsto na legislação, o impeachment de ministros do STF nunca foi consumado. Em 134 anos, o Supremo só teve um integrante demovido do cargo por decisão do Legislativo. Em 1894, o Senado negou a indicação de Cândido Barata Ribeiro para uma das cadeiras na Corte. Os senadores avaliaram que Barata Ribeiro, que era médico, não possuía o “notável saber” previsto na Constituição para o exercício do cargo de juiz da Suprema Corte. A primeira Constituição da República não continha a expressão “notável saber jurídico”. A expressão do texto era apenas “notável saber”.

A negativa da indicação, na prática, foi um afastamento. Segundo o rito atual, um indicado ao STF é sabatinado pelo Senado antes de ser empossado no cargo. De acordo com a Constituição vigente nos primeiros anos da República, o indicado podia exercer o posto antes de ter o nome aprovado pelos senadores.
O presidente Floriano Peixoto indicou Barata Ribeiro ao STF em outubro de 1893, durante um recesso parlamentar, o que impediu que a sabatina com o médico fosse realizada de imediato. O médico foi ministro do STF por 11 meses até ter a indicação barrada no Senado.
