3 de dezembro de 2025
Politica

Decisão de Gilmar alimenta os ressentimentos que geram os Bolsonaros da vida

O chamado bolsonarismo não é apenas um movimento acidental centrado na figura de um líder de índole golpista que hoje cumpre pena por tentativa de golpe de Estado nas dependências da Polícia Federal de Brasília. É, de alguma maneira, uma forma até dogmática de ver o Brasil e o mundo, seja conjuntural ou estrutural. Do ponto de vista deles, há um grande sistema que persegue pessoas com valores como conservadorismo, cristianismo, patriotismo ou mesmo a retidão moral – que Bolsonaro, mártir, representaria…

A perseguição implacável a essa seita (digamos assim) ocorreria, na visão deles, por meio de um sistema formado por grupos de mídia, intelectuais, artistas e todos os que não comungam com os valores “patriotas”. Esse fantasma costuma receber o nome de “esquerda”. E na ponta de lança dessa caça “aos homens de bem”, estaria o Supremo Tribunal Federal, e suas decisões percebidas como arbitrárias, demagógicas, intervencionistas e até mesmo antidemocráticas. Assim é vista a batalha civilizacional em curso – entre o bem e o mal.

A cada abuso detectado por parte do Judiciário, o bolsonarismo – e mesmo setores além – fortalece sua visão de mundo com novos argumentos. Não estão mais nas ruas por medo de se expor, mas continuam com vigor nas reuniões de família, nas empresas, mais discretos nas redes e, sobretudo, nos grupos de WhatsApp e assemelhados, que são seus ambientes naturais. “O Brasil é uma ditadura de toga” é uma das expressões que mais se lê e se escuta nesses recintos.

Gilmar Mendes, decano do STF
Gilmar Mendes, decano do STF

Se revoltam, por exemplo, com a indicação do “petista” Jorge Messias para o Supremo Tribunal Federal. Seria mais um a acossá-los. Estão a todo momento mostrando as ligações profissionais do (ex-?) banqueiro Daniel Vorcaro com ministros do Lula, com jornalistas, com a esposa do ministro Alexandre de Moraes. Não têm poupado nem mesmo o pessoal do centrão que se relacionou com tal arrivista.

Acompanham com lupa cada decisão do ministro Dias Toffoli de anular alguma condenação da Operação Lava Jato. Cada evento de confraternização (quer dizer, de debates) com participação pública de ministros do Supremo é exibido em capturas de tela e links como prova de que haveria uma grande conspiração em curso.  

Nesse sentido, a decisão do ministro Gilmar Mendes de dificultar a instauração de um processo de impeachment de algum integrante do Supremo no Senado seria uma espécie de evolução não tão surpreendente dos acontecimentos. Era o que se esperava dele.

Hoje, entre os que se opõem ao trabalho do Supremo, há dois grupos. Aqueles que percebem exageros e imprudências, mas teria sido por uma boa causa, ou seja, para desbaratar um golpe de Estado. E aqueles que acham que, desde o começo, o Supremo agiu de maneira despótica e condenou gente inocente que representava ameaça a esse sistema corrupto – em todos os níveis. Somados os dois grupos, não é pouca gente que pensa assim.

Por mais que tenha justificativas jurídicas, do ponto de vista político, a decisão de Gilmar Mendes servirá como um recado duro. Para aqueles que pedem mais autocontenção ao Supremo: um banho de água fria, a marcha por domínio da cúpula do Judiciário continuará. Para aqueles que se sentem injustiçados: uma sensação de arbitrariedade que só será revertida quando conseguirem eleger novamente outro candidato outsider. Ou seja, alimenta-se o caldo de cultura para um Bolsonaro radicalizado, porém mais astuto, mais cuidadoso com os ritos e aparências. Este é o risco que corremos.

 

 

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