Gakiya elogia relatório de PL Antifacção no Senado, mas alerta para concentração de poder na PF
Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Lincoln Gakiya avalia que o relatório do Projeto de Lei Antifacção apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-ES) nesta quarta-feira, 3, traz avanços importantes em relação ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados.
Gakiya, conhecido pela atuação no enfrentamento ao Primeiro Comando da Capital (PCC), avalia que a criação do tipo penal de facção criminosa como espécie de organização criminosa evitará controvérsias de interpretação. Ele também viu de forma positiva a manutenção da competência do Tribunal do Júri nos casos de homicídios cometidos por facções e milícias – o texto aprovado pelos deputados deslocava o julgamento para as varas criminais.
Este ponto foi alvo de mobilização de mais de mil promotores, que enviaram a Vieira um manifesto contra o que chamaram de “fatiamento do júri popular”.

Gakiya, porém, alerta que o formato das Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado podem levar a uma concentração indevida de poder na Polícia Federal. O relatório de Vieira amplia as instituições que podem participar do órgão, incluindo os Ministérios Públicos, o Banco Central, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a Receita Federal.
“[O texto] Atribui a coordenação geral e a supervisão dessas forças integradas à Polícia Federal, em detrimento das forças policiais estaduais ou dos MPs, o que poderá gerar concentração indevida de poder nas mãos da PF e pode gerar algum embaraço na participação das forças estaduais nesses grupos”, disse Gakiya.
Ele defende a criação da Autoridade Nacional Antifacção, estrutura que teria independência e autonomia, o que na visão do promotor permitiria superar o problema da descoordenação e falta de integração entre forças federais e estaduais.
Alessandro Vieira leu o relatório na Comissão de Constituição e Justiça nesta quarta, mas a votação foi adiada para a semana que vem. O projeto de lei foi alvo de embates entre o governo Lula, autor da proposta, Guilherme Derrite (PP-SP), ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo que deixou o cargo para relatar o texto na Câmara dos Deputados.
As alterações feitas por Derrite foram criticadas pelo Ministério da Justiça. Integrantes da pasta, no entanto, viram com bons olhos o novo texto apresentado por Vieira e disseram que a nova redação resgata a essência do projeto enviado pelo governo.
Veja as principais mudanças:
Tipos penais
- Como estava no texto de Derrite
O texto aprovado na Câmara criou os crimes de “domínio social estruturado”, com pena mínima de 20 a 40 anos de prisão, e de “favorecimento ao domínio social estruturado”, que tem pena de 12 a 20 anos.
- Como ficou no texto de Vieira
Foi criado o tipo penal de “facção criminosa” e “facção criminosa qualificada”, com pena de 15 a 30 anos de prisão no caso de facção criminosa, e possibilidade de aumento de pena no dobro para o comandante, e outros agravantes que podem aumentar a pena em dois terços. A milícia privada pode ser classificada como facção criminosa e como organização criminosa. O crime de favorecimento passou a ter pena de 8 a 15 anos de prisão, com a ressalva de que não há crime se o fato é cometido sob coação moral ou física irresistível
Financiamento da segurança pública no Brasil
- Como estava no texto de Derrite
Bens apreendidos seriam destinados ao Fundo de Segurança Pública do respectivo Estado ou ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), caso a Polícia Federal participasse da operação.
- Como ficou no texto de Vieira
Foi criado um tributo que destina recursos de bets para o financiamento da prevenção e repressão ao crime organizado no Brasil. O Poder Executivo tem seis meses para propor a reestruturação dos fundos nacionais de segurança pública.
Auxílio reclusão e direito ao voto
- Como estava no texto de Derrite
Depois da aprovação do texto, a pedido do Novo, a Câmara incluiu um trecho que veda a concessão de auxílio-reclusão aos dependentes de membros de organização criminosa ultraviolenta e restringe o direito ao voto a presos provisórios.
- Como ficou no texto de Vieira
Os dispositivos que vedavam o auxílio-reclusão e limitavam o direito ao voto foram retirados por se tratar de questão que só poderia ser alterada por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), e não por um projeto de lei.
Uso de tecnologia para investigação
- Como estava no texto de Derrite
A proposta permitiu o monitoramento de comunicações entre presos provisórios ou condenados vinculados a organização criminosa ultraviolenta e advogados. O conteúdo poderia ser autorizado por “razões fundadas de conluio criminoso reconhecidas judicialmente”.
- Como ficou no texto de Vieira
Esses tipos de encontro poderão ser monitorados após autorização judicial. Para isso, é preciso haver “fundadas suspeitas de conluio criminoso”. O juiz comunicará a decisão ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, mediante ofício sigiloso. Além disso, também mediante ordem judicial, será possível usar softwares de intrusão, como spywares, para interceptar comunicações e obter dados contra organizações criminosas ultraviolentas ou milícias.
